segunda-feira, junho 07, 2021

Um domingo feliz com História e outras histórias dentro

 


O dia hoje foi perfeito. A tarde maravilhosa e nós envoltos em verde e harmonia. A minha filha trouxe merendinhas, um bolo de noz e revistas para eu me sentir em férias. Toda a vida, quando íamos de férias para algum lado, em especial para o Algarve, eu comprava uma revista, podia até ser a Caras, a Hola. Parecia que as férias tinham que ser uma disrupção, um corte com a rotina. Estar em férias, sem ralações, sempre me pareceu que pedia uma daquelas revistas que eu jamais compraria. Portanto, comprava. E gostava de ver aquelas coisas surpreendentes.

Então, trouxe-me revistas. E eu fiquei comovida com aquilo de que ela foi lembrar-se. O meu marido também. Tenho-me comovido bastante nestes últimos dias. E o meu marido também.

Um dia talvez conte.

O meu filho trouxe croissants, cada um com seu recheio. Bons, bons, bons. Acho que são de uma cadeia de pastelarias muito conhecida. Como geralmente ando por fora das novidades, desconhecia. Adorei. Brie com compota de frutos vermelhos. Requeijão e nozes. Maçã e canela. Claro que, de cada, só um pouquinho. O que sobrou, guardámos e, ao jantar, comi mais um bocadinho. Uma delícia.

Como geralmente acontece, a minha filha maquilhou a sobrinha e a sobrinha maquilhou a tia. Depois a minha menina mais querida maquilhou-me também a mim e também me pintou as unhas. Está cada vez mais linda, mais coquette. Uma menina linda, adorável. No outro dia, enviou-me uma mensagem que me deixou de lágrimas nos olhos.

A mãe pintou as suas próprias unhas e foi avisada que, da minha parte, não vai ter aquilo que me disse que talvez gostasse de ter pelos anos. Riu-se e disse: 'Está bem'. Uma vez mais ousei e, uma vez mais, faço figas para que goste do que, daqui por pouco tempo, vai receber. 

E conversámos. Conversa de mulheres, enquanto os rapazes andavam nos seus desportos de eleição. Levámos as cadeiras para o que ainda havia de sol, e estivemos à conversa. Falámos de nós, falámos de outras pessoas e outras situações. Conversar é uma coisa boa.

Este fim de semana não deu para ir buscar a minha mãe mas a minha filha enviou-lhe fotografias e depois ligou-lhe e ouvi que ela também ligou para o neto, qualquer coisa a ver com senhas de recuperação, dúvidas lá das andanças dela pelas netes.

O mais pequeno, menino mais querido, andou a brincar com os seus carrinhos, a pôr e transportar terra. Depois andou a regar as flores e as árvores. Não resisti e abracei-o e beijei-o no pescoço. Avisou-me: olha que estou sem máscara... Tranquilizei-o: Mas por isso é que te abraço pelas costas e dou beijinho na parte de trás do pescoço.

Quando estava a ir-se embora, fui dar-lhe a mão, chegar-me a ele. O meu filho avisou: olha que ele está cheio de covides. Anda no colégio, naquela idade ninguém usa máscara na escola, portanto é daquelas que ninguém sabe. Ele acrescentou: E ainda não levei a vacina... Menino mais inteligente, sabe tudo como se fosse um rapaz crescido.

Os outros rapazes estiveram a jogar rugby com o tio. Ou futebol, nem sei. Ou as duas coisas. Jogam afincadamente, caem, fintam-se, transpiram, sujam-se. Mas vê-se a alegria que aquilo é para eles. Tirei-lhes fotografias, feliz por vê-los tão felizes.

Enquanto lanchávamos, os dois meninos do meio, o menino que fez dez anos e a menina que vai fazer onze, começaram ao despique com coisas de História. Depois desataram a fazer perguntas a mim e ao avô. Falhámos várias. Sabem imenso daquilo. Fiquei surpreendida. O meu filho confessou que foi coisa que não lhe entrou, história. Também sempre foi dos meus pontos mais fracos. Tive maus professores de história e com a aversão que sempre tive a decorar coisas, acabei por me desinteressar. Por isso, é com espanto, agrado e orgulho que constato como estes dois sabem e gostam tanto.

Os outros dois rapazes, o mais velho, o que não tarda terá treze e a quem já se nota o buço, e o mano do meio do grupo de três, o que tem oito, têm outra especialidade: o futebol. Sabem tudo o que há para saber, nomeadamente o nome de todos os jogadores e respectivas posições, seja de onde for. Saint Germain, Lyon. Sei lá. Estava parva a ouvi-los. Não faço ideia de como sabem tudo aquilo. Começam: à baliza...E vão por ali fora, desfiando posições e nomes. O meu filho gozou: useless knowledge. Mas a verdade é que eles vibram com aquela informação. O mais velho disse que também está sempre a ver o site das contratações. Fiquei estupefacta. Site de contratações? Mas há um site sobre contratações? Há assim tanta matéria...? E porque é que ele gosta de acompanhar isso? Não faço ideia. O mundo é um belo exemplo daquele espaço topológico que dá pelo nome de bola aberta. Uma realidade infinita, de formas indefinidas, variáveis.

Depois o grupo do meu filho foi para casa, o meu marido quis ir ver o futebol e a minha filha ainda me deu uma boleia para um breve passeio até à praia, o mais velho a ouvir o relato pelo telemóvel. E, então, o mais novo, o menino mais desportivo, aquele que sempre vimos como o mais physical mas que sempre se sai com coisas surpreendentes, começou a fazer perguntas sobre Pablo Picasso. E sobre da Vinci. Disse que gostaria de ver a Mona Lisa ao vivo. E depois sobre Van Gogh. A mãe admirada: mas onde é que ouviste falar nele? Encolheu os ombros. E eu, então, ainda mais admirada. Depois falou de uma pintura com uma noite com muitas estrelas. A mãe boquiaberta. Mas como é que tu sabes disso? Ele não explicou. Mostrei-lhe no telemóvel se era aquela. Era mesmo. Então lembrei-me de lhes dar a conhecer o Vincent (Starry, starry night). Ficaram a ouvir, ambos zen, no banco de trás, pareciam hipnotizados a ver o vídeo em que iam passando imagens das pinturas de Van Gogh. A minha filha disse que, por pouco, eu não os tinha adormecido. E sugeriu que hoje aqui pusesse esta música. 

Gostava de me meter no carro e ir com eles visitar museus, mostrar-lhes, ao vivo, todas estas pinturas. Holanda, Paris, Madrid. Acho que iriam adorar. 


E, pronto, foi este o meu dia de domingo. A realidade do dia anterior já longínqua, improvável. E eu a pensar que por cada dia feliz que alguém vive há uns quantos dias infelizes para outros alguéns. A vida devora a vida. Tendemos a querer esquecer o que não são boas recordações. 

Quando, no outro dia, eu e o meu filho estávamos lá à porta, enquanto o meu marido não chegava com o carro para me levar, nós íamos falando e, ao pé de nós, uma jovem mulher falava ao telefone, chorando, inconsolável. Falava e chorava e a sua voz denunciava aflição, angústia, medo. Afastámo-nos um pouco, o meu filho querendo proteger-me da dureza que é a constatação, a cru, das mais dolorosas emoções. Mas poderemos alguma vez proteger-nos disso? Conseguiremos aprender que tudo faz parte da vida? 

Alguém pinta a luz e o ouro que banha os campos e as flores e a vida: uma jarra de girassóis, um campo de lírios, uma árvore em flor, uma planície ensolarada. E, do outro lado, uma pessoa angustiada, deprimida, automutilando-se -- a mesma pessoa. Os dois lados da vida. As múltiplas faces da vida. As nossas múltiplas faces.


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Desejo-vos uma boa semana 

1 comentário:

Maria Dolores Garrido disse...

Bom dia!
A vida de uns não é mesmo como a vida de muitos mais. Até a vida de cada um tem grandes variações.Van Gogh sofreu muito e deixou uma obra luminosa.
Enquanto e quando há luz, por que não falar dela? Se a luz se acende, muitos podem ver melhor.
O seu domingo deve ter sido bem luminoso (pressinto é uma nostalgiazita qualquer, mas, quando contar, já vai ter passado de certeza).
Boa segunda-feira e também às suas flores, aos seus pássaros, às suas 'gordinhas'...
Um abraço