sábado, abril 25, 2020

25




 

Passa da meia-noite, já estamos dentro do 25 de Abril. De todos os feriados civis este é aquele que me diz mais. Não digo em geral porque o dia de Natal, para mim, tem um certo significado sobretudo porque assinala o nascimento de um ser que parece que era rijo e, ao mesmo tempo, generoso e, em cima disso, é aquele dia de festa em que a malta se esfalfa antes a consumir à labúrdia para chegar ao dia com os bofes de fora mas não faz mal, a casa enche-se e há alegria e brincadeira e gente sorridente e luzinhas e jingle bell no ar e eu gosto disso. Mas, boas intenções, fofices e mesa cheia à parte, o 25 de Abril é para mim aquele verdadeiro dia de festa, de liberdade, de democracia, de nunca mais o atrofio e a pata em cima, de nunca mais o medo e a mesquinhice e a modestiazinha contentinha, de nunca mais a bufice, a tacanhez, a vingança, a maldade bacoca, a estupidez encartada, a beatice, a cortina de mofo sobre a vida dos que gostavam de luz.


Acho, pois, muito bem que se festeje o 25 de Abril. Indispensável. Festejar, lembrar, dizer que nunca mais o antes do 25 de Abril, nunca mais o antes daquela madrugada tão esperada. Mas festejar o 25 de Abril deveria ser, todos os anos, um exercício de liberdade de pensamento, um desafio que apelasse à criatividade, ao desaforo, à surpresa, à coisa nova, à alegria, ao renascimento, à inclusão. 

Nunca achei graça a cerimónias quadradas, desengraçadas, sacralizadas, padre-nosso, avé-maria. Não digo que não existam. Se há quem sinta falta delas, pois muito bem. Não é é a minha praia. Discurso chato, déjà-vu, gente mentalmente engravatada, coisa que mais parece comemoração de clube privado, não me atrai. Não vou ver ao vivo nem vejo na televisão. Parece-me coisa chata, sem graça. Abafa a novidade do dia que foi e dos festivos dias que se lhe seguiram.

Quem não tem ideia porque nasceu muito depois vai ficar a achar que 25 de Abril é coisa de velho, de chato, vai ficar com vontade de dizer não chateis mais, ó pá.


Se fosse eu a responsável pelo festejo exigiria que, em cada ano, o dia 25 de Abril fosse uma festa, festa rija, festa de atirar chapéus ao ar, festa nunca vista, cada ano uma coisa de que ninguém nunca antes se tinha lembrado, uma coisa de deixar toda a gente de queixo caído, toda a gente a rir, a bater palmas, todos a pegarem uns e outros ao colo, tanta a felicidade, e música esfuziante, delirante, dança de tripa forra, coisa louca, desfile maluco, saltos, cambalhotas no ar, crianças a dançar em roda, gente a voar, flores ao dispor, permissão para não ter vergonha de rir e beijar e abraçar. Coisa de todos os anos ter pena do dia acabar e mal conseguir esperar pelo 25 do ano seguinte. 

Eu era assim que queria festejar. Mas, seja como for, festejo sempre. Nem que seja só cá para mim.

25 de Abril sempre.



Mas também gosto muito de ver isto aqui em baixo. Gosto. E gosto de cantar isto. Não canto bem mas gosto de cantar algumas coisas. Neste caso, tenho sempre que esconder que, por dentro, estou quase um bocadinho emocionada. 

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto a igualdade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti ó Cidade


25 !

15 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

25 de Abril ontem, hoje e sempre!

Um rico dia de festa!

Estevão disse...

que
nasceu na ditadura e não na ditamole
e que aproveita para recordar a actualidade das palavras de Melo Antunes em Abril de 1984 – «O 25 de Abril era a grande oportunidade histórica de transformarmos a realidade portuguesa no sentido de uma sociedade mais justa e mais livre. Acho que perdemos essa oportunidade histórica.»
https://www.youtube.com/watch?v=NoXp54_9DdM

A.Bernardo disse...

25 de Abril Sempre!...
E fascismo nunca mais!

Pôr do Sol disse...

25 de Abril para não esquecer

Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.

Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena

Ary dos Santos


Foi uma das emoções mais fortes da minha, da nossa geração.

Hoje não é fácil explicar aos adolescentes o antes do 25 de Abril. Parece-lhes inconcebível. Sempre viveram no depois. Mas tentamos.

Há pouco, foi com desilusão e algo de revolta que ouvi Jerónimo de Sousa, num discurso repisado, muito aquém daquele de que necessitamos para consciencialisar, motivar, levar jovens para uma oposição tão necessária, senti que o sacrifício, luta e morte de tantos fica esquecido.

Sempre o considerei um homem honesto, mas quarenta e seis anos deve ser demais para um lider.

Numa época em que já tenho poucas certezas, talvez seja eu que estou desenquadrada.

De qualquer modo aqui fica o meu OBRIGADA E RESPEITO PELOS QUE O CONSEGUIRAM. 25 de ABRIL SEMPRE!

Para si e seu companheiro de lutas(se me permite)um abraço e um dia feliz, mesmo confinados (ou como brinca a minha menina antes isso que confitados).

VIVA A LIBERDADE.




Pôr do Sol disse...

O dia 25 de Abril está a chegar ao fim.

Tive a esperança de pelas 15 horas, sentir vida na rua. Ouvir musica, o Hino Nacional, Grandola Vila Morena ou mesmo qualquer outra coisa de Zeca Afonso.

Nada. Existem no inicio da rua dois edificios de escritorios. Daí não esperava nada, claro. Mas moram nesta rua imensos casais novos com filhos e tambem gente na casa dos setenta anos.

Nem a estes lembrou nada e eu lembrei me das manhãs em casa de meus pais de onde via as gares marítimas da Rocha de Conde de Obidos e de Alcantara com os navios carregados de militares e acordava com os gritos de alegria de quem regressava e os de angustia de quem partia.

Natália Correia mostrava assim a importancia que lhes davam.

Dão-nos um numero e um jornal
um avião e um violino
mas somos o animal
que espeta os cornos no destino
Dão-nos a capa do evangelho
um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
para pentearmos um macaco

Esperemos dias com mais esperança

Tiago Gonçalves disse...

Quem acompanhou esse dia com ansiedade, esperança e alegria, à hora, ao minuto, ao segundo, passou por algo de único e marcante :)

Não estando ainda "cá" nessa data, também sinto uma certa emoção quando vejo os relatos de então. Foi algo especial....
Também eu deixo o meu obrigado e homenagem aos que nesse dia se arriscaram para trazer a liberdade ao nosso país!

Abril 25-1974 / Abril 25-2020.

Anónimo disse...

O pôr do sol acha que o Sr. Jerónimo está já para além do sol posto.
Palavras inadequadas para um homem que proferiu o melhor discurso e mais sincero de hoje.
Um sol que ilumina tão bem a Srª. Natália e o Sr. Ary distraiu-se certamente com alguma nuvem passageira …
Um agradecimento ao "Um Jeito Manso" -minha leitura diária- e que espero saia da "clandestinidade" para a liberdade plena nesta conturbação medonha do tempo.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Tenho pena de não ter visto o fogo de artifício à meia noite nem ter podido andar a passear na rua, com largueza de movimentos, a sentir a rua, as ruas da Baixa, o Chiado, aqueles lugares tão ligados ao 25 de Abril e de que eu tanto gosto. Mas, enfim, não pode ser. Fica para o ano que vem.

25 de Abril, sempre.

Abraço, Francisco!

Um Jeito Manso disse...

Olá Unknown,

Não perdemos nada...! Então não somos uma sociedade mais justa e mais livre? Ora essa. Pode não ser ainda a sociedade ideal (mas isso existe?), podemos achar que a madrugada limpa pela qual esperávamos está ainda por cumprir (mas isso existe fora do poema de Sophia?), mas somos um país livre, sim, um país bom, um país onde há caminho para andar.

Gostei muito das duas meninas a cantarem o Grândola. Obrigada.

Espero que o seu 25 tenha sido bom e que também tenha cantado, mesmo que não tivesse um cravo para segurar.

E um bom domingo.

Um Jeito Manso disse...

A.Bernardo,

Estou consigo. Ergamos o cravo e o punho (mesmo que apenas em pensamento) e mostremos que estamos cá para defender a liberdade.

25 de Abril sempre. Em festa.

Um Jeito Manso disse...

Olá Pôr do Sol,

Um dia destes acho que vou escrever ao Marcelo e ao Ferro e ao Costa a pedir que organizem uma festaça de arromba para o próximo 25 de Abril. Por essa altura espero que estejamos livres do safado do corona e que tenhamos duplas razões para festejar a liberdade. Que se aproveite, pois, para trazer a poesia e a música e a dança e o teatro e a alegria e a festa para as ruas. Uma coisa para ser inesquecível. E que fique para ser assim todos os anos, um dia de festa, de futuro, um dia de liberdade.

Temos que nos unir para dar vida ao 25 de Abril, para não ser memória.

Não ouvi o discurso do Jerónimo, esse homem que tem um rosto espantoso, esculpido. Gostava de poder fotografá-lo. É uma pessoa de uma enorme dignidade.

Toda a esquerda está a aprender a ser futuro e não apenas passado. Acredito na esquerda. O meu coração bate à esquerda. E a minha cabeça não contraria o meu coração.

25 de Abril em festa e em liberdade, sempre.

Abraço, Sol Nascente.

Um Jeito Manso disse...

Olá Tiago,

Devemos, sim, ser agradecidos em quem libertou Portugal da pata do atavismo, do atraso, da mediocridade, da falta de liberdade. Mas devemos, ao mesmo tempo, manter vivo esse espírito de alegria e descoberta para continuarmos, todos, a lutar por um futuro mais justo, mais inclusivo, mais desenvolvido. O futuro deve ser aquele lugar para onde a gente deve gostar de ir.

A alegria (e a utopia...) de ter vontade de construir um país novo deve manter-se sempre vivo.

Abraço, Tiago. E esperemos que o 25 de Abril do ano que vem já possa ser vivido na rua, entre amigos... com abraços!

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo,

Pois é, sou clandestina... Tem razão. Mas, neste meu caso, não é por falta de liberdade mas, justamente, porque a liberdade me permite ser eu, a 'eu' oficial, durante o dia e, aqui, à noite, ser clandestina.

Pode ser que um dia chegue aqui e diga: o meu nome é este, a minha profissão é esta, tenho estes anos, moro nesta cidade e o meu heaven é junto àquela vila, e esta é a minha fotografia. Mas, por enquanto, não sinto necessidade de fazê-lo. Acho que perderia era a vontade de aqui estar. Dizia isso e encerrava o blog. E depois, à socapa, inventava outro nome, abria outro blog e começava do zero.

Obrigada pela sua companhia, aí desse lado.

Um belo dia de domingo!


Anónimo disse...

A imagem daquele homem, sozinho, com uma grande bandeira nacional, todo aprumado, a andar, silencioso, pela Av. da Liberdade, ontem, 25 de Abril,foi talvez uma das mais singelas homenagem a esta data espantosa que nos devolveu a Liberdade e a Democracia a que temos direito e que o Fascismo de Salazar nos cerceou.
Também esteve bem a A.R e, se excluirmos uma certa Direita Radical (CDS/IL/Chega)com intervenções demagógicas, todos estiveram igualmente bem.
P.

Tiago Gonçalves disse...

Subscrevo o que disse UJM e acrescento "Amen!"