La Villa Arnaga d'Edmond Rostand |
La Maison d'Émile Zola |
Já aqui falei várias vezes: tenho esta coisa de que, um dia que tenha tempo, hei-de sentar-me a escrever, a escrever a sério. Histórias, guiões, romances, cartas, macacadas, o que me der na bolha. Tudo menos poesia que a poesia pede recato e eu sou tudo menos recatada, pelo menos a escrever.
Para escrever a sério preciso de saber que consigo mergulhar no espírito da coisa e lá ficar até adormecer. Por isso, só escrevo de noite, quando sei que não haverá nada que possa interromper-me. De dia, em especial neste regime de teletrabalho em que tenho conseguido aguentar-me (vejamos até quando), não consigo escrever. Sabendo que a qualquer instante pode chegar mail a requerer resposta urgente, telefonema ou meeting dentro de pouco, não consigo que a mente se encarreire para aqueles caminhos em que deixa de receber ordens e em que fica por conta própria, as mãos descomandadas.
Le Château de Monte-Cristo d'Alexandre Dumas |
Mas se preciso de tempo e sossego, há outra coisa de que também preciso mesmo. E disso também já aqui falei.
Repito-me, repito-me. Há tanto tempo a escrever aqui todas as noites que não consigo inventar coisa para ser todo o dia um enredo diferente. Repito-me, pois.É que preciso de um lugar especial. E esse lugar eu ainda não encontrei. Tem que ser lugar amplo, mesa grande e vazia, só uma jarrinha pequena de flores frescas. Talvez, em vez de jarra, um vasinho com uma orquídea. Nunca tive orquídea. Acho que tenho receio que não se dê e que, com isso, me traga desgosto. Mas a mesa grande deveria estar ao pé de uma janela. E ao pé deveria ter música. A música inspira-me.
Só que ao dizer tudo isto percebo que tudo são dificuldades. Que mesa? Deveria ser uma mesa rectangular, branca. Mas não a tenho nem tenho onde uma mesa assim ficasse bem. Nem sei já onde ouvir música. No computador, spotify, cenas dessas? Aqueles meus cds todos com sinfonias, concertos, jazz e blues, alguma vez os voltarei a ouvir? Onde? Ou ter um pequeno rádio onde possa ouvir a antena 2? Mas ainda haverá rádios à venda?
Tudo me parece difícil, intransponível. Uma logística impossível.
La Maison de Louis Aragon et Elsa Triolet |
Penso também que deveria ter, por perto, um sofá macio ou cadeirão de reclinar para fazer uma pausa quando a cabeça pedisse descanso. Talvez num lugar onde entrasse a luz da tarde que é dourada e me envolve a alma em paz e emoção.
E há mais dificuldades: qual a hora do dia e o que fazer com os afazeres, como garantir a capacidade de conciliar com a culinária, a jardinagem, os telefonemas e os cuidados com a família.
E isto para não falar na cadeira. Não sei qual a ideal. Já experimentei várias e nenhuma é suficientemente neutra para não ser tema. Na escrita nada mais pode ser tema senão as palavras.
Mesa e cadeira: dois pontos chave no desbloqueio desta minha inibição. Uma vez arranjei uma secretária que achei que tinha tudo a ver. Uma secretária antiga, de nogueira, tampo de pele verde, gaveta grande a meio, gavetas dos lados. Para começar, pus um vidro espesso em cima. Tive medo que alguém sujasse ou rasgasse a pele. Depois não é confortável. O espaço para as pernas é um bocado apertado e volta e meia dava com a parte de cima da perna numa das esquinas das gavetas. Não. Falta-lhe largueza, simplicidade, silêncio. Teria que ser um espaço branco, silencioso. A música também deveria ser silenciosa, mais espaços do que notas. Claridade, o perfume da relva cortada ou das flores a vir da rua, os passarinhos a cantarem, a luz a vir pousar em mim.
Mesa e cadeira: dois pontos chave no desbloqueio desta minha inibição. Uma vez arranjei uma secretária que achei que tinha tudo a ver. Uma secretária antiga, de nogueira, tampo de pele verde, gaveta grande a meio, gavetas dos lados. Para começar, pus um vidro espesso em cima. Tive medo que alguém sujasse ou rasgasse a pele. Depois não é confortável. O espaço para as pernas é um bocado apertado e volta e meia dava com a parte de cima da perna numa das esquinas das gavetas. Não. Falta-lhe largueza, simplicidade, silêncio. Teria que ser um espaço branco, silencioso. A música também deveria ser silenciosa, mais espaços do que notas. Claridade, o perfume da relva cortada ou das flores a vir da rua, os passarinhos a cantarem, a luz a vir pousar em mim.
Tudo muito difícil. Não sei como é que há tantos escritores. Se eu, mesmo só para me armar em pseudo, não consigo reunir as condições para, como é que os outros, os verdadeiros, o conseguem? Sou eu que sou picuinhas, cheia de esquisitices e nove horas? Se calhar sou. Se calhar os escritores de verdade pegam num guardanapo de papel e, mesmo no meio da confusão, constroem um personagem. Se calhar é isso. Não tenho alma de -- porque, sendo como sou, com tanto escolho, não sei como é que algum dia poderei dar largas a esta minha vocação escondida.
E toda esta conversa para dizer que, tendo hoje o dia sido mais calmo, em vez de aproveitar a agenda mais bondosa e tentar a arte, não senhor. Ao fim da tarde, peguei na máquina e fui fotografar o mesmo de sempre. Depois fui pôr-me a cuscar cenas. E, logo a abrir, dei com uma que me agradou bué. Les maisons d'écrivains à voir en France. D'Émile Zola à Colette en passant par Victor Hugo et Jean Cocteau, tour d'horizon des plus belles maisons d'écrivains à visiter en France cet été.
La Maison de Jean-Jacques Rousseau à Montmorency |
Até me deu vontade de me meter no carro e ir por aí, em passeio -- e o que eu gosto de passear de carro -- a conhecer a casa deles para perceber como é que tinham resolvido tamanha quadratura de círculo. E, agora que o escrevo, penso que, na volta, poderia era organizar um passeio assim pelas casas dos nossos escritores. Será que há várias abertas aos cuscos como eu?
La Maison de Marcel Proust à Combray |
-----------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------
E uma boa terça-feira.
2 comentários:
Casinhas tão simples e humildes. Pobres escritores que quase não ganham para comer. São assim os contrastes da vida. Fiquei mesmo (mal) impressionado com tanta pobreza.
.
Desejando uma terça-feira feliz
Cumprimentos
Sim, rica UJM, ainda se vendem Rádios, Radios-CD, sistemas Hi-Fi unos ou por elementos.
Os meus CDs vão regularmente à drive portátil e no computador tenho mais de 100GB de música e a crescer, por isso nem conta tenho no Spotify, o mais parecido que tenho conta é no Mixcloud para ouvir DJ sets e partilhar os que faço "just for fun".
Quanto a escritas, a condição é não haver muito banzé, de resto pode ser onde me calhe no momento.
Um belo dia.
Enviar um comentário