quinta-feira, agosto 06, 2020

Devagar, o futuro começa a desenhar-se




Ontem foi um dia importante na minha vida. Concretizei um desejo antigo, tão antigo que já tinha afastado da mente. Acho que uma maneira de uma pessoa não se sentir frustrada é deixar para lá aquilo que está para além das nossas possibilidades, para além daquilo que está sob o nosso alcance e controlo. Lutar por aquilo que se quer, sim, mas medindo o poder de fogo de todos os lados. Se a gente quer coisa que não é para o nosso bico, passo maior que a perna ou coisa do género, então, mais vale pôr os pés na terra e deixar que o tempo faça o seu caminho e nós o nosso. É que, quando o desejo é forte, a sua raiz fica submersa, viva, e, quando surge a oportunidade, eis que logo o sonho floresce. A vida tem-me ensinado isto: não se deve forçar nada. Quando a coisa não flui, não vale a pena insistir. Ou melhor, não vale a pena fazer de conta que não se percebe que não vai dar. Padecer ou fazer de conta não. As coisas, quando não têm que acontecer, não acontecem. E, quando é para a acontecer, acontecem. Parece La Palice? Pois, se calhar é. Claro que esperar, saber esperar, saber esperar que a oportunidade se cruze com a nossa disponibilidade para aproveitar a oportunidade, não é fácil. A gente gosta de se impacientar, de se armar em injustiçados ou frustrados, a gente gosta de cair no chorinho disfarçado de raiva. Ficar na nossa, à espera que apareça o bocado que nasceu para ser comido por nós, é coisa que ou é genética e se consegue na calminha ou tem que ser trabalhada.

Mas, portanto, foi dia bom. Um consolo, um sentimento de sonho feito realidade. Mais: a sensação de que o caminho está no início. Uma nova vida está a começar e tão, tão diferente do que foi até aqui.

Penso: há muitos anos, durante muitos anos, o quis. Não era possível. Não era ainda a altura. Se o tivesse forçado, não estaria aqui onde estou hoje. E, olhando para o dia de hoje e o que poderia ter sido, penso que ainda bem que, na altura, não aconteceu.

E, se na terça-feira foi dia bom, esta quarta-feira não lhe ficou atrás. Não. Ultrapassou. A alegria e o prazer partilhados. Todos contentes com esta opção. Um dos meninos dizia, espantado com o que estava a conhecer: eu não admito...! eu não admito...! Mas penso que era confusão vocabular, confusão causada pela alegria, devia querer dizer que não acreditava.

Contudo, dado o muito trabalho, afazeres e obrigações, não me são fáceis estes dias. Chego à noite e sobram-me deveres por cumprir e, portanto, em vez de estar a descansar, estou a trabalhar. Ao longo do dia, vendo os mails a chegar ou os telefonemas por fazer a acumularem-se, algum stress se vai apoderando de mim. Mas vou gerindo pois, apesar de um pouco de stress ser saudável [J. dixit], tento manter-me serena, penso que, à noite, recuperarei os pendentes.

Um destes dias, talvez desvende aquilo de que falo. Mas não agora. Agora ainda me sinto debaixo da crista da onda, em risco de, em vez de cavalgar o canhão, ser esmagada por ele. Mas não é nada de especial. Só é especial para mim. Apenas mais uma parcela da minha vida em mutação.

Mas, apesar de tudo, apesar de ainda estar longe do tempo em que conseguirei desfrutar em plena liberdade e tranquilidade o que é esta minha nova opção de vida, a verdade é que, ainda assim, já é bom.

Também soube que a minha mãe foi ao médico e lhe calhou a que, em tempos, foi a minha melhor amiga. Ela perguntou por mim e a minha mãe esteve a contar-lhe. E esteve a falar dela própria e eu, sabendo o que a minha mãe me contou, fiquei muito contente com as novidades. Ríamo-nos tanto. Tanto, tanto. Eu chorava a rir e ela, embora menos exuberantemente, também. Depois arranjou um namorado muito fora do mainstream e afastou-se um pouco. Seriam as últimas pessoas que eu imaginaria juntas. Mas, na realidade, embora por motivos talvez diferentes, ambos eram incomuns. E essa invulgaridade uniu-os. Depois, iniciaram o seu caminho e eu fui pelo meu. Mas lembro-me muito dela. Ainda no fim de semana passado tinha perguntado por ela à minha mãe. No fundo, gostava de perceber se ainda nos daria para desatarmos na galhofa, ambas a rir como umas perdidas, eu a chorar a rir, o rosto todo molhado de lágrimas que rebentam com a explosão de alegria, ela a tentar conter-se mas também a rebentar a rir só de ver o meu estado hilariante.

Penso que, um dia destes, hei-de voltar a estar com toda essa gente boa que, de certa forma, faz parte das minhas memórias e, logo, de mim, e a quem a vida introduziu distância e alheamento de permeio. Ela e a outra que se desviou creio que fatalmente. Dessa também gostava de saber. Nunca percebi que coisa aconteceu naquela cabeça para ter virado uma pessoa tão tresloucada, tão desligada daquilo a que antes dava valor. Tão crazy. Nunca consegui perceber, ela nunca deixou que ninguém percebesse. Era uma menina bem comportada e, do nada, virou uma doida que não acautelava nada. As situações em que se meteu não lembram ao diabo. Uma menina família, ajuizada, de repente a fazer toda a espécie de maluquices. Que será feito dela? No outro dia, a minha filha pesquisou pessoas minhas conhecidas no facebook. Não a encontrou. Terá mudado de nome? Usará um nome que nada tem a ver com o nome de solteira? Que eu saiba, apesar de uma vida amorosa fértil, não chegou a casar-se. Portanto, deveria ter o mesmo nome. Fiquei intrigada. A minha mãe também nunca mais soube dela. Como seria se nos encontrássemos? Seríamos duas estranhas? As últimas vezes foram tensas. Critiquei-a e ela não gostou. Nem foi tanto criticar, foi perguntar, foi não conseguir explicar e pedir-lhe que me explicasse. E ela, tomada por uma urgência caótica, sem querer fazê-lo, creio que sem conseguir fazê-lo. Dir-se-ia que talvez drogada. Mas não. A droga dele era outra, creio que era o medo de ficar sem ninguém, a urgência em ficar com qualquer um não fosse ficarem todos 'tomados' e não sobrar nenhum para ela. Uma coisa difícil de compreender. Era linda. Mas as mulheres muito bonitas têm frequentemente esta insegurança.


Mas estou capaz é de ir já deitar-me a ver se consigo dormir. Cansada como ando, volta e meia nem capazmente consigo dormir. Se calhar, vou pôr um daqueles valdispert debaixo da língua. Preciso de descansar senão, de noite, começo a elencar o que tenho que fazer, aquilo de que não posso esquecer-me, e, de dia, nem rendo o que tenho que render. Bolas para isto. O calor também não ajuda. Tanto calor.

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O vídeo abaixo não tem nada de nada a ver com a conversa. Ou, se calhar, tem. Sei lá. 
Cavalos e flamingos -- e cada um que escolha o seu lado. Ou não escolha coisa nenhuma e fique-se apenas a observar.

Salut d'amour, Op. 12, de Elgar também aqui apareceu nem sei porquê. 

Muito menos a Menez. A não ser que seja por gostar da sua obra.

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E, bora lá, para a frente é que é caminho.

E uma bela quinta-feira

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