Contra a vontade do meu marido, estivemos, aqui na sala, até anoitecer, de janela aberta. E refiro-me às janelas de dentro, de vidro. Duas portas largas de vidro. Uma delas aberta. As portadas de fora também, claro. Vi a noite vir chegando, lentamente. Vi os passarinhos a saltitarem aqui à porta. Ouvi-os a cantarem, um chilreio de dar gosto. O meu marido nunca quer as portas abertas ao fim do dia, diz que entram bichos. Diz bichos para dramatizar. Como se pudessem entrar pumas, chitas, javalis. Mas refere-se a melgas. Sei que sim, que há esse risco mas acho que vale a pena. Agora pus na tomada do quarto uma daquelas coisas que supostamente emitem uns ultrassons ou lá o que é que nós não ouvimos mas que põem a cabeça em água a moscas e mosquitos, afastando-os de lá. A ver se resulta, senão, para além das melgas, terei que o ouvir também a ele.
O dia hoje esteve ameno, não um sol franco mas um suave entressol-entrenuvens, nem frio, nem ventoso, nem chuvoso. E, há pouco, aqui na sala, fui sentindo a frescura da noite que se avizinhava, aquela frescura feita de penumbra e paz, uma lentidão harmoniosa, limpa, boa.
Quando fui fechar as portadas de fora vi o céu. Aquele azul límpido que antecipa o negrume da noite, apenas uma lua a vir em crescendo e, um pouco mais acima, uma única estrela. Brilhante, única. Olhei a toda a volta. Nada, apenas a imensidão do azul e aqueles dois pontos, uma estrela e uma lua a caminho. Emocionei-me. Isto é o mundo na sua perfeição. Só a natureza, o canto dos pássaros, a beleza das nuvens recortadas na linha do horizonte, o mistério das árvores escuras, igrejas onde os pássaros cantam a capella. Nada mais. Eu a olhar para o céu e para tudo, comovida por estar aqui, por me ser dado o privilégio de estar viva a ver, a ouvir e a sentir tamanha tranquilidade e beleza.
Quando fui fechar as portadas de fora vi o céu. Aquele azul límpido que antecipa o negrume da noite, apenas uma lua a vir em crescendo e, um pouco mais acima, uma única estrela. Brilhante, única. Olhei a toda a volta. Nada, apenas a imensidão do azul e aqueles dois pontos, uma estrela e uma lua a caminho. Emocionei-me. Isto é o mundo na sua perfeição. Só a natureza, o canto dos pássaros, a beleza das nuvens recortadas na linha do horizonte, o mistério das árvores escuras, igrejas onde os pássaros cantam a capella. Nada mais. Eu a olhar para o céu e para tudo, comovida por estar aqui, por me ser dado o privilégio de estar viva a ver, a ouvir e a sentir tamanha tranquilidade e beleza.
Aqui só temos uma televisão, esta, nesta sala, onde agora vejo um bailado na 2. Não há na cozinha, onde almoçamos quando estamos só os dois. Antes de irmos almoçar, liguei-a para espreitar as notícias. Estava a acabar o noticiário mas ainda ouvi que às três se cantaria o Grândola à janela.
E assim fiz. Já aqui estava de volta à sala. Liguei a televisão e confirmei. Fui então lá para fora e cantei. O meu marido estava do outro lado a fazer não sei o quê mas diz que também cantou. Mas nem eu o ouvi a ele nem ele a mim. Ainda tive esperança de ouvir um repicar de sinos ao longe ou um qualquer outro som que me fizesse saber que alguém, para além de mim, comemorava o 25 de Abril. Mas não. Só eu e os pássaros.
Li algures que o Marcelo se tinha portado bem e, curiosa, pus-me alerta. Não o ouvi inteiro mas, pelo que ouvi, hoje dava-lhe um beijinho. Dava. Dava se isto fosse pré-merdinhas. Assim, não dou porque isto do distanciamento é para valer. Mas ofereço-lhe um cravo. Se foi todo na base do que ouvi, terá sido um grande discurso. Directo, sem meias palavras. O discurso de um democrata. Critico-o quando vai atrás do efeito fácil, quando cede à sua necessidade de sentir o afecto dos outros ou à sua atracção fatal pelo mediatismo. Mas, num dia como o de hoje, tenho que louvar a clareza das palavras, a frontalidade, o elogio e a defesa da liberdade e da democracia e a importância de respeitar a casa dos que foram eleitos pelo povo. Marcelo, Ferro e Costa, um trio de peso que sabe tomar conta da democracia em Portugal. Gosto.
Tenho ainda a dizer, em minha defesa, que, de tarde, mais para o fim da tarde, concretamente, quando fui dar o meu passeio, me apeteceu filmar. No primeiro, a dada altura, ouvi o meu marido, a quem eu tinha dito que ia sair para ir andar, a chamar por mim. Cortei mas penso que deve ouvir-se o meu nome. Se eu tivesse paciência para ir aprender a fazer edição, talvez tivesse paciência para ir ali buscar a máquina e pôr-me com coisas. Fiz um outro mas tenho ideia que não deve ter pitada de graça e ainda um terceiro, sobre um arbusto que dá uma flor miudinha, branca, que cheira como os anjos da minha imaginação. Mas já não me lembro como se faz para passar os filmes para aqui, estou com preguiça. Além do mais, aconteceu o de sempre, não me dá jeito andar a falar alto, sozinha, e portanto, a falar baixo e com o meu fio de voz, há-de ter ficado o sussurrar do costume. Depois ouço-me e fico arrependida.
[Agora tive que me levantar para perceber que animal é aquele que ali vai avançando devagar na parede. Se ainda aqui estivesse o meu marido (já dorme a sono solto), já estava a dizer que, com aquilo de eu insistir em estar de janela aberta, vai ser um ver se te avias de bicharada. Afinal é um inocente bicho de conta. Sempre achei graça. Se eu lhe tocasse, fechar-se-ia feito bolinha. Mas não toquei. Ali vai, devagarinho, seguindo o seu caminho. Hoje é dia da liberdade. Hoje e, aqui, sempre.]
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Entretanto, o corona também vai fazendo o seu caminho e, se me sinto descansada por os números revelarem um crescimento contido, por outro lado, sinto o contrário, sinto que o grau de imunidade da população é baixíssimo e, portanto, mal o confinamento se atenue, isto vai voltar a crescer. E a ver se o merdinhas-vírus não vem com mais força, que aquilo ali é pior que traveca normal, é bicheza dada a transformismos tinhosos. No início do mês, quando eu dizia que as projecções destrambelhadas do Buescu não me convenciam, dizia também que se os números oficiais chegassem a 30.000 no fim de Abril, os números totais, no máximo eram capazes de andar pelos 200.000. Estamos a cinco dias do fim do mês e vejo que as minhas previsões, pelo menos no que se referem ao número de infectados, não deverão falhar por muito e isso significa que, a nível do número global de infectados, também não deve andar muito longe. Ora, isso é nada face ao que garantiria uma imunidade razoável. Ou seja, até que a vacina ou o tratamento cheguem, a liberdade de movimentos vai ter que continuar a ser muito controlada sob pena de voltarmos ao empinamento da exponencial.
(Se calhar nada disto vem muito a propósito da primeira parte do post mas também não sei porque haveria de vir.)
Aqui abaixo, Harari, obviamente também em quarentena, diz de sua justiça. Fala da humanidade e do que o corona faz com ela. E é sempre uma voz inteligente que se ouve de gosto. O meu marido trouxe os livros dele mas acho que ainda não lhes pegou desde que cá chegou. Aliás, na cidade, eram livros de cabeceira dele. Volta e meia, via que estava a lê-los. Mas nem ele lhes pegou nem eu. Tinha pensado ler à vez, com ele, e, afinal, nem de tal me lembrei até agora. Não temos tempo. Ou é a trabalhar no duro durante a semana ou, ao fim de semana, eu atirada às limpezas de casa e ele do mato. Depois, chegamos ao fim do dia e já não atinamos com as letras. E os dois livros ainda ali estão, onde ele os depositou quando viemos deportados.
E, para acabar com um apontamento de tragicomédia, deixo-vos com o Randy Rainbow a propósito de mais uma anormalidade da besta quadrada do Trump. Só não sei é porque é que ninguém lhe dá uma injecção de lixívia naquele rabo gordo e esbardalhado para ele comprovar se, para além de ficar branquinho, fica também limpinho de vez. Bom. Mas também não tinha que ser lixívia pura que eu, nisso, não sou de tratamentos radicais.
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E agora vou ver como ficaram os vídeos que fiz a ver se consigo aproveitar algum
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Desejo-vos um bom dia de domingo
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Desejo-vos um bom dia de domingo
8 comentários:
O discurso do Presidente da República foi 20 valores!
Não há dúvida que temos ao leme verdadeiros democratas e isso é fundamental em tempos que belzebus de Rio de Mouro e quejandos vivem a parasitar da Democracia com o seu fel fascistóide.
25 de Abril sempre!
Um belo domingo.
Parece-me, pelo que leio, que já não há mau tempo no canal ou que, não havendo solução, solucionado está.
Quanto ao nosso triunvirato, o seu Ferro está muito ferrugento. Até deu ventura ao Desventura. A propósito, o que mais admirei num dos palradores do histórico «olhe que não» foi o facto de um deles ter sabido retirar-se, retirar-se de pantufas, ao contrário do outro que, insistindo, insistindo, desbaratou muito do seu capital.
Espanta-me o relacionamento da UJM com as melgas. Pensava eu que quem admira gaivotas já não tem espaço para melgas. Começo a temer pelo seu omnicitado cônjuge. E vem-me à memória um fado antigo que, se ele treinou bem com a Grândola, lhe poderá cantar um dia destes, lamentando que «Anda à mercê da tormenta/Desse mar dos [gostos] teus».
Este é mais uma linda voz e uma linda letra que a UJM não conhece, talvez, porque lhe foge sempre o teclado para o inglês. https://www.youtube.com/watch?v=-isDqJmKJYg
Obrigado pelo vídeo da saia preta, por sinal aqui cantado sem gana, em modo anorgásmico. Não sabia que existia. Tenho andado à procura de outro para lhe oferecer, para juntar à saia, e não encontro. Uma «Blusa negra cingida/E debruada com folhos/Dessa forma assim vestida/Eras luz para os meus olhos/Saia xadrez preta e branca/No teu corpo de Sereia/Se abanavas a anca/Eras mar batendo a areia/ … . Parece-me que lhe ficava bem esta blusinha.
O confinado amofinado
Não me lembro de alguma vez ter escutado um discurso de Marcelo na íntegra e de, no fim, ter batido palmas. O homem pareceu-me genuíno e colocou assertivamente todos os pategos, os energúnemos dos últimos dias, até os que lá foram dizendo que não deviam lá estar, na devida ordem. A continuar assim, Marcelo terá, na reeleição, o meu voto, pela primeira vez. Não tinha fé alguma nele na última eleição, mas tem vindo a revelar-se um PR como deve ser. Inteligente, subtil, consensual e ao contrário da múmia de péssima memória humano.
Olá Francisco,
Nestes dias fazia-me falta a box para poder pôr a andar para trás. Gostava de ouvir o discurso inteiro. Tenho que procurar. Se calhar está no Youtube.
Os tempos estão para gente de bem, para humanistas, para gente de cultura, para gente inteligente e generosa. Gentinha que vive da habilidade das palavras ficará pelo caminho. Não há espaço para parasitas e populistas. Pelo menos assim o espero.
Uma bela semana para si, Francisco. Saúde.
Olá Desconhecido,
Nesta vida temos que fazer escolhas: assistir ao cair do dia e aos pássaros a brincarem à beira da casa ou ter a certeza que não entram melgas? Opto pela primeira, convicta que saberei dar cabo das melgas. Agora se num prato da balança está a visão de uma gaivota a deslizar sobre o rio e no outro está estar assim, na sala, a ver o entardecer e os passarinhos a brincar e a cantarolar aqui quase dentro de casa, aí mon coeur balance.
Mas tem razão: geralmente foge-me a mão para a escolha de canções de outras paragens. Mas hoje corrigi a tendência. Espero que goste. Não fui buscar coisas do tempo dos meus avós porque as desconheço, nem sei como procurar. Mas gostei da que me ofereceu. E a blusinha negra cingida iria bem com a saia que me escolheu no outro dia. As coisas de que tem memória... Cançonetas da sua juventude?
Quanto ao que disse do Soares versus Cunhal não faço a mesma leitura. Soares transbordava de vida e não teve vontade de controlar a sua vontade de participar na vida política lá por ser mais velho. Compreendo-o. Não vejo que uma pessoa como ele precisasse de fazer a gestão da sua imagem ou, sequer, tivesse pachorra para pensar nisso. Já Cunhal, pessoa mais recatada, talvez com alguns problemas de saúde, menos amante da vida pública, fez outra opção ao chegar à madura idade. Cada um à sua maneira, fazem ambos parte da nossa História e são ambos admiráveis. Contudo, o meu coração pende mais para o Soares e, se me pusesse a pensar, acho que a cabeça o confirmaria.
E hoje vem daí um fadinho a descrever uns sapatos a preceito para fazerem toilette com a saia e com a blusinha com que me vestiu?
Olá Lúcio,
E não é...? O Marcelo a ganhar juízo...? A mudar-se das beijoquices e selfies para um registo mais sóbrio, mais afirmativo, mais respeitável? Dá ideia que, depois de andar a desrespeitar as recomendações da DGS, apanhou um susto e, ao ficar em casa numa inusitada quarentena levada mais a rigor do que seria necessário, reflectiu, parou para pensar e apareceu-nos mais crescido, mais estadista.
No entanto, nunca se sabe. Sabemos que é hiperactivo... Portanto, não estamos livres de que um dia volte a exagerar e a cair na tentação do mediatismo.
Mas, sim, para já parece que acertou no registo mais adequado, aquele em que a maioria das pessoas lhe tirará o chapéu.
Uma boa semana para si, LF. Saúde. E um abraço.
O discurso do Presidente da República, foi absolutamente fantástico!!! Mereceu as minhas palmas.
Olá Maria Santana
O que era mesmo bom é que ele soubesse que gostámos. Mas deve saber, não acha?
Será que com ele também há a solidão do poder? Não deve haver, é tão dado ao convívio com tanta gente.
Obriaga, Maria Santana.
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