domingo, novembro 07, 2021

Crónica de um sábado tranquilo

 



Fui conhecer a peixaria em que, supostamente, o peixe vem do mar, comprado na lota. Contudo, hesitei bastante pois o que lá vi daria para grelhar ou para uma caldeirada e eu estava com ideia era num belo peixinho cozido. Quando estava a vir-me embora, a peixeira falou-me nuns chocos muito frescos. Abriu o frigorífico e mostrou-mos. Vi-os e deixei-me tentar pois pareceram-me mesmo a escorrer frescura. 

Fi-los cozidos com tinta. À parte, cozi batata normal, batata doce, feijão verde e uma cebola. Cozi os chocos sem colocar sal. Cozeram rapidamente. Depois de cozidos, retirei o pequeno saco da tinta, os olhos e os dentes. De resto, aproveitei tudo. Cortei-os, temperei com cebola crua, salsa e azeite. Estavam óptimos. Mérito deles pois sabiam a mar. Uma pessoa depois fica com a língua preta... mas paciência. Depois vai ao sítio.

Fiz duas máquinas de roupa e algumas arrumações. O meu marido esteve outdoor: limpou a caruma e as folhas secas.

A caminhada foi ampla. Tínhamos tempo. A temperatura estava baixa mas, como havia sol, o frio ficava disfarçado de agradável.

Encontrámos várias pessoas. Tenho ideia que, desta vez, de bicicleta apenas um casal. Os outros todos a caminhar.

A pessoa mais curiosa foi um rapaz muito alto e magro que vinha ao telefone, falando numa língua que não reconheci. Creio que seria nórdico. Trazia ao colo, numa daquelas cadeirinhas, um bebé que ia virado para ele, quase espalmado. Só se viam as perninhas e o gorro com dois pompons. O meu marido achou que devia ser um boneco, por ser tão pequeno e ir tão espalmado. Mas não faria sentido um homem daquele tamanho andar a passear um boneco. Quando passou por nós sorriu e disse bom dia. Em português mas com um sotaque curioso que fez soar o bom dia quase imperceptível e divertido. 

É muito frequente cruzarmo-nos com pessoas que estão a caminhar ou a cuidar dos seus jardins e que percebemos que são estrangeiras e que, agradavelmente, nos cumprimentam na nossa língua. 

Contei ao meu marido que ontem, quando vinha a chegar a casa me tinha cruzado na rotunda lá mais ao fundo com aquela mulher jovem que costuma caminhar apressadamente, de calções e top de alças e com um bebé no carrinho. Com o frio que estava ela ia, na mesma, de calções curtinhos. Não com o top de alças (por vezes praticamente apenas um soutien), mas uma tshirt de manga curta. Não sei como aguenta o frio assim vestida. O meu marido diz que se calhar no país dela as temperaturas são muito mais baixas.

Numa casa muito bonita, espectacular mesmo, uma obra de arquitectura de se lhe tirar o chapéu, onde antes já vi um homem a apanhar sol na sua espreguiçadeira mas nunca uma mulher, hoje vi-o a ele com uma mulher. Estavam curvados a plantar flores junto a um dos lados. Estavam encostados, numa cumplicidade partilhada, ambos dispondo pequenos pés de flor.

Numa outra rua, passaram por nós duas mulheres a caminhar a muito bom ritmo. Não eram especialmente jovens mas estavam vestidas de uma maneira jovem e tinham o cabelo apanhado de uma forma displicente e também juvenil. Conversavam de forma muito viva, como se falassem de alguma coisa que as indignava. Falavam em francês. Tão focadas iam no tema que nem nos viram. 

Cheirava a lareira junto a uma das casas e gostei imenso de sentir esse cheiro. Fiquei mesmo com vontade de acender a nossa.

Quase todas as casas têm pelo menos um cão. Há cães de todas as raças. Hoje vi um belíssimo, com um porte imponente. Não percebo nada de raças. O meu marido disse que lhe parecia um pastor belga. 

Passou por nós, uma rapariga com um grande pastor alemão. A rapariga quase voava, tal a força com que ele a puxava. Quando regressávamos a casa, voltámos a cruzar-nos com ela. Ia na mesma, sem conseguir impor a sua vontade, simplesmente a voar atrás dele.

O nosso ursinho ficou no jardim. Quando puder sair, virá connosco. 

Há bocado fez uma coisa que só vista. Aliás, ao fim do dia voltou a ficar com as pilhas todas e as rotações a mil. Fez trinta por uma linha. 

Antes de o pormos para dormir, o meu marido leva-o à rua. Por vezes, vai e vem com sono. Mas ultimamente esperta e volta a ser o fim da picada para conseguirmos que fique sossegado e calado. Vira e revira a sua caminha, tira a mantinha, tira o peluche que a minha filha trouxe. Aparece tudo virado do avesso no meio da cozinha. Ouvimos aquele estrafego à mistura com os seus latidos. Hoje estava de mais, ouvia-o raspar e raspar.

Acho que já o contei: da cozinha para o corredor há uma porta mas para a sala não. Então fizemos uma barreira com uma mesa de cabeceira virada com as costas para a cozinha e um aquecedor (porque a mesa de cabeceira é mais estreita que a passagem) e, para ele não ter força para empurrar o aquecedor, atrás põe-se o saco de 15 kg de ração. Quando o saco estiver menos cheio temos que encomendar outro, senão não resulta. 

Foi o que aconteceu hoje. O meu marido foi-se deitar e eu vim para a sala. E ouvia-o a fazer aquela barulheira toda. Mas o truque é não irmos lá nem dizermos nada porque ele acaba por se cansar e adormecer. E estava eu aqui a começar a escrever isto quando deixei de o ouvir. Pensei: finalmente cansou-se. Eis senão quando senti uns passinhos e... me aparece ele aqui, todo animado, a dar ao rabinho. Até me assustei. O saco da ração não devia estar a fazer suficiente pressão no aquecedor que ele tanto o empurrou que conseguiu abrir uma pequena abertura entre o aquecedor e a mesa de cabeceira. Não me perguntem como é que ele conseguiu caber por tão estreita abertura porque não consigo perceber, dir-se-ia impossível. 

E mais outra: agora tenho que chamar o meu marido para me ajudar a raspar-me da cozinha pois a irrequieta criatura, mal me vê a dirigir-me para a porta, até salta para se empoleirar em mim e, mal abro a porta, esgueira-se para o corredor. E o pior é que depois não se dá apanhado... O meu marido diz que não posso deixar que ele faça o que quer. Mas a verdade é que não consigo impedi-lo. O meu marido dá-lhe com o pé e ele quase voa. Não é um pontapé, é um empurrão com o pé. Mas claro que não consigo fazer isso, Recearia magoá-lo. Não há explicação para as coisas que ele faz, um pequeno terrorista. Mas uma graça, uma inteligência. Só que teimoso, teimoso, teimoso. 

Tomara que tenha as vacinas todas para ver se se cansa com as caminhadas. O que vale é que depois dorme até de manhã. 

Enfim. Nada mais tenho a dizer sobre este sábado tranquilo. E desculpem ter tomado o vosso tempo com coisas tão de nada.


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Flores de Salvador Dali ao som de Motherland por Natalie Merchant

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Desejo-vos um bom dia de domingo

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