sexta-feira, março 20, 2020

Com vossa licença, agora o tom é outro.
E contém um CovidSutra, um CoronaSutra, umas mangas de alpaca de balão, um potente anti-vírus e outras cenas


Ao fim do quarto dia de teletrabalho, fartinha de trabalhar em contínuo, de sol a sol -- sem ter tempo para pegar no balde e lavar nem que fosse mais um palmo de chão, sem ter tempo para sacudir um tapete que fosse ou para arrumar nem uma gaveta chinfrim -- fartei-me de carpir. Não dá. Bolas para isto. Não há saco. Não quero estar para aqui a queixar-me desta insana estafadeira. Não basta ela, ainda mais estar para aqui a falar dela. Ná, ni penser. 

Hoje, num intervalo, fartésima de mails e telefonemas e com os problemas a choverem-me em cima, peguei em mim e fui andar para o meio das árvores. Espreitei o DN e, pelo segundo dia consecutivo, vi a flecha a amolecer. Pensei: não há tusa que sempre dure nem exponencial que sempre se empine. Depois ocorreu-me que o pensamento era capaz de dar aforismo bom para emoldurar. E comecei a rir e a lembrar-me dos meus ídolos, os meus gurus, naquela vez em que estavam na cruz a cantar que há sempre um bright side of life. E resolvi: se a gente se rir na cara do pompom dos totós cor-de-rosa, a flausina capaz de recolher o desaforo. A gente não pode mostrar medo. A bicha é que nem caniche, se sente o medo nos outros, arreganha o dente e avança para cima.

Com esta disposição, fui para casa, pus o franguinho ao lume para fazer um cheiroso arrozinho dele com tomatinho, feijaozinho verde, cebolinha e etc. E, enquanto ganhava cheirinho de comidinha caseirinha feita com alegria e alecrim, voltei para os problemas. Mas, naquela disposição de afastar de mim as maçadas, despachei tareia em dois, sorrisos para outros, atendi chamadas e, antes de ir à bucha, voltei para uma volta rápida para snifar o cheirinho a eucalipto, a pinheiro e a cedro. Quando regressei, estava com uma fomeca de dar gosto.

A tarde correu de feição. 

Disse à minha mãe: arranje um lençol velho e faça uma bata como aquelas descartáveis que usamos quando vamos fazer ecografias. A minha mãe tentou desviar a conversa. Até treme quando venho com ideias. Disse ainda: arranje também uns chinelos. E expliquei que a senhora que lá vai ajudar a tratar do meu pai, não deve estar em casa com os sapatos e com a roupa da rua. A minha mãe suspirou. Tem medo de ofender, não quer melindrar. Insisti: mãe, é para levar a  sério. Vocês são grupo super de risco, ninguém devia entrar aí. Mas como tem que ser, que vá blindada, não pode roçar em nada com os braços vindos da rua. Não tem equipamento adequado, faz-se. A minha mãe suspirou. 

À hora de jantar, liguei-lhe, uma video chamada. Ficou logo toda: ai, que nem o cabelo arranjado tenho. Mas eu também não. Tomei banho e deixei o cabelo secar de qualquer maneira, estou uma leoa com juba. Fomos falando até que chegou a senhora. Passado um bocado, a minha mãe mostrou-me a ela e ela a mim. Desatei a rir à gargalhada e elas as duas também. Estava de máscara e com umas mangas azuis claras de balão. A rir à gargalhada, mostrou-me as mangas: olha, as mangas de alpaca que a tua mãe me fez. A minha mãe disse: saíram mangas de balão. E escangalhavam-se as duas a rir e eu com elas. Ela saíu da cozinha para ir para o quarto do meu pai: 'olha, adeus, agora vou ali fazer uma operação'. E saíu a rir, a minha mãe perdida de riso. Uma cirurgiã de mangas de balão e, disse-me ainda a minha mãe, com uns chinelos que eram do meu pai. Perfeito.

E, se bem que o dia tenha sido longo, hoje estou assim. O meu marido com uma baita neura e eu toda cheia de animação. Tenho a certeza, e chamem-me maluca: as boas notícias vão começar a chegar. É só a gente deixar-se ficar na toca, em isolation, a curtir a situation, a esperar que a má onda passe e que a maluca e reboluda gaiteira dos pink totós não nos bata à porta, nem à nossa nem à de quem amamos e, claro, à porta de cada vez menos pessoas. 

Tirando isso, dizer mais o quê?

Niente. Só se for para desejar que a nuvem negra que baixou sobre Itália se dissipe rapidamente, que os raios e coriscos que invadiram Espanha também, que, por todo o lado, a malapata se vá e que, não tarda, a gente ande a jogar ao berlinde com o pink-covid. 


E c'est ça. E agora, com vossa licença, vou ver coisas fantásticas. Podia ir ler ou dedicar-me a coisas mais eruditas. Mas não estou para isso, hoje estou toda para esvaziar la tête e deixar que a música, a surpresa, a graça e o good mood me banhe.


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E queiram fazer o favor de descer para a lição de máscara do Peçanha.

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3 comentários:

Gina disse...

Eu cá, adorei o aforismo. Mas eu já se sabe que sou uma desavergonhada. E vai despedida à moda emoji e tudo, ó:
😁😘

Pôr do Sol disse...

Ola UJM,

Por aqui é assim:
Lisboa não tem beijos nem abraços
não tem risos nem esplanadas
não tem passos
nem raparigas e rapazes de maos dadas
tem praças cheias de ninguem
ainda tem sol mas não tem gaivota de Amália nem canoa
sem restaurantes sem bares nem cinemas
ainda é fado ainda é poemas
fechada dentro de si mesma é Lisboa
cidade aberta
ainda é Lisboa de Pessoa alegre e triste
e em cada rua deserta
ainda resiste.

Manuel Alegre
20/3/20
Um dia de cada vez

Um Beijinho e pouco trabalho

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Ahahahahah!
É bom rir!

Viva a criatividade anti-vírus!

Um bom fds.