terça-feira, dezembro 22, 2020

O vovô viralizou...
E não é que o gordinho voou...?


Como não tenho facebook, instagram, grupos de whatsapp e quejandos, não faço ideia do que está a dar. 

[Não sei se a expressão estar a dar é comum ou se é coisa de quem vive à beira de água. Vizinho, que é que tá a dar? Sargueta? Robalo? Charroco?]

Provavelmente o vídeo que vou partilhar e que já tem umas três semanas já esteve a dar numa qualquer outra maré e agora já é tido como velho e relho de tão visto. Ainda assim, corro o risco. Contudo, digo uma coisa: não sei bem qual a ideia já que parece que foi feito num outro tempo para ser publicado também num outro tempo ou num outro mundo. Não há máscaras, distanciamentos sociais. Há abraços, há colo aos netos, há ternura. Talvez por quase parecer uma ficção nostálgica lhe tenha achado tanta graça. 

Por esta altura do ano, a gente recebe telefonemas, votos. E, invariavelmente, a conversa vai parar a este natal que, com tanta restrição, quase não é natal nem é nada. Uns ficam em casa e não querem lá ninguém, outros estão isolados há tanto tempo que agora não querem deitar tudo a perder, outros dizem que, já que natal é quando um homem quer, o gozarão pela páscoa. Fala-se em natais virtuais, cada um em sua casa e todos unidos pelo ecrã do computador. Não gosto disso. Não sou digital, sou analógica, sou do afecto, de estar perto, de sentir a proximidade. E nem é por ser natal, é sempre. 

Mas, agora que estamos no natal: se a gente não pode estar todos ao molho e em fé em deus então que natal é esse? À chegada, quem vinha cumprimentava os que estavam, beijinhos e abraços, tudo na maior harmonia. Há quanto tempo foi isso? Vivíamos na maior descontração e não o sabíamos, achávamos que era normal, um dado adquirido. Não era. Quem nos haveria de dizer que um merdinhas de totós cor-de-rosa haveria de nos pôr à distância uns dos outros, impedir as demonstrações de afecto, fechar-nos em casa, pôr os aviões em terra, esvaziar hotéis, fechar lojas, fábricas, igrejas, e, pelo contrário, encher hospitais e morgues? Podia ter caído um meteorito tão grande que rachasse o pequeno ponto azul ao meio, fazendo de tudo o que o cobre uma fantástica chuva de estrelas. Mas não, não caiu nenhum pedregulho e cá andamos como se não tivéssemos a cabeça a prémio. Mas temos. Ou um meteorito ou seca extrema ou enxurradas diluvianas ou placas tectónicas em convulsão ou pragas do egipto ou do fim do mundo: se pensássemos bem saberíamos que um dia poderia acontecer. Contudo, espertos que nem alhos, preferíamos fazer de conta que éramos imortais e que não havia mal que nos chegasse. Até que, do nada (do nada ou da boca de um pangolim ou de dentro de algum laboratório -- quem sabe...?), um corona de nada se instalou e, apesar de não ter vida própria, rapidamente avançou sobre esta raça de gente que, afinal, é mais frágil que formiga. 

E brincalhão, este coiso-de-nada que nem coração, cérebro ou qualquer órgão vital tem, bricalhão... Rapidamente aprendeu as brincadeiras do bicho-homem e agora já é ele que dita as regras: joga às escondidas, joga ao mata. Quando o bicho-homem achava que a luz ao fundo do túnel já estava à vista com a vacina a andar a toque de caixa, eis que o merdinhas-mor, num golpe de mágica, se transmuta. Já vai em não sei quantos o número de sósias. Desta vez, o novo sósia é special, uma variante made in brexit lands. Mais ágil, mais fino, mais matreiro, mais invisível. Resta saber se a vacina lhe faz mossa. 

Enfim, já nem digo nada. 

Digo é que este vídeo mostra o que éramos antes de termos visto de perto os limites da nossa finitude. E digo também que, até à data em que escrevo, já vai em 12 825 139 visualizações. Viralizou.

Durante muito tempo, o natal era em casa dos meus sogros. Depois, eles foram ficando mais limitados e a casa pequena para a família que ia crescendo. Depois as tias e tios foram tendo mais dificuldade em subir e descer a imensa escadaria do seu andar de pé direito muito alto, na avenida, um andar de onde se tinha uma vista divina sobre Lisboa e sobre o rio. Então, na véspera, antes de irmos para o nosso destino natalício, íamos visitar as tias. Depois foi uma tia, depois um tio, depois a última tia. Esse ponto deixou de fazer parte do percurso. Depois o meu sogro, depois a minha sogra. Entretanto, a família desdobrando-se, novas famílias a juntarem-se. Entretanto, do meu lado, a minha avó, depois o meu avô, depois a última avó. Mais recentemente, o meu tio, aquele a quem a minha tia, chorando, aquando da sua cremação, se dirigiu, queixando-se: 'não esperaste por mim...'. E, pouco tempo depois, foi ela. Este ano, o meu pai. Um impiedoso tapete rolante. 

A minha mãe queixa-se porque lhe dói uma perna: o que havia de me acontecer. Desvalorizo, lembro-a que, com a idade que tem, estranho seria se não tivesse nada. Tem medo, diz que teme algum dia ficar dependente, a dar trabalho. Desvalorizo de novo, digo-lhe que não dramatize. Enquanto falo, penso que eu também não quero dar trabalho. No domingo, como contei, andei a carregar pesados baldes de terra, muitos quilos. Sei que carregar coisas muito pesadas não me faz bem. Mas não quero abdicar do que me dá prazer nem quero pedir que façam aquilo que gosto de ser eu a fazer. Hoje, como estive muitas horas sentada, reuniões sobre reuniões, de cada vez que me levantava, doíam-me os isquiáticos. É só o tempo de me pôr direita e começar a andar mas, nesse instante, eu percebo que é o meu ponto fraco, provavelmente o mal que me acompanhará na velhice -- se lá chegar, claro. 

Aliás, tenho para mim que a gente, se quer viver minimamente bem, o que tem é que seguir em frente, caminhar, estar ocupada, ser amada, gostar de estar vivo. Claro que há vezes em que a mulher da foice não quer saber de caminhadas, afectos e outras frescuras; mas vamos fazer de conta que são excepções senão damos em malucos. 

A seguir ao vídeo ali acima, o do vovô, o algoritmo tinha outro para me sugerir. Desta vez, num mundo de gordos, alguém quer voar e, para tal, perde peso. Não sei se isto é alguma indirecta para mim mas, lá está, faço-me despercebida e enterneço-me e sorrio com a graça da história. Não é tão viral como a do vovô mas também é bem pensado e bem visto (até agora, já vai em 5 079 600 visualizações se bem que também seja um vídeo mais idoso). Um post sobre viralizações, portanto. 


Sorrisos também para si, Leitor amigo
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Pinturas de Orazio Gentileschi
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Desejo-vos uma boa terça-feira.
Saúde. Força. 
Melhores dias virão.

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