quarta-feira, janeiro 23, 2019

O belo príncipe entrevista o velho rei e senhor




De vez em quando, faço de conta que sou optimista e o meu cérebro, bicho tonto e fácil de enganar, deixa-se levar e começa a pensar que é optimista a sério e todos os comandos que emite parecem coisa de uma optimista de verdade. E de tal maneira é que quem me veja acredita que sou mesmo optimista. E eu, que gosto de observar, deixo-me estar a rir por dentro, a ver como me olham com desdém por ser tão tonta.

O que me vale é que, até ver, esta encenação deixa de fora um pequeno reservatório de realismo que, haja o que houver, se mantém incólume e impede que toda eu me deixe contagiar. Ou seja, por muito optimismo que ostente, o dito reservatório vai vertendo uns pingos de lucidez e, portanto, a costumeira alienação está sempre temperada com um pouco de bom senso.

É o caso que passo a referir. 


Tenho para mim que, passageiros e insignificantes que somos, temos, além do mais, um defeito de fabrico que nos há-de ser fatal: somos burros. Muito burros. Alarvemente burros. Mas pior ainda: somos de um tipo perigoso. É que os vulgares jumentos de quatro patas são dóceis e espertos enquanto nós, os burros que andam em duas patas, somos destrutivos, umas inqualificáveis bestas quadradas. 

Sem ofensa, claro. E, claro também, uns mais que outros. V. que me lê encontra-se, tenho a certeza, entre os menos burros e, com um bocado de sorte, andará em quatro patas.


E isto para dizer que fomos postos em cima de uma bolinha muito linda, azulinha e verde, suspensa no espaço como um balãozinho de brincadeira, uma bolinha bem feitinha, com montanhas e mares, um céu sereno e também azul, bichinhos bonitos que se entretêm uns com os outros, lá na deles. E, em vez de nos limitarmos a ser felizes, não senhor, embirramos uns com os outros, conflituamos, denegrimos, brigamos, envelhecemos envoltos em amarguras, em azedumes e queixumes. E poluimos, estragamos, desperdiçamos. 

E permitimos que uns excluam outros, que marginalizem e gozem com outros apenas porque são diferentes, e permitimos que uns se achem quase deuses e se auto-coloquem em altares, recebendo fortunas, prémios escandalosos, e ficando de bem com a sua consciência apesar de ao seu lado haver quem ganhe vinte, trinta ou ainda mais vezes menos.


Somos intrinsecamente estúpidos. Passamos pela vida, que é tão curta, sem saber ouvir a beleza das palavras, a harmonia da música, a leveza das cores, a suavidade do toque, a infinita perfeição do silêncio e do amor. 

Quando vejo imagens de praias inundadas por plásticos, peixes infestados por microplásticos, lixeiras infectas e fumegantes, rios cheios de espuma e peixes mortos -- e outros desastres assim -- fico perturbada. Somos tão estúpidos.

Ou quando vejo políticos que mal sabem falar, oportunistas, ignorantes, interesseiros -- e que supostamente nos representam -- fico igualmente perturbada. E não que ache que acabar com os políticos seja a solução: não acho. Acho que a política é importante. Temos é que ser mais exigentes e mais conscientes. Não podemos ter anormais como Trump ou Bolsonaro à frente dos destinos de países. É muito mau. Gente que não defende o planeta não pode ser eleita. Não pode. Temos que nos interessar. Temos que falar nisto.

Tenho livros com as maravilhas que Sir David Attenborough desvendava. Sempre tudo tão extraordinário, tão sereno, tão belo. E sempre que dava na televisão eu via. E, volta e meia, vejo-o no YouTube. 



Foi, pois, com surpresa que hoje soube que Sir David Attenborough esteve com o Príncipe William, que o entrevistou, no World Economic Forum na Suiça.

Pode, pois, ser optimismo da minha parte, coisa de gente tonta, mas ver, num encontro destes, o futuro rei do Reino Unido e o velho soberano da wildlife e da defesa do planeta azul, a alertarem para as alterações climáticas e para a necessidade de defesa do planeta alegrou-me muito.

Faço de conta que acho que é um bom sinal, que alguma coisa começa a mudar quando duas pessoas como estas se prestam a isto, um, apesar de royal,  todo bom rapaz e consciente da responsabilidade que tem, outro todo empenhado e presciente apesar dos seus provectos 92 anos. E se não é bom sinal, então, façam a caridade de não me contrariar. Deixem que me mantenha optimista, iludida.




E até já!

2 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Disse tudo! Um dos maiores sinais de uma afetividade falha é a ideia de omnipotência.
A omnipotência é normal aos 3, 4 anos a partir daí cuidado.

Um abraço.

Um Jeito Manso disse...

Francisco, olá,

Olhe que essa está bem vista. Por acaso, sempre me pareceu que aquele Trump deve ter uma idade mental de 3 ou 4 anos. Está explicado.

Abraço, Francisco.