Sou absolutamente favorável ao teletrabalho sempre que as funções o permitam, sempre que o trabalhador tenha condições em casa e o deseje.
Trabalhar em casa pode ser tão ou mais produtivo do que trabalhar num escritório.
Do que conheço, as maiores dificuldades estão não do lado do trabalhador mas do lado de quem o chefia. Há chefes que julgam os outros à sua imagem, pessoas que gostam de circular, fofocar, andar de gabinete em gabinete, levando e trazendo, e que imaginam que essa é a única forma de trabalhar. Essas pessoas perdem o chão quando estão em teletrabalho. Há também os que o são à moda antiga: precisam de ter tudo em papel, precisam de quem os alimente com papel, precisam de ver os trabalhadores nos seus locais de trabalho. São chefes que não sabem gerir avaliando os resultados nem sabem traçar objectivos ou definir metodologias: se vêem as pessoas em frente de um computador, admitem que estão a fazer o que devem, se as não vêem pensam que estão de férias.
Sei de casos escandalosos de incumprimento em que os chefiados não fizeram o que deveriam ter feito e em que os chefes não deram por isso, só acordando para a realidade quando algo de grave aconteceu. E aí, como é óbvio, não se auto-responsabilizaram por não terem sabido avaliar se o trabalho estava a ser feito, culpando antes o trabalhador ou o teletrabalho.
Claro que há muitas funções que não podem ser desempenhadas em teletrabalho ou a tempo inteiro em teletrabalho. Mas as que o podem, se as pessoas entregam o trabalho que devem, sabem interagir saudavelmente seja em reuniões remotas, seja ao telefone ou mails, se as pessoas se sentem melhor, equilibrando de forma equilibrada a vida profissional e a vida pessoal, então acho que é estúpido, retrógrado e tacanho não querer aceitar a evidência de que os tempos mudaram.
Da minha própria experiência, tenho que, para mim e para muitas pessoas que trabalham comigo, o teletrabalho é uma bênção nas nossas vidas.
Quando é preciso estarmos presencialmente estamos, quando não é preciso e não queremos não estamos. Há alguns que, de vez em quando, gostam de ir até ao antigo local de trabalho para estarem com os colegas. Não precisam de me dizer nada sobre isso. Não vigio nem controlo a realização das tarefas individuais ou as suas deslocações: quero é que o trabalho apareça feito, a tempo e horas e bem feito. Se o fazem a partir de casa, da praia, ou do escritório tanto se me dá.
Com o fim do desconfinamento, a questão vai voltar a colocar-se. E espero bem que haja a inteligência organizacional suficiente para que, quem decide, pense no bem-estar, na felicidade dos trabalhadores e, claro, na eficiência do trabalho.
Não se aplica a todas as profissões, como é óbvio mas aplica-se a muitas, a muita gente, o suficiente para produzir efeito na sociedade.
O Governo deveria fomentar a adopção do teletrabalho. É o futuro e contra as correntes fortes não vale a pena nadar. O governo deveria, pois, recomendá-lo: incentivando a que as pessoas residam fora dos grandes centros, voltando a zonas abandonadas no interior do país, incentivando a que o movimento pendular casa-emprego-casa seja reduzido, diminuindo tempo improdutivo gasto no trânsito, reduzindo a poluição, criando condições para que muitas famílias não tenham que deixar as crianças quase de madrugada nas creches só as buscando ao fim do dia, melhorando as condições de vida de muita gente.
Será toda uma reorganização territorial a ser pensada.
Sobre este assunto, permito-me transcrever parte de uma interessante entrevista, no DN, a José Magalhães.
Também é coordenador da Comissão de Segurança e Saúde no Trabalho do INE. Juntando esta experiência profissional ao psicólogo como avalia o impacto que teve nos portugueses o facto de muitos terem passado a um regime de teletrabalho?
Vou partilhar consigo a minha experiência mais direta relativamente ao contacto com os colegas no INE. A esmagadora maioria dos colegas, quando ficaram em casa, passado um mês estavam altamente preocupados, achavam que era uma situação cansativa, que não havia possibilidades de movimentação, que se sentiam menos bem. Entretanto, foram criadas condições para se estar em casa. As organizações, neste caso do Estado, o Instituto Nacional de Estatística, não estavam preparadas para ter 600 pessoas em casa. À medida que o tempo foi passando, foram criadas condições. E hoje a percentagem de pessoas que encontraram no trabalho em casa a sua realização pessoal aumentou grandemente. As pessoas estão em casa, conseguem fazer o seu trabalho, conseguem gerir a sua vida e um grande número de pessoas sentem que encontraram na função de teletrabalho o seu sentido de vida profissional. Conseguem estar mais concentradas, mais livres, porque conseguem gerir o seu tempo, na maior parte dos casos trabalham até mais horas sem darem por isso.
É evidente que o teletrabalho não é adaptado para toda a gente, existem áreas onde não é possível. Agora, o que o empregador tem de fazer, na minha opinião, é analisar quais são os postos de trabalho que tem no seu quadro de empresa, seja pública ou privada, que são passíveis de ser feitos em teletrabalho. Depois tem de fazer uma avaliação sobre quem são as pessoas que têm perfis psicológicos funcionais para estar na função do teletrabalho, porque nem toda a gente responde bem ao teletrabalho. Há pessoas que estão em teletrabalho mas que mostram permanentemente uma necessidade de interação, de estar em termos presenciais no local de trabalho, há pessoas que a partir de uma determinada altura solicitaram autorização para ir para o local de trabalho, não conseguiam ter concentração em casa. Se a decisão for fazer regressar toda a gente só porque sim quer dizer que não aprendemos rigorosamente nada com o que estamos a fazer agora. O teletrabalho não é só importante agora porque houve pandemia.
É que existe um grupo alargado de pessoas que estão há demasiado tempo em casa e o ser humano é um ser de hábitos e houve pessoas que se adaptaram às rotinas de casa. Portanto, uma decisão para regressar ao trabalho, se for extemporânea, se for apenas uma decisão métrica, no sentido "a partir de agora, estamos todos bem, volta toda a gente", vai causar problemas de saúde mental graves, agudizados, não tenho dúvidas sobre isso. E se quisermos voltar ao tema inicial teremos pessoas menos felizes.
Além de existirem muitos trabalhadores que preferem estar no local de trabalho, também existem muitos empregadores que querem os funcionários por perto, pois acham que em casa não trabalham tanto...
A liderança remota tem de se aprender, as reuniões em situação remota têm de se aprender e, sobretudo, as lideranças têm obrigatoriamente de mudar. Não só em termos da administração pública, também em termos dos privados, as lideranças têm obrigatoriamente de mudar. Continuamos com lideranças muito voltadas para quem é líder e quem é chefe não poder assumir um erro, não poder pedir desculpas, ter de saber tudo, não poder mostrar hesitações. A liderança do futuro é uma liderança participativa e a liderança, se quiser funcionar em termos remotos, mais participativa tem de ser. E, claramente, as lideranças nas organizações públicas ou privadas são de facto o fio condutor para podermos ter trabalhadores felizes, organizações felizes e trabalhos produtivos.
[Excerto da entrevista, José Magalhães "A percentagem de pessoas que encontraram no trabalho em casa a sua realização pessoal aumentou grandemente", no DN, de Ana Meireles a José Magalhães, doutor em Psicologia e coordenador da Comissão de Segurança e Saúde no Trabalho do Instituto Nacional de Estatística]
1 comentário:
Gostei da sua reflexão, a ideia de um sistema misto quando exequível parece-me interessante.
Sim, dou muita atenção a esses rankings, especialmente quando ouço asneiras e bota-abaixo de certos setores politiqueiro-opinativos.
Um abraço!
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