Hoje vivi um dos dias mais difíceis da minha longa vida profissional. Dia de juízo. Aos magotes, gente ia sendo mandada pela casa. Gente que tinha convivido de perto com Covidis, gente que tinha convivido de perto com quem tinha convivido. Começámos o dia a equacionar identificar quem deveríamos mandar para casa ao fim do dia para, pouco depois, acabarmos a mandar toda a gente excepto os que, de todo, não pudessem ir. E, para esses, os que terão que ficar, a vermos como constituir equipas de reserva, mantendo-as em isolamento social.
Depois o medo: sabermos que alguém ao nosso lado está constipado e, pior, com febre, ou outro que chegou do estrangeiro e que, tendo-se sentido mal no dia em que chegou, no dia seguinte foi trabalhar. E a desconfiança de que aquele lá, com tosse e febre, também poderá estar. O medo. O medo por vezes silencioso e envergonhado, outras disfarçado de brincadeira.
E, medos à parte, todo o santo dia a reajustar planos de contingência, a tomar medidas, a arranjar recursos, a redefinir processos, a ultrapassar regras e políticas internas, a perceber como conseguir manter as empresas a funcionar num cenário que, de vez em quando, mais parecia de loucos. E houve que gerir gente enervada, gente impaciente, gente zangada, uns a acharem que os outros estavam a precipitar-se, outros furiosos porque achavam que tomaram a medida certa face ao que se sabia e que, se necessário, voltarão a repetir. Não é fácil. Várias vezes se ouviu: estamos em cenário de guerra. Temos que apoiar os que estão nas trincheiras, temos que dar suporte a quem tem que dar o peito às balas. Temos que ter calma. Temos que aprender a lidar com isto -- ia-se ouvindo. Lugares comuns, talvez. Mas, para quem está lá no meio, é o que se sente.
Mas quando digo que foi dos dias mais difíceis nem foi por isto. Em situações de stress costumo reagir com uma estranha presença de espírito, parece que o meu corpo e a minha mente se sentem positivamente estimulados. O pior foi outra coisa. O pior foi ver as pessoas a saírem com os computadores, em especial pessoal administrativo que habitualmente não leva computadores para casa, e a olharem uns para os outros sem saberem se se estavam a despedir por dias, por semanas ou por meses. O silêncio e a tristeza. E as pessoas que tiveram problemas oncológicos ou de coração ou diabéticos, algumas cujos problemas eu desconhecia, de computador às costas, com preocupação, sem saberem o que dizer, talvez com medo de não voltarem. As salas a ficarem vazias e eu sem saber se algum dia voltaremos a enchê-las. Um silêncio pesado que me entristeceu muito. Quando cheguei ao carro senti não apenas uma grande apreensão mas, também, uma grande tristeza.
Pelo caminho falei com a minha mãe, assustada, assustada, com o meu filho, preocupado com o facto da mãe e do pai ainda andarem em circulação, depois, já em casa, falei com a minha filha, muito preocupada com as notícias, com informações que vai recebendo e com o pai que não quer que lhe falemos no que ele acha que seria 'abandonar o barco'.
E há pouco li um comentário que me gelou. Fiquei quase sem reacção. Como é possível? Haverá necessidade que justifique que se propague um vírus tão contagioso e tão gravoso? Não sei. Não gosto de fazer juízos de valor mas confesso que gelei.
Entretanto. estive a ler e a ouvir mais algumas notícias. E, de repente, quando tudo aponta para que vem aí o pior -- a curva a acelerar, os casos a agravarem-se, os números a aterrorizarem, os equipamentos a escassearem e os técnicos de saúde a chegarem a ponto de exaustão --, por motivos que desconheço, senti como que razões para nos tranquilizarmos.
Pode ser daquelas bizarrias minhas que não tento nem explicar mas a verdade é que parece que pressinto que, contra todas as probabilidades, a coisa vai abrandar e controlar-se. Não sei se vamos ter antivirais eficazes a curto prazo, não sei se o isolamento social vai resultar, não sei se o calor, ao aproximar-se, vai refrear o bicho, não sei se vamos receber apoio externo. Não sei. Mas sinto que, se soubermos levar muito a sério as instruções de higiene, distanciamento social e protocolo respiratório e formos conseguindo aguentar o barco até que cheguem as boas notícias, talvez a coisa não seja muito grave. Talvez a gente consiga sair desta sem danos demasiado sérios.
Estava eu a fazer uma pós-graduação a seguir ao 11 de Setembro quando um dos professores disse: vai haver um antes e um depois 11 de Setembro. Na altura fiquei na dúvida. Pareceu-me que ele estava a querer protagonismo, enfatizando e dramatizando o momento histórico. Mais tarde acabei por pensar que talvez ele estivesse certo. Mas agora acho que o mundo verdadeiramente vai mudar é com o Covid. Vai mudar. Muitas coisas vão mudar. E talvez mudem para melhor.
Pelo caminho falei com a minha mãe, assustada, assustada, com o meu filho, preocupado com o facto da mãe e do pai ainda andarem em circulação, depois, já em casa, falei com a minha filha, muito preocupada com as notícias, com informações que vai recebendo e com o pai que não quer que lhe falemos no que ele acha que seria 'abandonar o barco'.
E há pouco li um comentário que me gelou. Fiquei quase sem reacção. Como é possível? Haverá necessidade que justifique que se propague um vírus tão contagioso e tão gravoso? Não sei. Não gosto de fazer juízos de valor mas confesso que gelei.
Entretanto. estive a ler e a ouvir mais algumas notícias. E, de repente, quando tudo aponta para que vem aí o pior -- a curva a acelerar, os casos a agravarem-se, os números a aterrorizarem, os equipamentos a escassearem e os técnicos de saúde a chegarem a ponto de exaustão --, por motivos que desconheço, senti como que razões para nos tranquilizarmos.
Pode ser daquelas bizarrias minhas que não tento nem explicar mas a verdade é que parece que pressinto que, contra todas as probabilidades, a coisa vai abrandar e controlar-se. Não sei se vamos ter antivirais eficazes a curto prazo, não sei se o isolamento social vai resultar, não sei se o calor, ao aproximar-se, vai refrear o bicho, não sei se vamos receber apoio externo. Não sei. Mas sinto que, se soubermos levar muito a sério as instruções de higiene, distanciamento social e protocolo respiratório e formos conseguindo aguentar o barco até que cheguem as boas notícias, talvez a coisa não seja muito grave. Talvez a gente consiga sair desta sem danos demasiado sérios.
Estava eu a fazer uma pós-graduação a seguir ao 11 de Setembro quando um dos professores disse: vai haver um antes e um depois 11 de Setembro. Na altura fiquei na dúvida. Pareceu-me que ele estava a querer protagonismo, enfatizando e dramatizando o momento histórico. Mais tarde acabei por pensar que talvez ele estivesse certo. Mas agora acho que o mundo verdadeiramente vai mudar é com o Covid. Vai mudar. Muitas coisas vão mudar. E talvez mudem para melhor.
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As flores foram fotografadas por Ashique Ridwan e aparecem aqui ao som de Then I Heard A Bachelor's Cry segundo Benjamin Clementine.
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Saúde. E sol (para nos aquecer a alma e para matar o bicho).
E vai daqui um abraço para quem não se importar de se sentir abraçado.
E vai daqui um abraço para quem não se importar de se sentir abraçado.
5 comentários:
Não duvido que o título do post se tornará realidade, até lá protejamos e confiemos.
Um abraço gigante.
Abraço retribuído, UJM.
:-)
o que dizem das flores: CRAVO VERMELHO - sinonimo de liberdade.GIRASSOL: FLOR ALEGRE QUE ACOMPANHA O sol. GLADÍOLO - a flor que deve o nome à palavra latina GLADIUS - ORQUIDEA - com o nome derivado da palavra grega orkis que significa testículos - ROSA VERMELHA - beleza, amor e romance simboliza a paixão - MARGARIDA - pureza inocência representam variedade. - LÍRIO FLOR MENSAGEIRA dos deuses. - TULIPA - a flor nacional da Holanda com origem na TURQUIA, BOA QUARENTENA. para a misteriosa UJM.
Às preocupações associadas à progressão geométrica do fenómeno (parece que não é selectivo), outras, embora marginais, por enquanto, me assaltam desde já: (1) O cinismo dos políticos. Por favor encerrem o parlamento e ponham-nos todos em quarentena; (2) O choradinho dos abutres do costume, os empresários de sucesso, as associações profissionais e patronais.
Quem vai pagar, serão sempre os mesmos, através das imparidades dos bancos, dos adicionais aos impostos, do desemprego, etc. Essa será a factura que nos vão apresentar no dia em que acordarmos a tentarem vender-nos a "boa notícia", quem sabe através de decreto-lei à semelhança de um ditador africano que há uns anos erradicou a cólera no seu país através de DL.
Já se nota um recolhimento das famílias. Esplanadas vazias, restaurantes, cumprimento de regras estabelecidas para farmácias, centros saúde, etc etc etc. Acho que o civismo está a vir ao de cima. Ainda bem. Está a ser o comportamento no Alentejo, onde me encontro.
Um abraço UJM
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