Ela faz pate dessas pessoas que lamentamos só encontrar muito raramente, mas nas quais não paramos de pensar e que gostaríamos de compreender ou pelo menos adivinhar, um fogo interior que se oculta, um ardor que se dissimula sob uma resignação irónica: tudo em Maria Zambrano conduz para outra coisa, tudo comporta um alhures, tudo. Se podemos conversar com ela sobre qualquer coisa, estamos certos, porém, de cedo ou tarde deslizarmos para interrogações capitais sem necessariamente seguir os meandros do raciocínio.
Quem tem, como ela, o dom de, indo ao encontro de sua inquietude, de sua busca, deixar escapar o vocábulo imprevisível e decisivo, a resposta às suas sequências sutis? E é por isso que gostaríamos de consultá-la na encruzilhada de uma vida, no limiar de uma conversão, de um rompimento, de uma traição, na hora das confidências últimas, graves e comprometedoras, para que nos revelasse e nos esclarecesse a nós mesmos, para que de algum modo nos concedesse uma absolvição especulativa e nos reconciliasse tanto com nossas impurezas como com nossos impasses e estupores.
[Excerto de 'Maria Zambrano, um presença decisiva' in 'Exercícios de Admiração' de Cioran, edição brasileira]
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O título deste post foi retirado do texto sobre Beckett do esmo livro.
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