Passou por aqui, devorou o leite das minhas terras e deixou-me a celebrar as nuvens que passam. E deixou recados, 'sou um bocadinho do vento que te amacia', e de facto bebeu-me as arestas, 'as tuas mãos sobrevoam o meu corpo como plumas', e de facto senti-me pássaro mais de gruta íntima que de céus altos, 'noites de eterno luxo', e cada instante foi de facto uma imersão na abundância que deve ser o eterno, 'mais leve do que uma pena apesar do peso', que não senti, o amor bem temperado é assim, um animal imenso que se pode transformar numa flor carnívora, e tu és uma fera, uma boca terrível que não perde nada e se encontrou no outro, que felizmente fui eu, 'uma das que sou', bruxa, luxuosa e mais ainda porque bebeste no meu luxo mas depois disse-te que não, que não nos amaremos outra vez porque me estou a deixar prender nas tuas mãos, que são asas e nuvens e garras, e eu não quero, quero ficar livre e pairar e sofrer outros pesos, se os houver, e 'ó meu amor que pena não te deixares prender'. Amar é também renunciar. Mas essa já é outra história, que depois viverei, e direi.
Palavras de Casimiro de Brito in 'Uma lágrima que cega' ao som de I want you na voz de Tom Waits com fotografias de Clara Melchiorre
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