sexta-feira, junho 25, 2021

A verdade é que sobre tudo isto não há muito a dizer

 



Pouco a dizer. Manhã muito atarefada. Tarde atípica, fora de casa, com algumas decepções pelo meio e alguma improdutividade indesejada. Chegámos a casa lá para as dez e meia da noite. 

Banho. Para jantar o que apanhámos pelo caminho. 

Depois pus-me a ver televisão, nomeadamente o House. Sempre aquela máquina de desconcerto, sarcasmo e inteligência. 

Agora, abri o computador à espera de uma informação que, afinal, não está cá. E não tenho novidades para partilhar ou notícias para comentar. Para além da grande Lisboa continuar a marcar passo, Lisboa propriamente dita retrocedeu. 

Não sei se isto é por tanta gente já se portar como se não houvesse covid ou se por o teletrabalho ter abrandado e muita gente estar de volta aos escritórios, ou seja, a espaços fechados. Espaços não ventilados são ratoeiras. E, se muita gente volta a espaços fechados, mais gente anda de transportes e mais gente vai a restaurantes (espaços também mais ou menos fechados com pessoas sem máscara). Não sei. O que sei é que esta não estava no programa. Sempre imaginei que com tanta gente já a ter estado infectada e tanta gente vacinada, com a vida a poder ser feita ao ar livro ou de janelas abertas, esta droga tivesse esmorecido. Afinal não.

Continuamos sem estatísticas sobre como e onde as pessoas estão a ser infectadas e acho que, sem essa informação, não se conseguem ter medidas dirigidas e eficazes.

Também ouvi, no carro, alguma polémica em torno do entusiasmo futebolístico do Ferro Rodrigues e da suposta divergência entre o Marcelo e o Costa sobre a gravidade da situação. Nada disso me interessa muito. Poeira. Mais chato é que este vírus seja diabólico, se transmute, troque as voltas a toda a gente, deixe sequelas, dê cabo da vida a muita gente. Isso, sim, é trágico e incontrolável. Quem abriu a caixa de pandora talvez não tenha percebido o que ia acontecer. E até acredito que a não tenha aberto de propósito. Coisas assim acontecem. Deus gosta de brincar aos dados, não é? 

Chato também que, fruto desta tragédia, toda a gente seja forçada a aceitar coisas que, em situações normais, não aceitaria. Só prova que somos vulneráveis e que valemos zero. 

No outro dia, está a fazer três semanas, pude viver na primeira pessoa a prova provada de que a nossa vontade vale zero, o nosso suposto controlo sobre as situações que nos envolvem e sobre o nosso corpo vale zero. Não temos voz activa para coisa alguma quando as circunstâncias nos tiram o tapete. 

Bem podem mil filósofos desde a antiguidade até aos dias de hoje ou uma legião de gregos antigos ter inventado a pólvora e todas as tragédias do mundo muito antes de alguém ter sonhado na nossa existência que nada disso contribui para a nossa segurança ou felicidade.

Quando chega a hora, só nos acontece uma coisa -- olhar para dentro de nós e para o que nos rodeia e pensarmos: mas que raio nos está a acontecer?

Li que as últimas palavras da Princesa Diana, pouco antes de morrer, quando estava no carro, aparentemente sem ferimentos de maior mas, efectivamente, prestes a entrar em paragem cardíaca, terão sido Oh my God, what's happened? Também ela, perante o acidente e perante quem, perto dela, já se tinha ido, mostrou a estupefacção de quem não percebe o que lhe está a acontecer.

Mas, enfim, nada de novo. Tudo é um acaso. E a única coisa ajuizada é festejar a vida enquanto ela parece estar à nossa disposição. Tudo o resto, maldizer os outros ou a vida, acusar este ou aquele, arranjar tricas sobre futilidades ou desperdiçar um minuto que seja da nossa vida é uma estupidez sem explicação.


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Nos últimos tempos, um post que escrevi em janeiro de 2015 tem recebido diariamente um número inusitado de visitas. Trata-se de um post que escrevi com a alegria possível quando o meu pai teve alta depois de umas semanas complicadas. Depois disso, voltou a estar hospitalizado mais algumas vezes. Sofreu bastante, sobretudo por assistir ao declínio do seu corpo, da sua independência, do seu orgulho. Já fez um ano que se foi. E faria hoje anos. Todos os anos festejávamos o seu aniversário mesmo quando, acamado, já não participava nos festejos nem tinha grande consciência de que lá estávamos a festejar que estivesse vivo. 

Faz-me um bocado impressão constatar como o tempo passa de uma forma tão inexorável. O seu bisneto mais novo não chegou a ter consciência da sua existência. E qualquer dia os outros acabarão por se esquecer daquele bivô ausente, entubado, que não os via e mal falava. A vida da gente esvai-se de nós e, com o tempo, esvai-se da memória dos que nos conheceram. E é assim mesmo, nada a fazer. 

E isto só é mais uma razão para aproveitarmos enquanto podemos. Tirando isso, batatas.

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As fotografias cheias de surrealidades são da autoria de Ellen Sheidlin
E June Tabor faz-nos companhia com Love Will Tear Us Apart

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Dias felizes.
Saúde

3 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Embora se estbata com o tempo, a memória é algo belo.
Felizmente a minha família tem essa qualidade, de ter memória dos antepassados (sem passadismos), de se falar deles, ou do que se ouviu sobre eles.
E, de modo igualmente feliz, há várias fotos antigas.

Festejemos a vida com ferver.

Um belo fim de semana.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Com fervor, queria eu dizer 🤣

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

O que acontece é que os meus netos nasceram quase todos já com o meu pai doente, geralmente no quarto. E o meu pai ficava inquieto com barulho. Por isso, tínhamos que encostar a porta do quarto. Os miúdos, na prática, mal o conheceram. Por isso, acabarão por nem se lembrar dele.

E nenhum conheceu o bisavô paterno.

São gerações que vão desaparecendo na memória desta geração mais jovem.

Eu tento lembrar-me de uma bisavó que sei que ainda conheci mas é uma recordação tão remota que nem consigo situar: só me lembro do quarto em cuja cama ela estava. Dos outros nada sei.

Mas, se calhar, é assim mesmo. Uma vida em movimento.

E é isso: vivê-la com fervor.

Um domingo feliz, Francisco.