sexta-feira, junho 04, 2021

O segredo das rosas

 


Dia feriado e, só por isso, bom. Os meus dias já não são exactamente o que eram. Agora com qualquer coisa já acho que está bem assim. De manhã fomos ao supermercado. Dantes odiava. Agora gosto. Para além das utilidades, sucumbi às flores. Três. Duas cristas-de-galo, uma em fúcsia intenso e outra em amarelo, e uma begónia. Escuso dizer que o meu marido tenta impedir-me, diz que não temos onde pô-las. Nem respondo. Como não temos? Claro que temos. É como para mais um sorriso ou um bombom de chocolate: há sempre lugar. A minha mãe diria: o coração das mulheres é muito grande, há sempre lugar para mais um. Neste caso, uma.

Vim para casa feliz da vida.

De tarde, fomos ao Leroy. O tema era puxadores de porta. Mas trouxe três vasinhos brancos para as flores novas e uns suportes. A ideia de ter vasos suspensos anda a agradar-me muito. Queria um que lá estava que tem uma pega para pendurar mas estava numa prateleira a que não chegávamos. Tirei senha para pedir a um empregado mas nunca mais chegava a minha vez. Tanta gente... Vi lá uma outra flor linda mas sem o vasinho com a pega fiquei sem saber bem onde a poria. O meu marido fica em transe quando vê muita gente e me vê a querer trazer coisas que ele acha inúteis. 

Fui também ver de uma coisa da qual andava atrás há algum tempo: uma escarificadora manual. Têm estado esgotadas. Ainda não descobri uma como aquela máquina que aqui me foi recomendada em tempos, de nos montarmos em cima dela, ideal para os meninos fazerem exercício. Esta é das simples,. Quando vi uma fiquei toda contente. Mas a alegria não foi consensual. Por pouco, ele não acabou ali mesmo com o casamento. Que eu não pensasse que ele ia andar com aquilo. Eu disse que eu é que ia andar. Não acredita, diz que não tenho disciplina nem paciência para aquilo, que quero é que ele faça as coisas mas que tire isso da cabeça. Tive que lhe dizer que estava em público, que controlasse o mau feitio. Como não consegui ver o preço, disse que ia levar até à caixa e, se fosse cara, não trazíamos. Trouxemos. Estou desejando de ter tempo e de estar melhor do joelho (já marquei consulta) para me ir pôr a escarificar a relva. Não sei se o conceito se aplica à relva ou à terra mas, seja a escarificar a planta ou o leito em que se deita, tanto faz. Hei-de escarificar tudo. Só o verbo já é interessante e, quer-me a mim parecer, há-de prestar-se a boas metáforas. . 

Quando chegámos a casa, estive a transplantar as florzinhas novas para os vasos. O meu marido no outro dia trouxe uma ponta para a mangueira que tem várias posições. Gosto muito de usar a posição de chuveiro para regar os vasinhos que estão pendurados no gradeamento que separa o terraço da cozinha do jardim. A água escorre de uns para outros. Está tudo viçoso e quando rego ao pôr-do-sol, em contraluz, fica tudo muito bonito.

As taças de suculentas no pequeno terraço junto à outra porta estão a ficar muito bonitas. Estão ao pé daquela maravilhosa Brugmansia suaveolens que afinal tem tanto de tóxico quanto de bonita

Quem diria que uma planta com aquela beleza pode ser tão perigosa? E a magana que, pela tarde, se perfuma como uma tentadora allumeuse...? Um perfume... Só visto (e cheirado). É o perigo das sedutoras: mais vale que os incautos se mantenham longe. Caso contrário, os que se se afoitam demais logo caem nos seus encantos e ficam fatalmente agarrados.

As nêsperas também estão uma tentação: carnudas de boas. Como-as imoderadamente e, pior, sem sentimento de culpa. É o que dá não ter ligado muito à catequese. Peco sem querer saber se estar a pecar, ignorando a culpa.

Tenho ainda a dizer que ontem li um artigo que me deixou alegre e vitoriosa. Fiz até questão de o ler em voz alta ao meu marido. Aquilo pelo qual tanto tenho batalhado afinal ali, em letra de forma, no Guardian: The brilliance of brown lawns: why your grass shouldn’t always be greener. Ainda no outro dia o meu filho dizia que a relva não estava grande coisa. Eu achava que estava óptima. O meu marido cantou de galo, sentindo apoio na sua luta. Em algumas zonas a relva estava maior e eu gostava de a ver assim. Não tem que estar rapada. E se houver uma ou outra zona em que está mais seca, acho que é uma questão de escarificar e ir regando.  Não gosto de ver o jardim como se fosse uma coisinha muito bem comportada. O meu marido e o meu filho acham que relva, por definição, é relva aparada e regular. Neste particular não nos entendemos, portanto.

Pois bem. Relvas pipis, aqui sentenciado e sacramentado pelo Guardian, são relvas que anulam a biodiversidade. Deixá-la crescer um pouco, deixar que algumas florzinhas se aventurem, tudo isso me parece saudável e bonito -- e é. Atrai insectos, atrai pássaros, estimula a reprodução selvagem (e afins). Ou seja, aquilo pelo qual tenho sido tão contestada, afinal, não apenas não é ideia assim tão disparatada como é o melhor para a natureza. Pimbas.

Hoje, quando íamos a sair para o supermercado, ele apontou para o chão e disse: olha um malmequer. Fiquei contente. A reacção dele já foi resultado da leitura de ontem. Senão teria dito: é no que as tuas teorias dão, até já flores nascem no meio da relva, se não se trata rapidamente, não tarda isto está uma m...

Debrucei-me. Era mesmo. Uma florzinha linda, pequenina e atrevida. Talvez uma mini-margarida. Não a arrancámos, como é óbvio. O que leio no artigo é que há florzinhas que se podem aparar como a relva, que não morrem. O meu marido não convive bem com esta minha abertura de espírito, tenta restabelecer a ordem. Diz: não lhe podes é chamar relva, é outra coisa.

Esteve cá a anterior dona da casa. É sempre uma lufada de boa disposição. Olha em volta, vê as flores. Ficou espantada com a abundância de rosas. Cachos de rosinhas encarnadas. Mostrei-lhe aquelas que, ainda há pouco, eram grandes, amarelas, cor-de-salmão, brancas e disse: veja, estão outra vez pequeninas, encarnadas. Ela fez um ar desconcertado. Sempre foram assim como estão agora, pequeninas, encarnadas. Nunca tive rosas amarelas... Pois, que é misterioso é. Por isso ainda mais gosto delas, mutantes, inexplicáveis.

Apanhei um pequeno cacho e coloquei na jarrinha pequenina que coloquei no parapeito da janela que está junto à mesa onde tomamos as refeições.

E andei a fotografá-las. Little red roses. Tão, tão bonitas, tão, tão difíceis de justificar. 

Não sei se, aí onde estão, sentem a vibração da sua cor e a beleza do seu perfume. Gostava que sim.


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Andei à procura de uma canção com rosas vermelhas, sem desgostos ou frescuras. Não encontrei. Optei pela La vie en rose na voz da Melody Gardot, e optei apenas porque sim. Depois, para compensar, apeteceu-me ter rosas em palavras ditas. Mas também não tive paciência para grandes pesquisas. Partilho convosco: A red red rose por Robert Burns (lido por Tom O'Bedlam) e o Soneto 130 de Shakespeare (lido por Alan Rickman)
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Desejo-vos um dia feliz

1 comentário:

Estevão disse...

No meio da relva a escarificar não há apenas malmequeres pequeninos.
Também costuma existir uma plantinha que dá uns pompons pequeninos e que, isolada, tece o verdadeiro “tapete inglês”. Torna-se uma mancha muito bonita:

https://www.simplesdecoracao.com.br/2017/03/plantas-faceis-de-cuidar-parte-7/