segunda-feira, dezembro 28, 2020

2020, o ano que marca a viragem da nova era AC para a futura nova era DC

 


De vez em quando sou tomada por uma onda de optimismo. Nessas alturas esqueço-me da gente que só atrapalha e que, estranhamente, existe aos molhos. Parece que quando se vê um caminho desenhado para se poder andar por ele de forma feliz logo aparece um bando de gente disposta a lançar poeira, a atirar areia para tudo o que é engrenagem, a poluir, a fazer com que a oportunidade se esvaia. Racionalmente sei que é pouco inteligente ser optimista pois sei bem que, por cada optimista que apareça, logo aparecem cem pessimistas a atravancar o caminho e mil cépticos a fazer perder a vontade de avançar e dez mil burros que, não sabendo a quantas andam, perturbam ainda mais que todos os outros.

De vez em quando o meu optimismo leva-me a ver caminho aberto onde os outros vêem escolhos, tempestades, má sorte à espreita. Mas, ainda assim, o meu optimismo não soçobra. Penso que são os outros que não querem ir à procura do caminho aberto. Perante um caminho que vai dar a uma parede cega, dir-se-ia que qualquer um perceberia que o melhor seria escolher outro caminho onde haja continuidade ou paredes com portas. No entanto, há quem, perante uma parede cega, se entretenha a discutir a parede, a discutir com a parede ou a tecer loas sobre a parede, invocando todas as histórias que, desde os clássicos, incluíram uma parede. E há quem vá de encontro a ela, caia, e volte atrás para, de seguida, reinicie o mesmo percurso e vá, de novo, lá bater com a cabeça e isso vezes consecutivas, sempre acusando a parede ou a má sorte de a parede lá estar. E há quem, pura e simplesmente, baixe os braços e fique parado a carpir por ter uma parede cega no seu caminho. Por isso, reconheço que as razões para o meu optimismo são diminutas e, se o sinto, talvez seja porque sou uma pessoa de fé (e sou) ou porque não tenho os cinco alqueires bem medidos (e não digo que os tenha) ou porque tenho a mente toldada pela imaginação (e também não juro a pés juntos que não).

Mas, seja como for, é isso: de vez em quando sinto uma onda de optimismo a invadir-me. Por exemplo, acho que a clivagem deste ano pode iniciar uma nova era. A minha filha há bocado dizia que 2020 é o ano que estabelece um novo AC/DC, antes do covid, depois do covid. Achei a ideia fantástica e tanto mais quanto estava, justamente, numa de achar que esta bofetada sem luva branca que o corona dos totós deu à besta humana poderia muito bem ser o abanão que era preciso para que a besta humana atinasse.

Olho para o 2020, ano tão cruel, e consigo ver nele as sementes de um mundo melhor. Por exemplo:

  • consigo ver um maior respeito pelo planeta e pelo equilíbrio geral entre os seus elementos, 
  • consigo ver um apelo mais forte por uma vida mais simples, mais saudável, mais ligada à natureza e ao que verdadeiramente importa, 
  • consigo ver um maior respeito pela investigação e pela ciência, 
  • um maior respeito pelas profissões menos qualificadas e que, afinal, são tão essenciais à sobrevivência de todos, 
  • consigo ver um maior respeito pelos serviços nacionais de saúde que assentam na generosidade dos que mais podem para assistir os que menos podem, 
  • consigo ver o princípio da queda do populismo mais básico que provou levar a situações tão desastrosas, 
  • consigo ver que, se quisermos e conseguirmos, por uma vez, pôr de lado a mesquinhez e sermos inteligentes, poderemos iniciar uma nova era em que a esperança terá razões para se manter viva.

Li no Guardian um artigo interessante que vai precisamente neste mesmo sentido Reasons to be hopeful in 2021. E enuncia algumas:

  • A vaccine for HIV: ‘This is an incredibly exciting result’
  • Bristol: the people behind Britain’s greenest big city
  • Vodka made out of thin air: toasting the planet’s good health
  • Cleaning up the ocean: ‘Things that seem insoluble can be solved’
  • Saved from extinction: the rare species back from the brink
  • Regenerative farming: a return to nature-friendly agriculture
  • Bringing sight to the blind: developing a new artificial eye
  • Celebrity philanthropy: when the great are also really good
  • Anti-ageing: the worms that may help us live longer, healthier lives

E cada um que se sinta optimista e que goste de assim se sentir será capaz de enunciar uma mão cheia de razões que o justifiquem. Razões pessoais, razões gerais. 

Podemos ter razões para preocupação pessoal, podemos sentir tristeza porque os nossos sonhos se têm revelado uma ficção e uma frustração, podemos sentir desgosto porque nos sentimos desrespeitados ou injustamente tratados por aqueles por quem sentíamos genuíno afecto, podemos sentir medo perante a imponderabilidade do futuro, podemos sentir falta de muita coisa e até de meios para sobreviver condignamente, podemos sentir profundas saudades de quem está ausente, podemos ter mil razões para duvidar que melhores dias virão. Podemos, claro que podemos. Todos nós temos razões para nos sentirmos reticentes, mesmo descrentes.

Mas, no meio de tudo isso, podemos também acreditar que há milagres, podemos pensar que, no meio de um céu cinzento e pesado, aparece por vezes uma mancha de luz e que, da mancha de luz, nasce um arco-íris transportando todas as cores do universo. E, quando menos se esperar, chegarão as palavras daqueles que amamos, chegará a notícia que desejávamos, chegará o abraço pelo qual esperávamos, concretizar-se-á o sonho que teimava em manter-se vivo, chegará o inesperado e tão almejado reinício. Acredito nisso. E, se todos acreditarmos também, as coisas acontecerão. 

Claro que isto, aos ouvidos dos incréus, pode ser apenas música celestial. Não digo que não seja. Digo é que, mesmo os descrentes, no mais fundo de si, gostariam de ser tocados pela graça de uma boa surpresa mas terão que perceber que, para que ela aconteça, terão que ter a humildade de dar passos nesse sentido e terão que estar disponíveis para, depois, a receber. 


A vida na nova era DC pode ser uma vida bem melhor. Acredito mesmo nisso.

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As fotografias são da autoria de Jan von Holleben

Fiz-me acompanhar, enquanto escrevia e escolhia as fotografias, pelos The Paper Kites que, aqui, interpretam By my side, tema que, se calhar, não tem muito a ver com o que escrevi mas que me soa muito bem.

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira. 
Dias felizes.

2 comentários:

Isabel disse...

Gostei imenso das fotografias! Parecem feitas no chão...se são, é preciso uma grande paciência! Seja como for, são muito criativas e giras.

Desejo-lhe um bom 2021 para si, para a família e para esse trabalho em que agora está empenhada e em que pelos vistos entrou sem rede!

Beijinhos:))

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

Também achei as fotografias uma graça. Criativas, ternurentas, alegres. Penso que ilustram bem o que há de bom e esperançoso dentro de todos nós.

Um bom 2021 também para si. Saúde, motivação, energia, serenidade... e espaço e tempo para criar, para se dedicar às artes e aos trabalhos 'manuais' que estão à espera da sua disponibilidade...

Felicidades, Chabeli.