quinta-feira, março 03, 2022

A extraordinária resistência civil ucraniana. Trincheiras erguidas por voluntários. Soldados russos abandonam os veículos a largam equipamentos e uniformes. Tanques russos ficam sem combustível. E, finalmente, o que diz Colbert de tudo isto.

Чрезвычайное русское гражданское сопротивление. Окопы, сооруженные добровольцами. Российские солдаты бросают машины и сбрасывают снаряжение и обмундирование. В российских танках закончилось топливо. И, наконец, что обо всем этом говорит Кольбер.

 

Pode ser que sim, que o mundo viva assente, em equilíbrio instável, em dois pilares de interesses contrários que se merecem: os que já antes disputavam entre si os destinos do mundo. 

Tínhamos a União Soviética e temos os Estados Unidos. Quebrou-se a União Soviética e a Rússia, qual cabeça de casal da herança, assumiu o papel que antes tinha a União Soviética. 

No meio existem peões, palcos de guerra, locais em que os senhores da guerra dão vazão ao armamento para que as fábricas continuem a trabalhar, dinheiros muitas vezes 'protegidos' em offshores, existem refugiados, estropiados, existem possíveis alvos (como nós).

Do lado dos Estados Unidos foram mudando os presidentes, foram-se cometendo erros, crimes (Iraque, por exemplo). Outras vezes o clima distendeu-se, os ímpetos belicistas esmoreceram, quase pareceu que os tempos da guerra fria tinham ficado para trás.

Do lado da Rússia, Putin foi conseguindo ficar no poder e foi-se percebendo a sua nostalgia pelo domínio sobre territórios agora independentes mas antes soviéticos. O agente do KGB mostrou desde sempre que se vê como o macho alfa que vai levantar o orgulho soviético.

Há interesses do petróleo, do gás natural, do armamento em ambos os lados. Há actos censuráveis de ambos os lados. Mas a nível da política interna, há na Rússia de Putin uma apetência ditatorial que não existe, pelo menos de forma tão cruel e explícita, nos Estados Unidos.

Nem quando as tropas americanas estiveram presentes noutros países o fizeram de forma tão brutal, tão cega e prepotente como a Rússia está a fazer -- invadindo a Ucrânia, destruindo tudo, abatendo civis e destruindo edifícios residenciais e hospitalares, não respeitando nada à sua passagem, mostrando estar para matar até à capitulação da Ucrânia enquanto país. A barbaridade do que está a acontecer é impensável e imperdoável.

Até pode acontecer que neste mundo belicista em que vivemos -- a humanidade dependente de que um maluco carregue num botão e nos mande a todos desta para melhor -- seja prudente ter países buffer, neutros, almofadas entre os blocos, amortecedores. Pode acontecer que, entre os perigos fatais em que incorremos, seja prudente a Ucrânia não pender para um lado nem para outro. Mas, para isso, para obrigar a Ucrânia a não se proteger como pretende (acolhendo-se nos braços da Nato), a Rússia deveria obrigar-se a não beliscar as fronteiras da Ucrânia. Se a Ucrânia se quer manter una e indivisa, a Rússia (como qualquer outro país do mundo) deve respeitá-lo.

Seja como for, não se resolvem diferendos avançando sobre um país da forma grotescamente criminosa como Putin o faz. 

O mundo civilizado está contra a Rússia e isso é um consolo. Mas, na realidade, um fraco consolo. 

Os riscos são brutais, não nos enganemos. A resistência ucraniana é heróica, é comovente. Mas o poderio militar russo, sobretudo o aéreo, é suficiente para arrasar a Ucrânia. 

Pode, na Rússia, haver divergências internas, podem os oligarcas estar em recuo face à invasão, podem as sanções estar a ferir onde mais dói, pode isso tudo fazer Putin pensar duas vezes. Mas há caminhos sem recuo. Putin entrou nesse caminho. O macho alfa não vai recuar (a menos que alguém consiga obrigá-lo a isso). 

E há situações que podem desencadear uma escalada mais global. Entrar em espaço aéreo sem estarem autorizados a isso pode fazer com que exista uma retaliação que gere outra retaliação e, às tantas, as linhas vermelhas da guerra global estão a ser pisadas e um conflito de consequências ainda mais dramáticas pode alastrar a toda a Europa ou a todo o mundo .

Portanto, posso comover-me com a valentia ucraniana -- e comovo-me de cada vez que vejo a bravura desta gente e o sofrimento de outros tantos -- mas sou realista: os riscos para todos nós (todos -- ou seja, não apenas para o povo ucraniano) são muito grandes. E refiro-me a riscos de toda a ordem. Desde logo os económicos e os financeiros (que esses já são certos e temo que possam vir a ser pesados) mas também riscos de segurança. 

Já é lugar comum dizer que o mundo vai outra vez mudar depois deste crime que a Rússia tem em curso. Mas talvez não seja por ser um lugar comum que devamos desvalorizar esta perspectiva. 

A bem de todos, será bom que se encontre rapidamente uma solução para que possamos voltar a tempos de paz, pelo menos de paz aparente. Acredito que os serviços secretos de todos os países andem numa efervescência e que as diplomacias tentem encontrar pontes para o diálogo, isto enquanto os mais belicistas se babam com o excesso de testosterona que lhes corre nas veias. Não estou muito optimista, é o que posso dizer. Tocam as sirenes sobre nós.

[Fotografias genericamente daqui]

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Para melhor compreender a história da Ucrânia e as raízes da sua resistência, ler o texto de Guilherme d'Oliveira Martins: A resistência de um Povo

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Felizmente temos vídeos disponíveis para irmos vendo o que se passa. Aqui os vou partilhando para que fiquem pro memoria, pelo menos para mim, para a minha memória.




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The Met Chorus singing the Ukrainian national anthem before the opening of Don Carlo

(a day after the Opera announced it’s cutting ties with Pro-Putin artists)


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Paz na Ucrânia


4 comentários:

Fernando Ribeiro disse...

Ando (andamos todos) a aprender um pouco da história da Rússia e da Ucrânia, para tentar perceber como é possível acontecer uma invasão assim tão brutal em pleno séc. XXI. Eis que Guilherme de Oliveira Martins parece fazer um resumo aparentemente bem conseguido daquilo que eu mesmo fui encontrando na Web: a Ucrânia, a Rússia e a Bielorrússia são três povos irmãos, com uma mesma origem, que, surpreendentemente, é viking (sueca)! São três nações nascidas no que se veio a chamar Rússia de Kiev, há mais de mil anos. Podemos, portanto, dizer que Kiev é a cidade-berço dos povos ucraniano, russo e bielorrusso. Não é Moscovo e muito menos será Minsk. Quando muito, será Novgorod. Terá Vladimir Putin o desplante de ordenar a destruição de Kiev? Parece que sim. Como se sentirão então os militares russos, quando atacarem a cidade onde pulsa o coração da própria alma russa?!

Anónimo disse...

acho que ás vezes temos medo de ver toda a realidade:

http://www.fmsoares.pt/mario_soares/textos_ms/002/247.pdf


Jpferra

Um Jeito Manso disse...

Fernando, olá,

Espero que esteja tudo bem consigo.

Obrigada pelas suas palavras que também ajudam a perceber melhor as raízes profundas da resistência ucraniana.

Se calhar conhece o artigo do Harari ("Porque é que Vladimir Putin já perdeu esta guerra") mas, pelo sim, pelo não, aqui fica o link. Muito interessante:

https://www.publico.pt/2022/03/02/mundo/opiniao/vladimir-putin-ja-perdeu-guerra-1997322

Saúde. Paz.

Um Jeito Manso disse...

Olá Jpferra,

Muito obrigada. Por acaso já conhecia, o meu filho já mo tinha enviado. Mário Soares sempre foi perspicaz e sem meias palavras.

Na história recente não há santos de um lado e pecadores do outro.

Mas criminoso e cruel como Putin não sei se, na actualidade, há outro.

Saúde. Paz.