segunda-feira, março 18, 2019

Mãos doridas -- e a primavera já instalada in heaven





Hoje vou vencer a preguiça e vou buscar umas fotografias que fiz. Ainda não as vi mas acredito que algumas se haverão de aproveitar.

[Pronto. Já fui. E, como podem ver, já para aqui começaram primaverilmente a saltar].


Até me custa a abrir as mãos, doridas que estão tanto o trabalho de desbastar árvores. O meu marido diz que com a mesma convicção com que antes queria poupá-las, agora convictamente quero vê-las levantadas até onde faça sentido fazê-lo. Diz que já chega e eu descubro sempre alguma que precisa de intervenção. Explico que é o efeito da consciencialização. Ter árvores frondosas e respeitar a natureza era um paradigma que me parecia sagrado. Agora a minha cabeça mudou. E o facto é que se a paisagem mudou, eu acho que mudou para melhor. Há alguns pinheiros mansos, inocentes, que ainda me custa ver, habituada que estava a copas fartas, rodadas, alegremente pegadas umas às outras. Agora, para as afastar, as copas foram escadeadas, aparadas, desbastadas e, muito francamente, ainda não estou certa que faça sentido fazer isto. Mas, enfim, pode ser que razões de segurança se sobreponham a razões estéticas e, portanto, paciência, já está. 


Mas, de resto, todo o espaço me parece agora mais luminoso, os pássaros cantando mais acima mas mais apurados no trinado, o pulmão mais solto, a voz mais franca. E se o pulmão neste caso não se aplica pois que fique pela metáfora que o entusiasmo dos pássaros bem o justifica.

Tenho agora visto muitas rolas. Andam por lá, cores suaves, rosado, platina e pérola, requintadas habitantes de um espaço tão rural.

Vimos dois gatos. Um preto e branco, mais esquivo e o cor de mel que se instala como se fosse o dono do pedaço. Usa, até, de poses senhoriais. Olha-nos, orgulhoso. E eu acho muito bem.


E, por falar em animais, aconteceu uma coisa. Estava eu a arrastar as pernadas de aroeira, uma aroeira gigante que não pára de crescer e de lançar pernadas junto a uma das escadas de pedra, enquanto o meu marido as serrava, quando apareceram dois cãezinhos vindos de uma outras propriedade. O me marido é que os viu: 'Olha! O que é que andam aqui a fazer?'. Os cães deram ao rabo e foram atrás de mim. Eu a arrastar os ramos e eles atrás. Até pensei que pareciam os meninos das alianças atrás da cauda da noiva. Quando voltei, vinha o meu marido com mais ramos e vimo-los muito aplicados com qualquer coisa no chão, um bocado lá mais ao fundo. O meu marido disse: 'Viste ali alguma coisa? Os gajos estão a comer alguma coisa'. Não, não fazia ideia. E ele também não. A verdade é que estavam os dois a comer e, no fim, lamberam os beiços. E, assim como vieram, assim se foram. Fui ver se descobria o que tinha sido e nem vestígio de nada. Se não tivéssemos visto os cães a banquetearem-se não saberíamos de nada. Eu passei ali antes e depois e não vi nada.


Mas, dizia eu, a paisagem mudou. Agora da sala consegue-se ver ao longe, até a parte de cima e o telhado da capela se vê. Pelo meio havia arbustos, havia árvores frondosas. Agora há uma profundidade de campo que me agrada. Do lado de lá é a serra. Dantes tinha que ir para alguns lugares mais altos para a ver, majestosa, a guardar o horizonte. Agora não, agora daquele lado está ao alcance do olhar a quase toda a volta. Muda de cor ao longo do dia mas é ao fim do dia, quando se funde no azul que desce do céu, que eu mais gosto de vê-la.


Não tenho conseguido ler. Ao fim de semana tem sido impossível. Também pouco tenho pegado nos tapetes, quer no que estou a fazer in heaven, quer aqui, na cidade. 

Hoje, a minha filha avisou-me que iam passar a tarde a casa do irmão, que os miúdos iam jogar à bola no relvado, mas que não queria vir tarde de lá. Disse-lhe que não dava, que ainda ia a casa dos avós. E foi. Só chegámos aqui a casa lá para as oito e meia da noite e ainda com sopa para fazer, coisas para arrumar. E esta noite nem foi das mais trabalhosas porque trouxe entrecosto já feito de lá e já tinha feito uma máquina de roupa na sexta à noite. Mas estou aqui a estou a pensar que ainda temos que arranjar a salamandra e que temos que pintar o tecto no sítio para onde o foi o fumo quando o tubo se soltou, que ainda temos que ver como desbastar uma pernada muito alta de uma azinheira que está já muito perto do telhado do estúdio, que temos que insistir com o senhor que já era para ter ido há mais de um ano arranjar uns canteiros que estão a dar de si e nunca mais vai.


E esta semana vou ter reuniões e trabalho que não acaba mas agora nem me apetece pensar nisso, parece-me coisa secundária.

Quase não tenho visto televisão. Sei que há uma tempestade, um ciclone, penso, em Moçambique e vi imagens que me deixam de coração partido. Nestas alturas em que a natureza mostra a sua força indómita percebe-se quão frágeis são os homens, em especial os mais pobres. E vi imagens de Paris. Feridas abertas no coração de França. Vandalismo total. Alguma coisa está ali a falhar. Li qualquer coisa sobre fake news a invadirem as redes sociais francesas, boatos e falsidades provenientes da Rússia. A democracia demonstra ser frágil perante a força imensa da maldade.

E agora, enquanto escrevo, ouço na RTP 2 uma professora universitária a falar dos riscos reais da cibersegurança. Temas que mostram como é fácil o mundo perder o controlo face a ameaças que nascem do uso desregulado das tecnologias.

Mas não é agora o momento para falar sobre isso. Estou cansada, uma nova semana está a começar e ainda quero tentar responder aos comentários.


A todos desejo uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

9 comentários:

Pôr do Sol disse...

Olá UJM,

Uma passagem breve para lhe dar os Parabéns, mais uma vez, pelos seus relatos de dias felizes.

Para mim seria a melhor terapia a construção de um paraíso assim. Desistimos a meio de uma aquisição pensando que seria uma obrigação de todos os fins de semana e que não nos deixaria espaço para viajar ou pelo menos para descobrir partes do meu País
sempre em renovação.

Acabámos por não ter uma coisa nem outra. Agora aos setenta anos já não dá e a saúde não ajuda.

Paciência, vou-me contentando com prazeres mais citadinos e familiares, sempre compensadores.

Um beijinho e boa continuação

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Que coisa maravilhosa!

Uma rica semana.

Isabel disse...

As fotografias estão todas lindíssimas, o que faz imaginar como o espaço deve estar bonito!

A música também é muito linda.

Beijinhos e ficamos então à espera do video, se possível:))

Um Jeito Manso disse...

Olá Pôr do Sol,

Lembro-me de, quando eu queria muito ter uma casa no campo, me avisarem disso mesmo: que iria ser uma prisão, que não iríamos mais passear, etc.

O meu marido não era nada chegado a coisas da terra, não apreciava especialmente o campo. Toda a vida tinha tido vida de cidade. Mas eu tinha mesmo vontade de ter o meu bocadinho de terra.

Já lá vão muitos anos. A esta distância, acho que tem valido a pena. Continuámos a passear na mesma. Se agora pouco o fazemos é porque parece que tenho um certo receio de ir para longe (por causa do estado do meu pai e por não querer deixar a minha mãe a sentir-se desamparada).

Mas o meu marido afeiçoou-se e gosta já tanto como eu. Parece que é como se fosse um refúgio. E é o prazer enorme de vivermos em total comunhão com a natureza.

Mas o reverso existe: é uma trabalheira constante, faz-se, faz-se e nunca está feito. E obriga também a muitas despesas.

Agora uma coisa no que disse me deixa preocupada: que problemas de saúde? Nada de especial, espero. Nada de desânimos. Toca a passear, a arejar, a divertir-se, ok?

Beijinhos e viva a vida, sim?

Dias felizes, Sol Nascente.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

E já viu que também por lá tenho bichinhos...? Nada que se compare com o seu refúgio, claro, até porque os meus nem são residentes. Aparecem nem sei como e depois desaparecem. Uns vadios. E isto já para não falar no javali (embora agora não haja daquelas pegadas)

Mas é uma maravilha, pelo menos para mim. Se perguntar ao meu marido, estafado como anda, dir-lhe-á que é um bom sítio para trabalhos forçados. E até é capaz de dizer que eu é que o forço....

Dias felizes, Francisco.

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

É campo, puro. Muito alecrim, muito cheio de abelhas. Fico toda contente quando vejo as moitas de alecrim cheiinhas de abelhas. Não tarda aparecem as florzinhas do rosmaninho e da madressilva. Uma festa para abelhas, borboletas. E passarinhos. Se ouvisse como cantam tanto.

Mas agora tenho os caminhos ainda cheios de caruma e folhinhas de azinheira e bolotas. A ver se vou de ancinho fazer uma limpeza.

Tive hoje um dia cheio de trabalho, apanhei trânsito, sempre acidentes, sempre muitos carros. À hora de almoço queria mandar uma carta registada, fui a uma estação de correios, tinha mais de vinte senhas à minha frente. Vim-me embora, contrariada. E, no entanto, chego aqui à noite e parece que isso tudo desaparece porque aquilo de que gosto de me lembrar é dos dias no campo.

Dias felizes para si, Isabel. Beijinhos.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Já vi, já!
Também temos um gatarrão que tem do lado de fora um self-service. Todos os dias lá está, vindo pela quinta que faz extrema aqui por detrás.

A UJM e o seu marido devem ser uma comédia, quando cada um começa a puxar para o seu lado. Mas é assim um casal feliz.

Dias felizes também.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Eu e o meu marido é como se fossemos o oposto um do outro: fisicamente, maneira de ser. No entanto, a nível de ideias, pelo menos naquilo que interessa, há convergência. Mas andamos frequentemente a desconversar, ele para me picar e porque gosta de me ver afinar e eu porque acho que ele não faz as coisas como deve. Mas isso é superficial e no gozo. Talvez por isso, continuamos a viver juntos (e já lá vão séculos!), e, ao fim de tanto tempo, ainda sempre na boa.

Acho que o segredo é a gente não querer que o outro seja a nossa alma gémea...

:)

AV disse...

Que bonitas, as florzinhas campestres. Gosto muito das brancas, em nuvens.