Mas, para o efeito do que vou dizer, o sexo tanto faz. A idade é que sim, faz a difereça. É que imagino que estes meus Leitores não façam nem ideia de quem é a Bo nem do sururu que por aí houve aquando do afamado 10, muito menos da cena do Bolero e de mais não sei o quê.
Para dizer a verdade nunca vi o dito filme. Sou visceralmente avessa a tudo o que é falado por toda a gente. Falava-se com ar de coisa tal como se falava da cena da manteiga do Último Tango ou da cadeira da Sylvia Kristel. Estava-se naturalmente no dealbar dos novos tempos e havia muito boa gente que se escandalizava com pouco.
Mas, imaginando que nada de transcendente teve lugar, pelo menos de forma explícita, o certo é que ficou a ideia de que algo de especial aconteceu ali ao som do Bolero.
A propósito disso, do que pode acontecer ao som do Bolero, tenho que aqui abrir um parêntesis para inserir aquela expressão que, sabe-se lá porquê, viralizou: quem nunca...?
Mas isso agora não interessa para nada. O que interessa é que o Bolero é, na realidade, desafiador para a imaginação (de quem a tem), apela aos movimentos cadenciados e tem um timing muito ajustado a quem goste de se esmerar.
Não admira pois que inspire bailados que nos envolvem e nos transportam para momentos de sedução e intimidade.
Sylvie Guillem, por exemplo, é extraordinária na interpretação do Bolero. Rodeada de admiradores, ela seduz um por um, cativando-os, prendendo-os aos seus movimentos sensuais.
Em tempos, eu gostava de ver a patinagem artística no gelo, especialmente nos Jogos Olímpicos ou campeonatos mundiais. Agora nunca sei quando e onde dá pelo que perco tudo. Mas soube que uma jovem de 15 anos, Kamila Valieva, talentosa, virtuosa, certamente inocente em relação a malícias e subentendidos, dançou primorosamente o Bolero, fez um salto quadruplo nunca antes visto e encantou todos quantos a viram.
Fui ver e, na realidade, ela desafia as leis da física. Não se percebe como consegue girar a tal velocidade, elevando-se no ar, rodopiando, girando e caindo de pé para continuar a deslizar. E sempre com uma leveza e graciosidade encantadoras.
Numa das vezes cai mas, de imediato, se levanta e prossegue como se nada tivesse acontecido. E prossegue magistralmente. Contudo, no fim, faz beicinho, está triste, sente que não foi perfeita. Uma menina.
O pior são agora as suspeitas. Dizem que testou positivo a uma certa substância. Li que se trata de um medicamento que previne os ataques de angina (se bem percebo, a chamada angina de peito). Não me perguntem porque é que ela, a serem verdadeiras as suspeitas, tomará isso nem como é que um medicamento para uma questão cardíaca pode funcionar como um estimulante ou coisa que o valha. Nem sei quem é que, no caso de uma criança de 15 anos, decide o que ela toma ou deixa de tomar. Diria que seriam os pais. Mas os pais autorizariam uma filha, uma criança, a tomar medicamentos que a podem prejudicar quer a nível desportivo quer, sobretudo, a nível físico? E já nem falo no aspecto psicológico.
E, pensando bem -- se isto do simbolismo vale alguma coisa --, se a minha filha, aos 15 anos, participasse nos Jogos Olímpicos, a mim não me agradaria que dançasse o Bolero. Com tantos milhares de hipóteses de músicas por que raio de carga de água logo haveria de dançar o Bolero...? Claro que o Bolero é o Bolero é o Bolero e é independente do que se pode fazer ao ouvi-lo mas, sabendo que a coreografia teria forçosamente alguma conotação sexual, eu acharia que se poderia muito bem esperar pelos 18 anos da miúda.
Mas, enfim, isto é uma idosa a falar. Acho que estou assim, a modos que mal disposta, por pensar que uma jovem tão fantástica -- com umas pernas esguias desta boa maneira, com uns braços que giram em volta do corpo, com uma capacidade de elevação e uma elegância tão superlativas, com uma vida tão promissora pela frente -- pode ver manchada a sua reputação e comprometida a sua carreira por lhe darem a tomar medicamentos proibidos.
Desejo que tudo não passe de um equívoco.
Isto no dia em que soubemos que, por cá, um puto de 18 anos se preparava para causar um desgraça na escola. Soube na rádio, quando estava no carro à vinda para casa, à noite, e nem queria acreditar.
Nestas ocasiões as televisões são inundadas de espertos. Ainda não se sabe de nada e já eles sabem de tudo. Ouvi que se tratará de um puto tímido, introvertido e que consumia muitos videojogos de violência. Não vale a pena tecer considerações antes de haver certezas. O que sei, independentemente deste caso, é que deixar os putos entregues às PlayStations, a brincarem às guerras, aos ataques e a essas cenas virtuais que parecem verdadeiras e em que o seu cérebro, dúctil, se habitua às mortes e às múltiplas vidas que se podem comprar e em que as mortes não causam dor é daqueles erros que mais cedo ou mais tarde se pagam caros.
Mas, enfim, não me apetece escrever mais. Más notícias que envolvem crianças ou adolescentes deixam-me sem vontade de escrever.
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