sábado, janeiro 01, 2022

2022

 


Mal dei pelo ano que acabou. Os dias sucederam-se a um ritmo tal que, a meu ver, mal deixaram rasto. 

O que aconteceu a nível político, vendo bem, foram coisas passageiras, pouco marcantes. Os tempos são de futilidade e quase todos os partidos vão cedendo ao facilitismo. As redes sociais vão triturando as mentalidades e, aos poucos, vai-se pensando e agindo em função das reacções que aí se vão manifestando. É um mundo que não me interessa. 

A política interessa-me mas é a política no osso, sem mas-mas-mas, sem rodriguinhos, sem palavras de efeito. No osso. no campo dos princípios e das boas práticas. O diz-que-diz-que não me diz nada. Rejo-me pelo bíblico princípio de que 'pelos frutos os conhecemos'. 

A nível profissional têm sido, para mim, tempos esgotantes. Ainda há pouco recebi uma mensagem de alguém que tem partilhado este caminho a desejar-me que o próximo seja menos cansativo. Tem sido uma luta. Nunca antes tinha sido tão permanentemente desafiada. Está muito na moda dizer-se que 'crescemos' com as dificuldades. Eu não sei se cresci. Não o colocaria nesses termos. Talvez me tenha tornado mais dura, mais intransigente, mais impaciente. Mas, ao mesmo tempo, mais humilde. Tantas vezes penso que estou certa e, afinal, a realidade vem demonstrar que só interessa estar certa se o estiver no momento certo, no lugar certo. Mas, se calhar, daqui por algum tempo, tudo isto também tenha perdido relevância. 

Mas a nível pessoal aconteceu-me uma coisa muito estranha e dessa eu não posso esquecer-me. Contei-o na altura e já falei várias outras vezes.

Um dia, ao início da tarde, num check-up de rotina, por acaso no dia em que levei a vacina, foram-me detectadas alterações cardíacas relevantes. Ao repetir os exames, ao início da noite, a situação tinha-se agravado consideravelmente. Os médicos começaram a andar num rodopio e vi-os a fazerem chamadas com os meus exames na mão. E, sem que eu me sentisse mal ou percebesse o que se passava, foi accionado o protocolo reservado a estas situações. Recomendaram que chamasse o meu marido (que estava lá fora, porque não eram permitidos acompanhantes) para eu o avisar e para me despedir dele e, de imediato, apareceu a gente do INEM que me examinou e me preparou para eu seguir viagem para o hospital. Eu incrédula com aquilo, a dizer que não me sentia mal, na esperança que tudo não passasse de um absurdo equívoco. É certo que estava com a tensão a rasar os 20 (19,8 de máxima, se a memória me não falha) e é certo que me mostraram os exames que, segundo me explicaram, em poucas horas se tinham alterado consideravelmente. Se ao início da tarde as coisas estavam mal, naquela altura estavam deveras graves -- explicaram-me. E, sem que eu pudesse digerir o que estava a acontecer, já ia numa ambulância com a luz azul a banhar a estrada, a alta velocidade. E ao chegar ao hospital, fui posta numa cadeira de rodas e levada para a sala de reanimação. Nem sei tudo o que me fizeram, nem o que me perguntaram nem o que fui dizendo. A todo o momento esperava que me dissessem que afinal estava tudo bem. Mas não. O meu filho e a minha filha apareceram e eu queria tranquilizá-los mas não sabia como pois nem percebia o que estava a passar-se. E, para minha ainda maior surpresa, tive que lá ficar, em observação. E foi uma noite dramática, do pior que poderia imaginar.

Quando li o que estava escrito na documentação da clínica, enfarte agudo de miocárdio, nem queria acreditar. 

A seguir, foram exames e mais exames. Parece que não terá sido exactamente um enfarte agudo de miocárdio. As opiniões não são consensuais. Acidente isquémico, inflamação do miocárdio - qualquer coisa. Nem quero saber. Não me interessa. Os cardiologistas não descartam que tenha sido da vacina mas também dizem que pode ter sido por qualquer outra coisa. Sei é que ficaram sequelas para o resto da vida.

Mas o que retiro daqui é que, na volta, se não tem sido a coincidência extraordinária de fazer um electrocardiograma no justo momento em que a coisa estava a dar-se, ainda corria o risco de ir desta para melhor... sem dar por isso. E isso dá-me uma perspectiva algo perturbadora do acaso que é a vida. Mas, curiosamente, no bom sentido. 

A possibilidade de a morte ser assim -- uma coisa inesperada, indolor, rodeada de estupefacção -- não me desagrada. 

Mas deixa-me ao mesmo tempo na dúvida: será que subestimo os sintomas? Será que deveria ser mais cuidadosa e atenta aos sinais do corpo? Nunca ligo patavina e isso pode não ser a melhor coisa.

Não faço ideia. A verdade é que, à parte agora ter que tomar dois comprimidos por dia e ter que fazer alguns exames de vez em quando, continuo a agir da mesma forma. Não fiquei medrosa nem inquieta. O meu marido de vez em quando pergunta-me se tenho visto a pressão arterial. Invariavelmente a resposta é não. Esqueço-me. 

Tenho para mim uma coisa que me é muito clara: o que for, soará. Não quero fugir ao meu destino. Quero ajudar a fazê-lo, é certo, mas apenas no que me for natural. Ter medo de morrer para mim é sinónimo de ter medo de existir. Por isso, não tenho medo. Gosto de existir, sem medos, e aceito o que a existência me reservar. 

E sinto-me é agradecida, mas mesmo muito agradecida, pelas felizes coincidências que, na volta, me têm salvo a vida. 

Por isso, se alguma coisa posso concluir é que bom, mas bom mesmo, é a gente viver cada bocadinho da melhor maneira possível. Nunca se sabe quando é que isto vai acabar. Portanto, é de vivermos em paz connosco e com os outros, na boa, agradecidos pelo que temos, não o desperdiçando com situações e pessoas que não interessam.

Está quase a acabar este ano. Não se sabe o que aí virá. Os tempos são de areias movediças.

Mas se for assim, um dia de cada vez, e nós conscientes do milagre que é estarmos vivos e da responsabilidade que isso comporta, amigos daqueles a quem queremos bem, exigentes para connosco e com os outros, em especial com quem nos governa -- que se zele para que cada geração deixe o planeta melhor do que o recebeu, que se zele para que cada geração deixe uma sociedade mais justa, mais inclusiva e feliz do que a que recebeu -- então, estaremos bem.

E, quanto ao resto, bola para a frente porque para a frente é que é caminho.

Feliz Ano Novo. Tudo de bom para vocês. Felicidades.


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Pinturas de Wendy Edelson ao som de Tocando para a frente na voz de Maria Bethânia

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Desejo-vos um feliz 1º dia do ano 
-- e que sejam também felizes todos os dias seguintes

15 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Feliz Ano Novo, Riqueza.

Aquele abraço.

Alice Alfazema disse...

Bom dia, UJM.
Desejo-lhe um Excelente 2022.

Beijinhos

Abraham Chevrolett disse...

Por favor. Jeito Manso :
Não tenha nunca medo de viver !
Um abraço,deveras...

Lucília Costa disse...

Feliz Ano Novo.

"Já passou
Já passou!
Não vivo mais com temor
Já passou
Já passou!

Como diz a Frozen.

Saúde, felicidades e obrigada pelos seu textos.

Lucília Costa

Olinda Melo disse...


Olá, UJM

Venho trazer-lhe os meus Votos de Feliz Ano Novo.

Os seus textos têm-me proporcionado momentos de bela
leitura. Penso que cada um dos seus leitores se
sente envolvido pela sua escrita.

Desejo que esteja recuperada do susto relacionado
com o coração. Pelo que nos tem dito, trabalha muito
e isso pode ser prejudicial. Desculpe a ousadia :)

Beijinhos
Olinda

Filo disse...

Um ótimo Ano 2022 para si e para a sua família!
Em cada dia que aqui me sento e procuro UJM, sei sempre que irei passar uns momentos bem agradáveis na leitura da crónica diária dos seus afazeres, das suas alegrias, das suas preocupações, encarnadas com otimismo e de forma positiva, das suas opiniões lúcidas e corajosas, com que tanto me identifico.
Que esse percalço de saúde esteja já completamente ultrapassado.
Até amanhã. Cá nos encontraremos!
Abraço
Filo

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Foi dar um mergulho?

Um ano muito bom, muito feliz para si, Francisco. Tudo de bom. E que nos vamos encontrando por aqui.

Obrigada pela companhia e pela simpatia.

Um bom 2022 para si e para os seus. E um beijinho para a sua Mãe.



Um Jeito Manso disse...

Olá Alice rodeada por Alfazema,

Que a delicadeza, a inspiração e a força nunca lhe faltem. Um feliz 2022 para si e para os seus. E que nos vamos acompanhando por aqui, neste imenso espaço onde nos encontramos.

Saúde e boa sorte!

Um abraço, Alice.

Um Jeito Manso disse...

Caríssimo Abraham Chevrolett,

Fico sempre contente quando o vejo por aqui.

E espero que nunca tal me aconteça, ter medo de existir. É bom a gente existir na maior despreocupação, confiante na graça dos felizes acasos.

Desejo-lhe um feliz 2022, com tudo de bom.

E vai daqui também um abraço. Um abraço de verdade.

Um Jeito Manso disse...

Olá Lucília,

Espero que esteja tudo bem consigo e com todos os seus. E espero que haja saúde, boa sorte, força para todos.

Muito obrigada pela alegria, pela boa onda.

E que os maus momentos vão ficando para trás, sem deixar rasto. Bom são os dias felizes que estão para vir.

Um feliz 2022! Mantenhamos a vontade de sorrir!

Um Jeito Manso disse...

Olá Olinda, querida amiga,

Gosto muito de vê-la por aqui. Há tantos anos que nos acompanhamos.

Quanto ao susto. Quando pergunto ao cardiologista se devo ter alguns cuidados, ele diz sempre que trabalhar muito não dá muita saúde, que stress permanente muito menos. E ri-se... acrescentando que não é só ao coração que isso faz mal, é a tudo.

Tenho para mim que este ano vou fazer de tudo para aliviar a agenda e para me poupar um bocado mais. Mas a gente sabe que de boas intenções está o inferno cheio... Mas pode ser que consiga ter essa disciplina. Assim a conjuntura me ajude.

Muita saúde para si, Olinda. E boa sorte e boa disposição.

Feliz 2022 para si e para os seus!

Beijinhos

Um Jeito Manso disse...

Olá Filo

Muito obrigada pela companhia, pela simpatia e carinho.

Quando escrevo, de facto, sinto que estou a conversar com quem está aí, desse lado. E fico muito contente por saber que as minhas palavras chegam até si e as recebe com agrado. Fico contente a agradecida.

O que aconteceu deixou sequelas. Mas o cardiologista tranquiliza-me, diz-me que só uma parte do coração é que ficou com problemas. Ou seja, o resto está bom... E diz que pode acontecer que lá para os 100 anos eu tenha que pôr um pacemaker. E eu rio-me com o que ele diz. Aos 100? Vai ser uma chatice ter que estar a pôr um pacemaker aos 100... Com um bocado de sorte, o coração aguenta-se e só preciso de o pôr aos 130.

Sabemos lá o que nos vai acontecer, não é...? Vou lá eu estar a preocupar-me já com o que pode acontecer...? Se agora me sinto bem, não vou estar a ralar-me com o futuro. Não me posso é esquecer de tomar dois comprimidos por dia. Mas isso também não chateia nada.

Haja saúde e alegria e confiança -- para mim e para si e para os seus.

Feliz 2022!

Um abração, Filo.

Maria disse...

Olá querida amiga UJM. Amiga, porque é o primeiro blog que leio pela manhã, todos os dias e sempre me delícia ; Amiga, porque me identifico nos seus textos, nos seus temas, no seu fino e alegre humor; Amiga, porque me imagino na sua faixa etária e me transmite tanta alegria e entusiasmo de viver... Obrigada e que continue os seus escritos por muito tempo.
Desejo lhe saúde, muita saúde e continuação dessa juventude de espírito que a caracteriza.
Um óptimo Ano para si e para os seus ( incl.a Ferinha linda e irrequieta).

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria

Muito obrigada. Quando sei que me leem pela manhã fico sempre apreensiva pois os textos estão ainda com as gralhas com que viram a luz do dia. Por vezes, à hora de almoço, dou-lhes uma vista de olhos e dou com letras em falta ou a mais, vírgulas que estavam bem na frase que eu tinha na cabeça e não na que ficou plasmada no texto. Por isso, só posso desejar que tenha bom acordar para sentir tolerância para com o que encontra.

Quanto a resto, só posso desejar-lhe boa sorte e saúde e tudo de bom em 2022, quer para si quer para os seus.

E, pela parte que me toca, desejo que continue a sentir simpatia (e condescendência) pelo que lê mesmo nos dias em que me dá para esparvoar...

Feliz 2022!

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Diz que a água estava bem boa, mas não me meti nessa aventura.

Ah, claro que sim, ando meio baldas, porque ando em afazeres doutorais 😁

Muito obrigado 😀

Um beijinho também para a UJM da minha mãe.