terça-feira, janeiro 28, 2020

Um sonho que me fez acordar a rir





A minha profissional é tão longa que daria para dividi-la por disnastias. Um dia que escreva as minhas memórias falarei de muita gente conhecida e direi de minha justiça: qual a dinastia mais simpática, qual a mais competente, e qual o maior escroque ever and ever, quais os mais inteligentes, quais os mais burros, quais os provavelmente mais permeáveis, etc. Mas estabelecerei também uma divisão em períodos divertidos, épicos, gloriosos, decadentes, sem graça.

Mas isso é coisa para depois, para quando for livre. Agora tenho que estar caladinha como um rato. E só espero que, no au revoir, não me façam assinar nenhum NDA -- senão bye bye mémoires

Mas, enquanto tenho que estar caladinha, posso relembrar outra vez o período épico, o meu preferido, em que tudo parecia possível. Os directores eram quase todos da mesma idade, todos homens, excepto eu que não apenas era a única mulher como era um bom par de anos mais nova. Sem problema. Éramos todos amigos e divertíamo-nos como se não houvesse amanhã. Não me lembro de outro período em que a qualidade da gestão fosse superior. Mas isto para dizer que todos gozavam uns com os outros, a ironia era praticada em larga escala, a paródia era permanente, e não havia nada que se dissesse que não fosse virada do avesso e transformada numa anedota. E as decisões de gestão eram tomadas de forma desdramatizada, sem peso, sem conversa fiada à mistura. Ninguém queria parecer um executivo. Queríamos, simplesmente, estar na boa e fazer o melhor que soubéssemos. Andávamos motivados e todas as nossas equipas também.

Os tempos mudaram, o ambiente também. 

Agora os tempos estão para gente muito focada, muito politicamente correcta. Ninguém parte um prato. Civilizados desde o berço, todos foram amamentados a chá. Pode mudar-se completamente de look que toda a gente faz que não repara. Ou não repara mesmo. Pode alguém ter comportamentos estranhos que ninguém está nem aí. Eu também já estou assim. Por fora deixei-me contagiar mas por uma simples razão: não tenho parceiros para a maluquice. Por vezes tenho vontade de fazer ou dizer uma coisa completamente disparatada a ver se alguém reage. Volta e meia já praticamente o faço mas parece-me ver algum susto no semblante dos outros; então, apiedo-me e resolvo poupá-los. Provavelmente pensam que me passei e querem disfarçar para eu não reparar que o pensam. Somos assim, gente que sabe controlar as suas emoções e refrear os pensamentos -- comme il fault.



E este é um dos substractos para o que vou contar a seguir.

O outro substracto é aquela que já aqui contei, de um ex-colega se ter reformado antecipadamente, levando uma talhada das valentes na pensão de reforma mas isto porque a seguir foi trabalhar para outro lado.

Tudo isto fermentou na minha cabeça e a noite passada, pela madrugada avançada, a coisa aconteceu.

Mas tenho ainda que contar que, no domingo, tendo dormido uma sesta durante a tarde, ao ir para a cama à noite fui sem sono. Ora isso, para mim, é o fim da picada. Espertina. Mas das feias. Pus-me de lado, fiz a conchinha em convexo, depois em côncavo, deitei-me de costas, de bruços -- nada. Pensei nisto, naquilo e no outro. Até que, no meio desta insónia, me deu para contar o tempo que falta para poder reformar-me ainda que com penalização. Tipo contar carneirinhos. Depois multiplicava por uma percentagem mas, como não sabia qual era, fazia vários cenários. Perto das cinco, furiosa com a porcaria da espertina, levantei-me e vim para a sala. O meu marido espantado. Mas vim. Pus-me a ler. Nada de sono. Até que finalmente bocejei. Achei que era um sinal e desliguei a luz. Entretanto, ouvi o despertador do meu marido. E penso que aí, finalmente, adormeci. Quando o meu despertador tocou, estava ferrada no sono e a sonhar. Raramente me lembro dos sonhos mas este ainda estava quentinho e eu no primeiro sono; por isso, lembrei-me de tudo. E estava a rir. 

Conto o sonho.

Tinha chegado junto do meu chefe e tinha-lhe dito: 'Estou grávida'. 

     Ele a olhar para mim, ar estupefacto. 

E eu: 'Como sabe, acima dos 35 é gravidez de risco'. 

     Ele sem reacção, calado a olhar para mim. 

E eu: 'Agora imagine o risco acima dos 40'. 

      Ele quase a levantar as sobrancelhas, de espanto, mas a controlar-se. 

E eu: 'Portanto, o médico quer que eu fique em casa. Para a gravidez vingar, está a ver...? Acresce que a baixa de parto agora é de 1 ano'. 

      Ele a dar mostras de preocupação. 

E eu: 'Medidas para estimular a natalidade. Acho bem.'. 
    
       Ele parvo com a conversa. 

E eu: 'Com os meus mais velhos, a baixa era de 3 meses mais 1 de férias, só estive 4 meses em casa. Agora vai ser diferente. A seguir ao 1 ano, tenciono ficar mais 1 com redução de ordenado. Quero ser uma mãe mais presente'.  

     Ele visivelmente estarrecido mas, como sempre, controlado. 

E eu, morta de riso por dentro mas poker face por fora: 'Portanto, acho que tem que se arranjar alguém para me substituir porque até pode acontecer que possa ficar ainda mais um ano'. 
Ou seja, a arranjar pretextos para parar de trabalhar mas sem me tramar com um corte dos valentes na pensão. E cheia de vontade de rir com aquela minha conversa e com a reacção dele.
Quando o meu marido chegou da sua caminhada matinal contei-lhe. Disse-me: 'Estás maluca'. Respondi-lhe: 'Ai é? Estou maluca? Queres ver que fiz a criança sozinha..?.'. Foi a vez dele fazer uma cara preocupada: 'Eh pá, não durmas não...'

E foi isto. Talvez por ter sido um sonho que me deu vontade de rir, a verdade é que não tive sono nenhum durante o dia. Só quando há bocado me reclinei no sofá é que dei por mim a querer pegar no sono. Mas, sobre isso, a ver se conto a seguir.

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Samantha Kaplan é a autora das duas primeiras pinturas que retratam sonhos e Gagik Parvanyan e Noelle Rollins os autores das duas últimas sobre a gravidez. Rodrigo faz La Fête.


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Volto aqui apenas para dizer que não tenho feito outra coisa senão adormecer. Tinha dois posts para fazer, um sobre o Chicão a ser entrevistado pelo Miguel Sousa Tavares, outro sobre o Rui Pinto o todo-poderoso hacker. Mas não consigo mesmo.

Beijinhos, abraços e carapaus para o gato.

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