sábado, agosto 15, 2020

Casa nova, vida nova




É verdade, Francisco: mudei de casa. Não foi para a tal, foi para esta. Não é uma casa invulgar, de uma arquitectura espectacular. É apenas uma casa bonita, ampla, luminosa, com um jardim à volta. A outra era uma casa de revista. Esta é uma casa de família. Agora, quando a casa se enche, para estarmos à vontade, não temos que ir para o campo. No apartamento, quando toda a miudagem se juntava, estando confinados, gerava-se ali uma tal turbulenta energia que os adultos ficavam todos com a cabeça em água. Ou íamos todos para o campo, que, ainda assim, não é ao virar da esquina ou tínhamos que nos preparar para a confusão.

O confinamento provou-nos também que, para estarmos mais circunscritos a casa, não nos sentíamos bem estando 'presos' muitos metros acima da terra, sem um bocado de chão onde pôr os pés, sem verde por perto. Por sorte, temos a possibilidade de ter para onde ir quando queremos evadirmos da cidade mas a verdade é que viver em permanência numa casa com jardim sempre foi a minha vontade. 

Desde que nasci até sair de casa dos meus pais, a casa em que vivíamos era assim. E sempre foi de uma casa assim que andávamos à procura. Mas primeiro casámos ainda miúdos, fomos para onde calhou. Depois nasceu a minha filha e queríamos era estar perto da escola dela e dos acessos para o nosso trabalho. Depois já eram dois e era mais prático estar ao pé das escolas. Depois era mais prático que pudessem ir e vir a pé para casa. Depois já tinham querer e recusavam-se a sair de perto dos seus amigos. E depois recusavam-se ir para um sítio para onde fosse complicado ir quando saíssem à noite. E depois, quando saíram e já não tínhamos a 'imposição' deles a forçar-nos à cidade, habituámo-nos, ficámos preguiçosos. Os meus filhos diziam que nos mudássemos, que já não havia razão para vivermos no meio da cidade, que seria melhor para todos se fossemos para uma casa com jardim (... e com um cão). 
De facto, esta do cão sempre foi um tema. Eles cresceram com a nossa doce boxer. Sempre tiveram muita vontade que voltássemos a ter um cão. Mas uma coisa era ter um cão quando eles viviam connosco e, durante o dia, iam à rua passeá-la, e outra, muito diferente, é sermos só nós dois numa torre e, quando vamos trabalhar, deixar o pobre do animal sozinho em casa todo o dia. E eles: mudem de casa. 
Há uns anos, fizemos uma tentativa nesse sentido. Tínhamos uma casa em perspectiva, projecto de arquitectura e engenharia prontos. Mas a empresa em que eu trabalhava mudou de sítio, não faria sentido ficarmos a morar mais longe.

Agora, comigo a querer mudar de tudo, com a família a apoiar, incluindo a minha mãe, uns por umas razões, outros por outras -- mas tudo se conjugando -- foi desta. 

Mas mudar de casa é obra. Era coisa que eu, quando os meus filhos nos tentavam convencer, sempre dizia: nem pensar em metermo-nos na trabalheira de uma mudança. Olhava para tanto livro, tanto bibelot, tanta coisa, e achava impossível. Muito sinceramente, não me via com energia para encaixotar uma vida inteira e voltar a recomeçar numa outra casa. Mas, sei lá porquê, nesta minha disposição de mudança, arranjei energias para me abalançar a tão hercúlea tarefa. Claro que o trabalho mais pesado não é o meu. Livros foi coisa para o meu marido. Não sei como conseguiu. Mas conseguiu. Eu fiquei com o trbalho mais leve mas, em minha opinião, mais melindroso. Copos, louças, bibelots, tudo embrulhadinho em plásticos de bolhinhas. 

Pode contratar-se serviços de embalamento, mas não quisemos isso. Não me imaginava, durante uma a duas semanas (que foi o tempo que as empresas de mudanças estimaram), a ter uns quantos camaradas lá em casa, a mexer nas minhas coisas. Ainda por cima, em tempos de covid. Portanto, tudo feito por nós. Tudo para fora de gavetas e prateleiras. Tudo arrumado em caixas. E, à medida que íamos arrumando em caixas, ia limpando móveis por dentro, íamos deitando coisas fora. Uma canseira mas, ao mesmo tempo, um consolo.

E, nos dois últimos dias, entraram os homens. Hércules. Homens com força de touros. Estes, Paulo, eram mesmo touros. Quais bois? Não, touros. Possantes. Eu não conseguia sequer arrastar uns centímetros no chão cada caixa. Eles pegam nelas, põem-nas ao ombro e aí vão eles. Ou pegam em móveis brutais e aí iam eles escada abaixo. Uma força do além.

Agora cá estou. Caixas e caixas e caixas. Uma tarefa brutal para os próximos dias. 

Teria mil peripécias para contar, incluindo coisas do Marinho ou do Dudu, mas já é tarde para além da conta e, portanto, vou dormir numa caminha nova, num quarto novo, numa casa nova. E amanhã (que já é hoje) é um novo dia.

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Desejo-vos um belo sábado

4 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Minha rica UJM, que maravilha, não há nada melhor que uma casa "bonita, ampla, luminosa com um jardim à volta". Como bem disse, os tempos do "carcará sanguinolento" são a prova disso.

Um belo fim-de-semana a por a casinha em modo UJM, linda e airosa.

Anónimo disse...

Bravo, UJM e parabēns pela mudança de casa, parabéns pela enorme energia a que a mudança obriga e parabéns e obrigada por ter continuado, mesmo durante esse período tão intenso, a oferecer-nos diariamente a sua forma de ver o Mundo e a Vida. Um ótimo fim‑de‑semana a "descobrir" os cantos à casa.
Filo

Paulo B disse...

Hahahahaha!!! UJM, se fossem touros partiam isso tudo. Os bois é que são bons animais de trabalho, tão bons que, como dizia o amigo do Rui Brandão, admiradissimo: estranha terra onde os bois lavram o próprio mar! ;)

Seja tão ou mais feliz na sua nova casa UJM!

Ps: por incrível que pareça, isto de lavrar o mar com os bois ainda era prática nos anos 80 e eu bem me recordo disso: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/onde-os-bois-lavram-o-mar/ (e há toda uma história interessante de ligação desta faina sazonal, com as terras agrícolas envolventes - o que não é um exclusivo de Mira, pois se não estou em erro, os avieiros do Tejo (daquelas casinhas que à uns tempos deixou-nos aqui umas fotos que a UJM fez em tempo de férias) devem o seu nome a uma comunidade de pescadores da Praia da Vieira, que ia para águas mais calmas no inverno)

Abraço!

Bom fim-de-semana!

Estevão disse...

… e que se cumpra o ditado “a quem muda Deus ajuda”. Parabéns!!
Entretanto terá mais uma preocupação chamada jardim. E se ousar cuidar dele, verá como se liberta de muito mais do que do valdispert. Poderemos até ficar orfãos deste blogue ..