quarta-feira, julho 01, 2020

Para agradecer a Marta Temido e a Graça Freitas.
Para dizer ao Medina que vá mas é dar banho ao cão.
Para me fazer eco das palavras de Sofia Loureiro dos Santos.
Para ver e ouvir as mãos de Carla Bley.
[E para falar da minha estranheza face ao estranho mundo que por aí vai]


A newborn baby at Praram 9 hospital in Bangkok, Thailand
Photograph: Lillian Suwanrumpha/AFP/Getty



Já aqui falei muitas vezes: parece que uma disrupção qualquer se deu em mim. Fracturei. Este confinamento, o teletrabalho, o ter vindo viver para o campo, esta deslocação no espaço e parece que também no tempo, tudo isto operou em mim um efeito que nem eu entendo. Não consigo imaginar-me a voltar a trabalhar como trabalhava antes, enfiada no carro, enfiada numa fila de trânsito, enfiada horas a fio numa torre hermética. Contudo, pode acontecer que tenha que me readaptar. Não sei porquê mas há pessoas que não percebem que há coisas que é melhor não contrariar. Se for forçada a violentar a minha vontade, talvez ceda. Mas tão contrariada que melhor fora se não.

Mas tudo é bizarro no que vejo acontecer-me. Do vendaval que as minhas células experimentam e que me levam a querer experimentar toda a espécie de mudanças já aqui falei sobejas vezes. Mas hoje quero falar de um outro efeito que tudo isto está a produzir em mim. É que parece que tudo o que vejo à minha volta, nesse tal mundo exterior, é disparatado, improvável, estúpido, dispensável. Parece que não tenho nada a ver com isso, como se eu vivesse aqui, em paz, e, lá fora, num mundo estrangeiro, só acontecessem macacadas, cenas maradas, coisas que teriam sido impensáveis há pouco tempo.

A woman shopping in Granada. Spain
Photograph: Jorge Guerrero/AFP/Getty
Por exemplo, quase ao acaso, de entre notícias do dia:

Enquanto uns já se preocupam com a segunda vaga, como a China e a Europa Ocidental, outros tentam regressar à normalidade num cenário de incerteza, como Espanha e Portugal, que deram um passo atrás em algumas regiões. Cidade inglesa de Leicester voltou a fechar após novo surto

A administração de Donald Trump adquiriu mais de 500 mil doses do medicamento contra a covid-19, o que significa toda a produção mundial de julho e quase a totalidade referente a agosto e setembro.

Nova variação do vírus da gripe com potencial para se tornar uma pandemia foi identificado na China por cientistas. É transportada por porcos, mas pode infetar seres humanos.

O bastonário da Ordem dos Médicos afirmou hoje que o hospital Amadora-Sintra "já ultrapassou o limite da sua capacidade" e que teve de transferir 50 doentes com a covid-19 para outras unidades de saúde.
A band do their sound check before live streaming a concert in Washington, US
Photograph: Eva Hambach/AFP/Getty

E li também sobre a atitude de Fernando Medina. Não gostei. Tinha-o em melhor conta. Com esta sua oportunista e desleal atitude recuo e tiro-lhe o tapete. Bem sei que ele passa bem sem o meu tapete sob os seus pés. Mas o pior é quando um e outro e outro e outro fazem o mesmo. Pode acontecer que, quando der por ela, esteja de gatas, apeado. Roma não paga a traidores. E eu nem a traidores nem a populistas.

Marta Temido ou Graça Freitas podem, uma ou outra vez, não ter sabido exactamente como agir. Mas penso que só gente burra ou estúpida acredita que poderiam ter feito melhor. Só se fossem bruxas e adivinhassem o que a comunidade científica de todo o mundo ainda não descobriu. O que tenho visto nelas é ponderação, bom senso, sangue frio, dedicação, inteligência, força anímica, resiliência, amor ao país. Deveríamos agradecer-lhes por tudo o que têm feito num contexto desconhecido, incerto, traiçoeiro. De cada vez que vejo alguém, na bancada, a dizer uma coisa ou o seu contrário, conforme sopra o vento e acusando estas duas bravas mulheres de não terem feito ou acontecido só penso que é uma pena que seja dado palco a gente burra e oportunista. Penso que António Costa, Marta Temido e Graça de Freitas têm estado bem a gerir todo este processo e espero é que muitas vozes se levantem para lhes agradecer.

A couple have lunch at a restaurant in Paris, France
Photograph: Alain Jocard/AFP/Getty

Li um post de Sofia Loureiro dos Santos que acho que deve merecer destaque. É a voz de uma médica e é a voz de uma pessoa lúcida e, do que lhe tenho lido, intelectualmente honesta.

Transcrevo na íntegra e aconselho a que o partilhem (e, se puderem, o esfreguem na cara do Medina!):


Há coisas que, por muito que racionalmente saiba que são assim, sempre me surpreendem.

Fernando Medina, após as notícias de que António Costa se teria irritado com os técnicos e com a ministra da Saúde, não sei se por iniciativa própria ou se por estratégia concertada, resolveu abrir fogo.

Instalada a ideia de que a pandemia está a correr mal em Lisboa, é preciso arranjar responsáveis por este facto (alternativo). Já ninguém se lembra, e também não interessa a ninguém lembrar, que há escassas semanas as mesmas autoridades, as mesmas chefias e os mesmos exércitos eram os melhores do mundo.

Em primeiro lugar, após a decisão de reduzir as medidas de confinamento e há já várias semanas, temos uma evolução de novos casos à volta de 1% , uma letalidade a reduzir-se paulatinamente (à volta de 4%), o número de internamentos e de camas de UCI ocupadas também controladas. Até hoje, e felizmente, temos conseguido controlar a pandemia apesar da pobreza, das desigualdades gritantes, nomeadamente na região da Grande Lisboa, da imensidade de imigrantes em situações precárias, dos bairros sociais, dos lares clandestinos, dos transportes apinhados, do escasso número e do envelhecimento dos profissionais de saúde, da obsolescência dos sistemas informáticos, da inadequação dos equipamentos, do cansaço, da necessidade de retomar a economia e a sanidade mental.

Estes problemas já existiam antes da pandemia e não desapareceram nestes últimos meses, altura em que éramos o exemplo mundial no combate à COVID-19. Por isso as palavras de Fernando Medina são ainda mais obscenas. Já agora, o que fez ele, como responsável autárquico, para tentar resolver o problema do distanciamento físico nos transportes públicos? Será que não podia, por exemplo, implementar o desfasamento de horários para mitigar as horas de ponta? Aumentar o número de autocarros alternativos? Ou mesmo usar uma varinha mágica e acabar em 2 meses o que não conseguiu em 5 anos?

É uma pena que o SARS-Cov-2 não se comporte como António Costa gostaria. Nós todos preferiríamos que ele tivesse desaparecido, que o conhecimento sobre máscaras, desinfecções, confinamentos e desconfinamentos, terapêuticas, etc, fosse maior e mais certo.

A evidência científica perde terreno nestes tempos de chumbo. Não é só Trump nem Bolsonaro. O pensamento mágico substitui a racionalidade. E a forma como os responsáveis políticos manipulam os factos e a opinião pública para os seus proveitos é tão asquerosa quanto velha.

A man cycling in Wuhan, China
Photograph: Héctor Retamal/AFP/Getty
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Rüdiger Krause, Carla Bley e Steve Swallow interpretam Lawns

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Boa sorte, alegria e saúde a todos quantos  por aqui me acompanham

2 comentários:

Paulo B disse...

A diretora geral da saúde e a ministra da saúde têm tido um papel de liderança formidável! Claro que terão cometido erros vários - mas liderar num contexto desconhecido e cheio de condicionantes é inevitável o erro.
Mas, sinceramente, visto de fora, os seus erros mais visíveis foram provocados pelos seus colegas de governo. Desde logo o primeiro ministro: 1. Porque não está a meter recursos (humanos, financeiros, ...) onde são necessários (a saúde), 2. Porque está altamente focado na economia e numa solução sem futuro (o turismo), obrigando a saúde a tomar decisões que fragilizam o caminho que precisa ser tomado (por exemplo o episódio liga dos campeões, o foco todo no desconfinamento de tudo o que seja atividade turística e nenhuma atenção para as outras atividades - construção civil, logística, agricultura, mas também as escolas, os lares... E estas duas.poderiam ter tido um papel fulcral no controlo da infecção... Por exemplo levando os jovens para uma situação mais controlável no que respeita às interações, ao invés de estarem ao "Deus dará") e 3. Pela falta de suporte (dar a cara) a estas duas mulheres quando elas estão a ser atacadas (arma confusão com os especialistas e ainda vai para a TV - programa do Ricardo Araújo Pereira - dar a ideia completamente estúpida de que gripes se curam com antibióticos!!). Enfim. Anda a irritar o senhor feliz e optimista.

O Medina sempre me causou uma sensação irracional de rejeição. Mas a obra dele também contribui: o Medina recebeu um duplo jackpot orçamental e claro, bora lá fazer obra vistosa. Habitação acessível? Requalificação urbana das áreas mais pobres? Naaaa... Um populista típico. Pouca visão sobre a cidade para quem a habita. Muita preocupação com a marca e com a negociata.
De qualquer forma é como diz: que fez ele agora? Os problemas, estou em querer, mais do que nos transportes são na habitação bem como na escassez de recursos humanos e financeiros (nesta fase, é muito importante voltar ao rastreamento de contactos e isso é uma tarefa muito alocada aos cuidados de saúde primários que são uma lástima em Lisboa!!). As autarquias até ganharam recentemente competências nestas áreas (cuidados primários e habitação). Não conheço uma única medida do senhor Medina nestas suas áreas de competência... Não dá para mobilizar pessoal pago pela câmara para ajudar no rastreamento? Não dá para requisitar hotéis e oferecer lugares para fazer a quarentena e o isolamento a quem vive em condições habitacionais espartanas? Não dá para montar umas equipas de apoio social e comunitário?
Volto a insistir nas condições habitacionais: https://ajph.aphapublications.org/doi/10.2105/AJPH.2020.305661

Abraço!

Smiley Lion disse...

Cara UJM, voltei aqui porque não podia deixar de a acompanhar na solidariedade e aplauso ás duas mulheres de grande valor que nos têm conduzido neste mar traiçoeiro (Marta Temido e Graça Freitas).
Igualmente acompanho o desprezo ao F Medina. Não sou de Lisboa mas, se fosse, depois destas descabeladas e atoleimadas declarações com toda a certeza não teria o meu voto.

Abç