quarta-feira, janeiro 13, 2021

Uma pétala de rosa caindo no abismo

 



Continuam os dias de trabalho pesado, apesar de pouco sair de casa. O meu marido, à tarde, disse: 'Hoje a coisa não correu bem'. Perguntei: 'Como assim?'. Esclareceu: 'Estavas com a assertividade nos máximos'. Não percebi. Explicou: 'A malta levou pela medida grossa'. Perguntei a que se referia em concreto. Respondeu, com sorrisinho irónico: 'Acho que não escapou nenhum. Parece-me que foi a manhã toda. Levaram todos'. Ainda quis que me dissesse qual o tema, para perceber com quem estaria eu a falar. Disse que não percebia as palavras, mas que o tom de voz falava por si.  Acabei por confirmar que, pensando bem, tirando numa breve reunião de meia-hora, em todas as outras expressei a minha contrariedade. Por exemplo, uma faz telefonemas que são de meia-hora se a agente a interromper, senão são de uma hora no mínimo, para dizer que tem muito que fazer e que não tem tempo para fazer tudo o que é preciso. E passa o dia a fazer telefonemas destes. Se não os fizer, é tempo que lhe sobra para trabalhar. Como não mostrar arrelia com uma pessoa que não percebe isto? Ou um que tem mil coisas para fazer e que, em vez de se concentrar a fazê-las, se põe a fazer outras? Ou um que mal tem uma ideia vai a correr dizê-la a toda a gente, criando expectativas infundadas, lançando confusão e, quando lhe pergunto se já falou com alguém, bem sabendo eu que sim, me diz com cara de pau, mentindo à descarada, que com certeza que não. Claro que se eu tivesse estudado diplomacia ou tivesse aprendido a ser beata e paciente, passava por tudo isto sem me torcer nem me amolgar. Assim, é o que é. 

Tinha pensado que teria tempo para redigir um documento que amanhã queria partilhar para colher opiniões mas, com tanta reunião e tantos telefonemas, não consegui. Ainda pensei que talvez agora. Mas não me apetece. 

Só intervalei para fazer o jantar. Fiz assim:

Num tacho coloquei azeite e cortei duas cebolas aos bocados. Frigi ao de leve com duas folhas de louro fresco. Juntei um pequeno morceau de bacon aos bocadinhos e deixei que alourasse. Depois juntei quatro lindos tomates maduros. Por cima, três pernas grandes de frango do campo. Por cima, um pouco de sal, um alho francês às rodelas largas e mais um tomate maduro. Reguei com um pouco de vinho tinto e juntei salsa em quantidade generosa. Cozinhou nos próprios sucos até que vi a carne a querer despegar dos ossos. Juntei ervilhas congeladas. Cozinharam um pouco. Verti, então, o caldo que se tinha formado para uma chávena de pequeno almoço. Completei com água até encher. Juntei mais três chávenas de água. Quando ferveu, juntei duas chávenas de basmati. Quando estava seco, desliguei. O meu marido andava de roda da cozinha a dizer que cheirava bem, querendo saber o que era. Soube-nos bem ao jantar, acompanhado de salada de alface e canónigos. Depois comi uma tangerina. Rematei com um quadrado de chocolate bem preto (82% de cacau)

Tirando estas minhas coisas, tenho ainda a reportar uma coisa: não sei que é feito dos meus óculos brancos que me dão muito jeito para conduzir à noite. Já corri tudo -- e nada. O meu marido diz que se espantava é se eu soubesse deles. Não comento. Andavam sempre no carro, aqueles óculos. Mas mudei de carro ao mesmo tempo que mudei de casa e agora não faço ideia. O meu marido disse: na volta ainda estão no saco com as coisas que tiraste do outro carro. Não digo que não. Mas qual saco? À hora de almoço fui à cave ver se, nos sacos que estão pendurados no cabide de pé, encontrava alguma coisa. Nada. Sacos vazios, sacos de desporto, sacos de praia. Às tantas, um estava fofo, com coisas lá dentro. Abri: duas toalhas de praia, uma delas parece que ainda um pouco húmida. Nem queria acreditar. Não devia estar húmida senão cheirava a bolor e não, cheirava bem. Deve ser do frio que parecia húmida. Qualquer dia haveria de querer saber das toalhas e não fazer ideia delas. Calhou bem achá-las. Já as coloquei dentro da máquina. Num outro encontrei duas pens e um espelhinho de carteira que andava perdido há anos. Acabei por subir para almoçar. Dos óculos nem sinal.

Não vi o debate entre todos. Não me apeteceu. Não consigo ver a Ana Gomes a imitar o Herman José a fazer de Ana Gomes e, ao mesmo tempo, prestar atenção ao que diz. Não consigo, acho que a imitação dela não é credível. Não tenho paciência para a Marisa a fazer de conta que está a candidatar-se para o parlamento ou para o governo. Não tenho paciência para as tiradas simpáticas e nulas do Tino. Não tenho paciência para o tal senhor Mayan que parece ser gigante e deslocado. Não tenho paciência para o João Ferreira porque tenho pena que ele não tenha uma votação fantástica pois tem boa cabeça e uma dignidade tocante e era bom que evitasse o achincalhante declínio do PCP. Não tenho paciência para ouvir o porco imundo que, ao merecer a preferência de tanta gente, demonstra a mais triste de todas as realidades: há muito português mais estúpido e burro que uma porta. E não tenho paciência para ouvir o Marcelo porque já o conheço de ginjeira e sei que, se for como no primeiro mandato, apesar de todas as patetices que fazem parte do seu lado mais catavento, saberá interpretar o querer dos portugueses e saberá manter o equilíbrio interno ao mesmo tempo que não nos envergonhará quando representa o país perante o exterior, e porque o meu sentido de voto já está mais do que decidido. Portanto, não poderei comentar o debate. Terei perdido alguma coisa?

E agora vou espreitar vídeos. Qualquer dia ainda me torno seguidora de influencers. Mas não de uns influencers quaisquer. Hoje o algoritmo trouxe-me nova entrevista com Bethânia, desta vez a cargo de uma tal Naná, bem simpática por sinal. Já me arregimentei ao canal da Naná.

E o que Bethânia diz, senhores, que mulher, que carisma...!

Gostei de tudo mas não posso deixar de destacar o que ela diz do que é a poesia: não apenas o que respiguei para o título como também o que o seu mano Caetano diz: poesia não serve para dormir, poesia acorda.

Naná se derrete, olhando com devoção a grande diva, beijando as mãos da deusa da imensa cabeleira. Uma vez mais é um vídeo um pouco longo mas em que cada minutinho vale ouro.

Mas, antes, um curtinho em que Bethânia pergunta a Naná porquê esta série de entrevistas. E eu, que não fazia ideia de quem era Naná, vejo-a aqui toda vulnerável, toda dengosa, também seduzindo, fazendo amor com as palavras. Bonito de ver. Cá para mim, Naná é que nem eu que do amor gosto é dele carregadinho de expoente. 


__________________________________________________________________

Pinturas de Joan Mitchell na companhia de Yo-Yo Ma - Bach: Cello Suite No. 1 in G Major, Prélude

___________________________________

E dias felizes apesar dos confinamentos e de tudo o resto.
Saúde.

4 comentários:

Anónimo disse...

A vida tem destas coisas ...Como é que uma Mulher inteligente , e, aparentemente, de esquerda, vota Marcelo, o (politicamente) dono disto tudo, ó UJM ?! Não me dê explicação porque não tem que a dar, era o que faltava, mas que é intrigante, é.

Um Jeito Manso disse...



Vamos por partes.

Hipótese 1: Se calhar não sou inteligente
Hipótese 2: Se calhar o Marcelo não é dono disto tudo

Hipótese 3: Se calhar, a mulher de esquerda (inteligente ou não, vá lá saber-se) acha que ele é a pessoa melhor preparada para desempenhar competentemente a função. Os últimos anos, pelo menos, têm-no demonstrado.

E venham daí mais mistérios para decifrar...!

Anónimo disse...

Não há mistérios. Há um desencanto em mim, dado que, a considerei uma pessoa de esquerda, racionalmente de esquerda diria mesmo face ao que ao longo dos tempos a li, e convencionei o que agora me desmentiu ao votar num candidato que representa a direita reaccionária vinda do marcelismo e que o 25 Abril aturou com condescendência democrática, para agora, uma certa esquerda levar ao poder um politico beija-mão Papal, um politico avesso ás conquistas civilizacionais , como " contra o aborto" entre outras , e outras causas sociais. Vou continuar a visitar o UJM, mas com alguma desilusão "politica".

Um Jeito Manso disse...

Diga-me em que é que Marcelo prejudicou a esquerda durante o 1º mandato? Não sei. Diga-me em que Marcelo beneficiou a direita durante o seu 1º mandato? Não sei. Diga-me em que é que Marcelo influenciou a governação no sentido de uma viragem à direita? Não vi.

Faço notar: a eleição é para Presidente da República. Não para deputado, não para 1º ministro. Não é para ídolo. Não é para melhor amigo. É para Presidente da República.

Portanto, não há matéria para desilusão. Continuo tão de esquerda quanto sempre fui. E tão pragmática quanto sempre fui. Apenas isso.