segunda-feira, setembro 16, 2019

Um grilo cantante, uma Nossa Senhora, dois Sto Antónios e um passaroco espanta-espíritos


Grilo de madeira pintada
Na fotografia dá ideia que é grande mas não, não deve medir mais que uns 10cm
O pauzinho que tem nas costas serve para passar pelo rendilhado dos lados, reproduzindo o cri-cri dos grilos de verdade


E é assim que estou de volta à cidade, preparada para, dentro de poucas horas, retomar a vida normal, longe de paisagens de cortar a respiração, longe de rios e mares, longe dos extensos areais por onde fiz tantas caminhadas, longe do dolce far niente com que tão afanosamente me tenho ocupado.

Apenas trago a pena de não ter conseguido ler tanto quanto desejaria mas a verdade é que, entre o que pouco que fiz e o muito que descansei, pouco tempo me sobrou. Mas, ainda assim, alguma coisa li e a melhor foi a última que comecei e de que ainda vou no princípio: Tudo o que tenho trago comigo de Herta Müller.

Entretanto, de regresso, já visitei os meus pai e, embora de raspão, já revi parte da descendência.

E, aqui chegada, já estive a fazer as minhas arrumações e preparativos, já voltei ao roupeiro para avaliar o que devo vestir, já fui ver se tinha dinheiro na carteira, já reencontrei gestos que estavam em stand by. Até o estar aqui sabendo que daqui a nada vou acordar com o despertador é um déjà-vu e, por acaso, até não é dos melhores.

Espanta-espíritos com pássaro articulado.
Ainda tem uma pecinha pendurada no fio que se vê
Está pendurado no telheiro onde está a mesa de madeira e respectivos bancos, o grelhador, etc

E, assim, a minha mente começa a adaptar-se à perspectiva de voltar a ver-me no meio do pára-arranque do trânsito, de ter reuniões umas a seguir a outras e decisões para tomar e prazos para cumprir. Não é das melhores perspectivas.
Nossa Senhora com o menino ao colo
Feita em crochet. Ofereci à minha mãe.
Em casa da minha mãe, quando ela me dizia que as minhas férias tinham sido tão curtas, eu disse que sim e que me sabe tão bem ser dona do meu tempo. Ela recordou que, quando deixou de dar aulas e o meu pai ainda trabalhava, deixou de usar relógio e ia sair, passear, ver montras, observar com pormenor as coisas do supermercado, sem pressa, sem ter que se despachar pois sabia que não corria o risco de chegar atrasada a algum lugar. Mas que, ao fim de algum tempo, já não sabia o que fazer com o tempo e pensava que estava melhor quando estava a trabalhar. Percebo-a. Disse-lhe que eu, quando chegar a altura de deixar de trabalhar (e ainda falta tanto tempo), terei que arranjar ocupação, rotinas, e que acho que não me vão faltar. Mas sei lá. Sabe-se lá alguma coisa do que vai acontecer seja no futuro mais longínquo seja, até, no mais próximo. O que for soará e pronto. Não quero fazer planos. Só tenho uma vaga ideia, um desejo, mas, ainda assim, se verá.
Mas, enfim, não é o tema.

O tema é que já estive também a arrumar as coisinhas que trouxe de Caminha. As bugigangas, diz o meu marido com aquele seu ar depreciativo. Diz que basta eu ver uma coisa que não serve para nada para ficar logo toda interessada -- e a verdade é que não tenho grandes argumentos para o contradizer.

Sto António com o menino ao colo
Igualmente feito em crochet
Não é que faça questão de andar à pesca do que trazer. Não, não mesmo. Mas gosto de ver artesanato. Gosto porque me enternece o trabalho manual e criativo das pessoas. Acho que é um tributo que presto às pessoas que, ou por amor ou por necessidade, fazem, com as suas mãos peças de que gosto e que gosto de enaltecer.

Duas ficaram na casa in heaven, outra foi presente para a minha mãe e apenas duas vieram para cá.

Mas claro que concordo com o meu marido: são inutilidades e, um dia, podem tornar-se numa dor de cabeça para quem tiver o pincel de dar destino a tanta tralha. Isso custa-me e penso que não posso deixar tal carga de trabalhos para ninguém.

Já pensei: in heaven, onde há espaço -- e que espero que fique na família por muitos e bons anos -- se calhar um dia arranjo uma sala com várias vitrines (para não lhe entrar o pó e a sua limpeza não ser outra dor de cabeça) e levo para lá toda a bonecada, santos e anjinhos, caixinhas, ampulhetas e tralha miúda de toda a espécie. No fundo aquilo a que o meu querido pimentinha mais crescido uma vez se referiu como 'o museu da Tá'. Tenho que pensar nisso. Mas, na volta, quando falar nisto ao meu marido, é bem capaz de achar que é mais uma maluqueira sem pés nem cabeça. Mas a mim parece-me uma boa solução. Logo se vê.

Sto António com menino e peixinho ao colo
[O que trouxe de Caminha é o pequenino -- e, na volta, está tão espantado por ver que há outro e bem mais flausino que ele]
A fotografia foi feita in heaven mas ele veio para cá, está ali ao pé de outros Stos Antónios


E não me perguntem se sou devota de Sto António pois estaria a fazer género se dissesse que sim. Simplesmente acho graça à figura. Acho graça e sinto uma certa (e inexplicável) ternura. É como com a Nossa Senhora. Gosto da figura talvez por ser maternal, talvez por pensar que, como em todas as mães, tem em si a capacidade de abençoar e amar. Como sei que a minha mãe reza e pede pelos seus, pensei levar-lhe aquela ali em cima. E não sei se uma simples figurinha feita em crochet pode ser intermediária das preces de quem acredita no poder de uma qualquer força superior mas se calhar sim. Há coisas que não se explicam, não é?

E, para terminar, não resisto a partilhar mais quatro fotografias de Caminha, aquela terra tão linda.







Caminha

E até já.

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá UJM,
Herta Muller é especial. Acho que já aqui tinha falado nela. Boas leituras neste regresso à selva urbana!
Abraço,
JV

Um Jeito Manso disse...

Olá JV,

Tem razão. Outro campeonato. Uma escrita que nos prende pela forma e pelo conteúdo. E este livro...

E a selva, bolas... até trovejou para dar algum drama ao regresso. Não é fácil.

Abraço, JV