Eu era uma flor, uma violeta. A saia era de veludo verde e tinha umas folhas em forma de pétala. O corpo era de veludo lilás e tinha umas manguinhas. Tinha uma fita no cabelo. Nos pés, sapatinhos de ballet.
Eu era a rainha das abelhas e tinha um vestido com saias e sobressaias em diferentes tons de amarelo e o corpete tinha umas fitinhas em cor de mel escuro.
Foi a primeira vez, com quatro anos, e foi a última, tinha dez.
Pelo meio, todos os anos havia a festa e, ao longo do ano, as aulas. Gostava muito. Gostava sobretudo da forma como conseguia elevar as pernas ou de como me equilibrava num pé com o corpo curvado ou também elevado, os braços a esboçarem movimentos que se esbatiam na ponta dos dedos. Gostava muito. Tanto. Andava pela casa dançando, elevando as pernas, sentindo-me graciosa, elegante e muito leve.


Não sei porque é que, quando aquilo acabou, porque mudei de escola, nunca me ocorreu continuar no ballet. A verdade é que nunca. Há coisas estranhas na minha vida. A forma como me desligo de algumas coisas, esquecendo-as em absoluto, como se deixassem de estar no meu radar, até a mim, a posteriori, me surpreende. Penso que será por estar sempre tão disponível para conhecer coisas novas que, involuntariamente, a disponibilidade para as coisas do passado se encurta. Mas, se me esqueci de fazer ballet, a verdade é que continuei, ao longo de toda a minha vida, a adorar ver dançar. Tal como aconteceu em relação à pintura, com o tempo fui-me desinteressando dos bailados ditos clássicos, dos fatos muito convencionais, das coreografias muito déjà-vu. Não sendo apreciadora do experimentalismo absoluto, gente rebolando-se pelo chão, sem história nem propósito, gosto de ver o movimento grácil dos corpos, gosto de ver a harmonia de corpos em plena convergência.
E tudo isto hoje porque gosto de ver os talentos que despontam. Gabriel Figueiredo é um adolescente que parece ter nascido com asas. O que ele faz com as pernas é impressionante. Uma plasticidade que nos deixa perceber que os seres humanos são todos iguais mas que alguns são mais iguais que outros, e abençoados os que são diferentes. Ganhou o Prix de Lausanne 2019 em dança contemporânea e vê-lo dançar é um prazer.
E um belo sábado para todos!
2 comentários:
Uma maravilha! Tem uma agilidade extraordinária e um equilíbrio...
Sempre gostei de ballet, mas aqui não havia como ter aulas. Quando ficava horas a ver bailados no 2º canal, ninguém entendia este meu gosto, mas eu gostava de ver. Só há cerca de 15 anos vi o primeiro bailado ao vivo, no Coliseu dos Recreios. Depois disso, já vi vários aqui em Castelo Branco.
Beijinhos e um bom fim-de-semana:))
Olá Isabel,
Também eu sempre gostei imenso de ver ballet. E aqueles bailados no gelo também. Alguns bailados na patinagem artística prendiam-me à televisão.
Aquele miúdo (18 anos) tem uma amplitude de movimento de pernas que é espantosa. Os bailarinos sofrem, têm terríveis dores nos pés, mas, quando estão no palco, parece que voam, que flutuam, que o corpo não lhes pesa, não é?
Um bom domingo, Isabel. Beijinhos.
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