Há coisas que não percebo, que penso que fui eu que me confundi, que há-de ter uma explicação lógica, eu é que não estou a ver. Por isso, não fico a pensar nelas.
E sei que nem devia aqui falar delas. Mas, se ninguém me conhece, que importância tem se acharem que sou maluca ou com imaginação a mais?
Podia eu ser um mero avatar, alguém-ninguém, uma Lili Marleen, um ser sem materialidade. Podia eu ser um simples aplicativo, um teste de inteligência artificial deixado em roda livre pela blogosfera, um vulto intangível que para aqui se põe a escrever coisas.
Por isso, para quê inibir-me ou preocupar-me com o que pensam do que escrevo, se posso nem ser real?
De manhã, antes de ir trabalhar, ao reentrar no meu quarto para ir à casa de banho dar um jeito no cabelo, estranhei ter a luz da minha mesa de cabeceira acesa. Não tinha qualquer ideia de a ter acendido. Fiquei um pouco intrigada. Mas admiti que, por algum motivo, o tivesse feito. Ia apagá-la mas pensei que, já agora, ainda não o faria pois ainda voltaria à casa de banho para pôr creme nas mãos antes de sair.
Fui escolher o casaco, vesti-o e, quando voltei a entrar no quarto, para meu grande espanto, a luz já estava apagada. Fiquei pregada ao chão. Ainda pensei que, ao contrário do que pensava, se calhar o meu marido ainda estava em casa. Chamei por ele. Nada. Pensei: será possível que esteja alguém em casa? Assustada, fui dar uma volta por todas as divisões. Conferi que as janelas estavam fechadas, que a porta da rua estava fechada. Apreensiva, tentei tranquilizar-me: mais do que certo, eu é que não estava a ver a explicação. Depois pensei que, na volta, era a lâmpada que estava a fazer mau contacto. Voltei lá para verificar. Não, estava tudo bem e o interruptor até é dos decididamente on/off, nada de contacto ao de levezinho que uma insuspeita aragem tivesse accionado.
Fui escolher o casaco, vesti-o e, quando voltei a entrar no quarto, para meu grande espanto, a luz já estava apagada. Fiquei pregada ao chão. Ainda pensei que, ao contrário do que pensava, se calhar o meu marido ainda estava em casa. Chamei por ele. Nada. Pensei: será possível que esteja alguém em casa? Assustada, fui dar uma volta por todas as divisões. Conferi que as janelas estavam fechadas, que a porta da rua estava fechada. Apreensiva, tentei tranquilizar-me: mais do que certo, eu é que não estava a ver a explicação. Depois pensei que, na volta, era a lâmpada que estava a fazer mau contacto. Voltei lá para verificar. Não, estava tudo bem e o interruptor até é dos decididamente on/off, nada de contacto ao de levezinho que uma insuspeita aragem tivesse accionado.
Voltei a dar mais uma volta para dar oportunidade a que, de novo, a luz se acendesse. Mas não. O candeeiro mantinha-se desligado. Saí para trabalhar mas com uma certa ansiedade, uma espécie de mau pressentimento, uma inexplicável inquietação. Não é a primeira vez que acontecem coisas assim.
Mas, como tantas vezes refiro, tenho a meu favor o ser irmã de ramo de árvore, filha da terra, bicho: primária, despreocupada. No carro, a ouvir a música, já fui voltando ao meu normal. Fui trabalhar e nem mais de tal me lembrei.
Saí cedo pois tive mais um almoço longe, por sinal, mesmo muito bom -- boa comida, boa companhia, boa conversa. Mas, então, ia no carro. Estava no noticiário do meio-dia. Então ouvi uma voz. Reconheci. O jornalista disse: La hora lobicán. A inquietação voltou. Desassossego fundo. Aquele buraco que se abre no peito. Logo a seguir a notícia. Patxi Andion tinha morrido. Um acidente de carro. Um arrepio percorreu-me o corpo. Percorreu e eu senti-o a percorrer-me: os braços, o peito, o torso, as pernas. Depois as lágrimas. Os olhos molhados, as lágrimas a descerem. Inquietação. Prestei atenção à notícia. Acidente. Depois, a seguir à hora do lobicão, as palavras. Veinte años de estar juntos esta tarde se han cumplido. Tantas vezes as ouvimos. Tantas vezes o meu marido as cantou para mim.
Tristeza. Inquietação.
Depois o pressentimento. E logo a certeza.
Quando agora à noite cheguei a casa, fui logo pesquisar: a que horas morreu. Sem surpresa confirmei: foi de manhã, exactamente quando o candeeiro se acendeu sozinho para, a seguir, se apagar.
Com tristeza mas sem me despedir: Palabras.
Patxi Andión.
Saí cedo pois tive mais um almoço longe, por sinal, mesmo muito bom -- boa comida, boa companhia, boa conversa. Mas, então, ia no carro. Estava no noticiário do meio-dia. Então ouvi uma voz. Reconheci. O jornalista disse: La hora lobicán. A inquietação voltou. Desassossego fundo. Aquele buraco que se abre no peito. Logo a seguir a notícia. Patxi Andion tinha morrido. Um acidente de carro. Um arrepio percorreu-me o corpo. Percorreu e eu senti-o a percorrer-me: os braços, o peito, o torso, as pernas. Depois as lágrimas. Os olhos molhados, as lágrimas a descerem. Inquietação. Prestei atenção à notícia. Acidente. Depois, a seguir à hora do lobicão, as palavras. Veinte años de estar juntos esta tarde se han cumplido. Tantas vezes as ouvimos. Tantas vezes o meu marido as cantou para mim.
Tristeza. Inquietação.
Depois o pressentimento. E logo a certeza.
Quando agora à noite cheguei a casa, fui logo pesquisar: a que horas morreu. Sem surpresa confirmei: foi de manhã, exactamente quando o candeeiro se acendeu sozinho para, a seguir, se apagar.
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Veinte años de estar juntos
esta tarde se han cumplido.
Para ti... flores... perfumes,
para mi... algunos libros.
No te he dicho grandes cosas
porque... porque no me habrian salido,
ya sabes... cosas de viejos...
requemor de no haber sido.
(...)
Que helada que está esta casa...
Sera... sera que esta cerca el rio...
o... o es que estamos en invierno
y estan llegando... estan llegando
los frios.
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Com tristeza mas sem me despedir: Palabras.
Patxi Andión.
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Pinturas de Anders Tomlinson: Once these words
5 comentários:
Parece que este post estava, de facto, mais a pressagiar que outra coisa. Mas para mim foi um choque o que aconteceu. Não falo de Patxi Andión, que não conhecia, na minha juventude ignorante. Soube hoje que faleceu o companheiro da dona do sítio ondo costumo almoçar. Um dos senhores mais amorosos que já conheci. Um antigo mineiro alentejano. Depois de se reformar, reencontrou a namorada dos tempos de adolescência, que tinha vindo para Lisboa trabalhar antes dos 20 anos e que é hoje dona do tal sítio. Findos os casamentos anteriores de ambos, reencontraram-se nesta fase das suas vidas. Ele mudou-se para Lisboa. Há não mais de uns dois anos. E agora isto... Um homem pacato, à primeira vista de poucas palavras. Tinha começado a ajudar a companheira nos almoços. Nunca o vi meter conversa com as pessoas. Ora,
eu dou-me muito bem com um dos empregados, que é ferrenho benfiquista como eu. Para surpresa minha, o nosso entusiasmo contagiou-o certa vez: afinal, também era do Benfica (ao contrário da dona, que às vezes desaprova quando nos pomos a falar do Glorioso). Depois disso, foi ele que me contou a sua história com a recém/antiga namorada. Falou-me também das minas e de como as coisas foram mudando com os tempos. Falou-me com orgulho das mulheres mineiras que há cada vez mais, algumas já em posição de chefia, e que são tão rijas como qualquer homem. E comentávamos o Benfica, claro. Contou-me que toda a gente da terra dele era do Benfica (com a exceção da desviante da namorada), contou-me a festa que tinha sido ganhar o campeonato. Mas que grande tristeza. Que pena tão grande.
Um abraço,
JV
Olá JV,
Que triste. Há partidas que custam. Ainda ontem, conversando com um colega que perdeu recentemente a mãe, dizíamos que a morte é sempre uma despedida, um momento triste. Mas há partidas mais tristes, mais injustas. Essa de que fala é mesmo injusta. Percebo muito bem a sua pena.
Abraço, JV. E um beijinho também.
Boa tarde UJM.
Confesso que não conheço muito do reportório de Patxi Andion. Sei que pertence aquele grupo dos cantores de intervenção, como também o recem desaparecido José Mário Branco. Todavia essa canção / récita, 20 aniversário, tem algo que mexe cá dentro na alma e faz pensar, emocionar, refletir... Pelo menos comigo assim foi desde a primeira vez que a ouvi...
(Mas pronto eu também, musicalmente falando, sou saudoso de um tempo que não vivi).
Um abraço e votos de um Natal fraterno :)
Tiago
Olá Tiago,
Já não era um rapaz novo o Patxi mas era um amigo de Portugal, um cantor com graça e humor. E aquela canção, as 'palabras', a dos 20 años, é muito bonita, muito intemporal, muito especial. Tive muita pena.
Achei graça a isso de ser saudoso de um tempo que não viveu. Eu acho que eu também: saudades das tertúlias do grupo da Virginia Woolf. Imagine.
Agradeço muito os seus votos de um Natal fraterno. E retribuo. Vai daqui um abraço. E obrigada pela companhia aí desse lado, Tiago.
Olá UJM.
Tinha 70 e poucos, não era rapaz novo, mas não deixa de ser uma morte "súbita" e inesperada.. Lançou o ultimo album o mês passado, esteve cá em Setembro.. Parecia destino!
As tertúlias do grupo da Virgina Wolf... Porquê?
Não sei muito dessa escritora, (nada li dela, confesso!) apenas que era um ser atormentado, cheio de paixões (masculinas ou femininas) e se suicidou nas águas de um rio (morte dolorosa como a sua vida?). Nesse ponto faz lembrar um pouco a nossa Florbela Espanca..
Agradeço tb os votos que retribui e o abraço. Quanto à companhia cá vou estando, ora mais, ora menos, mas não perdendo de vista...
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