Talvez seja por estarmos na silly season que ou há notícias que revelam a desgraça que se aproxima a passos largos -- secas extremas nuns cantos do mundo, inundações diluvianas noutros, tempestades, calores inaguentáveis -- ou há outras que contam a pequena história que pode atormentar a vida de gente que não faz parte da história ou há irrelevâncias que nem aos pés da pequena história chegam.
Gostava de ter de que falar mas sinto que não tenho.
Se isto fosse um diário, eu falaria de tudo. De cada assunto por mais sensível que fosse, de cada pessoa da família, de cada conhecido ou amigo, falaria de quem gosto e de quem não gosto, de quem estou cansada ou de quem tenho saudades -- e falaria por extenso. Diria exactamente o que penso, o que me preocupa, o que me alegra, o que me apetece, o que me causa repulsa, o que desejo, o que temo. Falaria com nomes, com as palavras todas. Assim, com isto que escrevo a andar por aí, pelos ares, pelas vossas casas, pelas vossas mãos, não poderei ser muito sincera.
Vou contando umas coisas, umas pinceladas. Mas raramente sou totalmente explícita.
Se contar como foi o meu dia não o conto porque ache que é digno de registo mas porque me apetece escrever e, à falta de melhor assunto, falo do que aqui tenho à mão de semear. Mas fico-me pelo que está mais à vista. Não falo do que está sob a capa da pele. Não escavo muito fundo. Acho que não devo. Não aqui.
Por exemplo, sobre este sábado. Foi muito bom. De manhã os rapazes que estão no jardim tocaram à campainha várias vezes e queriam perguntar coisas ou queriam isto ou aquilo e o meu marido estava farto, dizia 'estou farto destes gajos'. Ainda por cima, como não usam máscara e ele em casa logicamente está sem máscara, de cada vez que tocavam à campainha ou chamavam lá tinha ele que ir pôr a máscara para ir ver o que queriam.
Fui a um dos quartos espreitar o que andavam eles a fazer e, para meu espanto, vi-os sentados à sombra, no chão, comendo uma sandes. Antes tinham-me parecido uns homens feitos e, no entanto, ali sentados, pareceram-me uns rapazinhos.
Perto da hora de almoço, depois deles terem saído, fomos fazer a nossa caminhada. Foi maior do que habitualmente. Gostei muito.
Depois de ter tido aquela cena cardíaca cansava-me um bocado, faltava-me o fôlego, ao fim de um bocado ficava até com receio de continuar não fosse depois não conseguir fazer o caminho de regresso. Como me tinham dito 'nada de esforços, agora uma vida calma; e se sentir dores no peito, indisposição ou dificuldade em respirar ligue para o inem', quando estava a andar, se sentia alguma dorzinha no peito ou nas costas ou se, a falar, me parecia que o ar quase me faltava, ficava logo a pensar que podia ser sinal de alerta. Estávamos a andar e o meu marido a vigiar-me, a perguntar se queria andar mais devagar ou regressar. Por isso, agora que voltei a fazer caminhadas normais sem me cansar, fico toda satisfeita. Claro que não me esqueço do meu bcre mas acho que começo a perceber que sou capaz de viver bem com ele. Ainda não fui ao cardiologista deste que fiz aquela coisa do holter que não apenas voltou a confirmar o dito bcre como assinala para lá mais umas coisas. Uns médicos conhecidos já me disseram que acham que não são coisas, que são coisecas, mas que o cardiologista é que o dirá.
Mas, seja como for, há o que eu sinto. E eu, so far so good (e já bati três vezes na madeira para não atrair) e, por isso, fico toda feliz da vida se faço caminhadas mais puxadas sem me torcer nem me amolgar.
De tarde chegou a trupezinha da minha filha. A do meu filho está de férias, a norte. Os meninos foram andar de bicicleta e nós andando a pé atrás deles.
Depois foi aqui um fartote de rir. Muito eu me ri com eles. Cantoria e palhaçada da grossa. Chorei a rir. Até tenho aqui um vídeo em que não se vê a cara deles, todos de capuz a cobrirem o rosto, e em que estão a cantar o hino de Portugal. Mas está tão divertido que temo que algumas mentes mais sensaboronas pensem que é falta de respeito. Claro que não, é apenas boa disposição e irreverência.
Um dos meninos atou as mangas à cadeira e cantou assim. Depois levantava-se com a cadeira no rabo. Só visto.
A seguir, o outro fez o mesmo mas, não sei como, desequilibrava-se e caía agarrado à cadeira, rebolava-se com a cadeira às costas. A minha filha ia levantá-lo e quase caía também, tanto se ria. Uma maluqueira.
A seguir preparámos um lanche ajantarado e estivemos na rua até depois das nove. Estava-se mesmo bem.
Ao longo da tarde fomos recebendo fotografias dos turistas nortenhos e a menininha até tentou fazer uma reportagem em directo, em chamada de vídeo, para nos mostrar a bela casa em que estavam. Mas tinham pouca rede e não conseguiu.
A minha filha ligou para a minha mãe e vi que estiveram imenso tempo na conversa. Fisicamente não poderiam ser mais diferentes: a minha mãe muito clara, muito loura, de olhos azuis, e a minha filha morena, cabelos e olhos escuros. Mas, há nelas muitas afinidades.
Enquanto isso, o meu marido aproveitou para estar deitado na sala a ver televisão ou cá fora, sossegado, apenas a ouvir-nos e, creio, a vigiar-nos, em especial a mim. Diz que sou a pior de todos.
Mas tenho para mim que ao ar livre o corona anda de asa delta, bem longe de se enfiar nas nossas vias respiratórias. Mas o meu marido não facilita e incomoda-se por me achar tão desprendida. De vez em quando diz que só se chateia com o que acha que é a minha falta de cuidado por dormir comigo. Nunca mais acaba este pesadelo da covid -- essa é que é essa. Quando se pensa que já se está a dar-lhe a volta, eis que ressurge, assanhada. Uma chatice.
Quando penso que estou mesmo a precisar de férias e que bom mesmo era ir de passeio, andar por aí, percorrer as margens dos rios, ver paisagens, mergulhar nas montanhas ou, mesmo, ir a banhos até Lagos, ocorre-me que isso teria implícito andar em restaurantes ou ficar em locais fechados (quartos de hotéis, por exemplo) e que sei lá se quem lá esteve antes não estava infectado ou se as pessoas da cozinha dos restaurantes estavam de boa saúde, com máscara, com todos os cuidados. E não venço este receio. Nem eu nem o meu marido (e, para desgraça da malta da hotelaria, nem muito mais gente).
Um dia destes vamos ter que aprender a passar por cima destes receios. Mas acho que isso só vai acontecer quando os números baixarem e quando nos sentirmos mais confiantes quanto ao grau de imunidade ou segurança que a vacina confere.
Portanto, até lá, vamos ficando por aqui mesmo, curtindo o ambiente familiar, convivendo uns com os outros, desfrutando a sorte de nos termos uns aos outros, de estarmos bem e de termos a sorte de podermos fazer parte do nosso dia a dia ao ar livre. E viva a vida que o resto são peanuts que não interessam nem ao menino jesus.
As fotografias fazem parte da selecção semanal do The Guardian: The week in wildlife – in pictures
Haley Reinhart interpreta "Dream a Little Dream of Me"
___________________________________________________
E, se nada tenho para dizer senão cenas da minha vidinha, pelo menos tenho para mostrar.
O vídeo abaixo, mais um com a qualidade Green Renaissance, é bonito. Fala de amor e poucas coisas há de tão boas como o amor.
Love is so much more than some random, euphoric feeling. And real love isn't always fluffy, cute, and cuddly. More often than not, real love has its sleeves rolled up, dirt smeared on its arms, and sweat dripping down its forehead.
Real love asks us to do difficult things - to forgive one another, to support each other, to comfort and care for each other - through some of the most difficult times of our lives. Falling in love is falling into all the wonder and the pain that life has in store for us. Falling in love is one of the most wonderful journeys we can make.
A loucura do amor
Desejo-vos um feliz dia de domingo
Sem comentários:
Enviar um comentário