quinta-feira, janeiro 17, 2019

Lisboa é vernácula, poética e divertida.
Lisboa, minha linda.
[Postal nº 3 de 8]





A vida continua. Bola para a frente. Tudo acaba por se recompor mesmo quando algumas peças se quebram. Disseram-me no outro dia: não há insubstituíveis mas há pessoas que não são substituíveis. Não me apeteceu analisar a correcção lógica da afirmação. Percebo a ideia. Talvez até concorde. E se a vida é cheia de contradições, equívocos, incoerências e omissões porque haveriam as frases de ser perfeitas?

Está um tempo frio, cinzento, molhado. Não faz mal. Também é bom. No domingo estava sol, um céu azul, um rio azul. As fotografias foram feitas com essa luz. 


Depois de uma interrupção, dois dias em que a vontade se evadiu de mim, retomo as fotografias que fiz enquanto turistei pela zona da Ribeira, pelos Cais Sodré, Terreiro do Paço, Rua do Alecrim, Camões, Chiado, uma das zonas de Lisboa de que mais gosto.

Gosto e fotografo incansavelmente, como se aqueles lugares que já palmilhei milhares de vezes fossem virginalmente novos para mim. 

Fotografei graffitis, alguns magistrais como os do Bordalo II e outros menos exuberantes mas também muito bons, mas o que agora, neste post, vos mostro não é bem isso. Aqui quero mesmo mostrar o efeito do tempo nas paredes, o que é efémero, um desenho ou uma folha colada a que, no momento seguinte, algum outro se pode sobrepôr, ocultando o que antes ali estava.


Frases, desenhos, provocações, desabafos, sonhos. In heaven, se me apetecer, eu pego num pincel e escrevo e pinto o que me ocorrer. Mas é coisa só para mim e, quanto muito, para os meus. E digo 'quanto muito' porque já estão tão habituados que já não ligam patavina. Bem podia pintar coisa mais apurada que o tecto da Capela Sistina que ninguém ali dava por ela. Mais pintura, menos pintura, mais poema, menos poema. E eu gosto que seja assim. Ainda me dá mais liberdade.

Mas numa cidade nunca escrevi nada. Quando vejo e fotografo as paredes fico sempre com alguma vontade de eu, um dia, me encher de coragem e escrever ou pintar alguma coisa.

Ou escrever uma coisa em casa e ir à rua, chegar a uma parede e colar o papel. Acho isso muito bonito, um gesto de partilha.


Sei que há quem fique chocado com o que aqui mostro; ou ache feio. Eu não. Eu gosto. Eu gosto de descaramento, de reinação, de provocação. Eu gosto da estética da decadência, eu gosto da beleza da erosão, eu gosto de defeito, eu gosto de mau comportamento, eu gosto do que é desigual, do que faz rir.

Eu gosto de palavras. Eu gosto da cor e da ausência de cor, eu gosto da luz e da sombra, eu gosto de flores no telhado, eu gosto do sopro suave das palavras que inspiram sorrisos, eu gosto do grito das gaivotas.

Eu gosto de passear em Lisboa e ver tudo o que ela tem de novidade. E tem tanto. Tanta coisa acabada de nascer, tanta coisa embelezada pelo efeito do tempo.


E tem tanto por descobrir, tanto, que eu tenho cada vez menos incentivo para me abalar a passeio daqui para fora. E tanto que eu, dantes, tinha necessidade de ir para fora mudar de ares. Agora não. É certo que tenho sempre receio de ir para longe com medo de que seja, justamente nessa altura, que os meus pais precisem de mim. Ou que, por algum motivo, mesmo que insignificante, desse jeito aos meus filhos que estivessemos por perto. Mas, para além disso, há esta atracção grande pela belezura do meu país. E este amor a Lisboa.

E tanta coisa que me encanta: as árvores, as esculturas, os passeios e as pessoas passeando, a gente que toca e canta para quem passa, as esplanadas, as mariolices, as tiradas poéticas, as gargalhadas.


Ainda tenho mais para mostrar: montras e um alfarrabista especial.  Não sei se ainda será hoje ou se deixe para amanhã.

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Caso vos apeteça ver uma casa que acho muito bem decorada, queiram descer até ao post seguinte. Mas, caso queiram ver as imagens de Lisboa feitas no mesmo dia que esta, queiram saltar para a Lisboa romântica que daí podem saltar para outras Lisboas.

9 comentários:

Anónimo disse...

Olá,
Venho aqui dar-lhe um abraço virtual, daqueles bem apertadinhos, que só damos às pessoas de quem gostamos muito quando elas estão tristes.
E agradecer-lhe esta canção do Jorge Palma, que é muito especial para mim.
Era para falar aqui de um casal de homosexuais que conheci há mil anos em Porto Covo.
Eram duas pessoas maravilhosas, bons amigos, inteligentes, cultos, viajados, apenas amavam de forma diferente.
E isso não me incomodava nada, nem sequer pensava no assunto.

Tive uma angolana a trabalhar comigo (a quem na brincadeira chamava de escrava). Era muito bonita e tinha fugido de Angola só com a roupa que tinha vestida. Ela, o marido, um filhote e uma irmã de 9 anos com um olhar muito triste.
Um dia ela contou-me (porque éramos muito amigas) que a irmã tinha sido violada por cinco homens brancos Heterosexuais (muito machos, portanto, nada de "maricas") quando tinha 8 anos.
Daí o olhar triste da menina.
Fiquei devastada!
A menina nunca soube que eu sabia. Mimei-a o mais que pude, ofereci-lhe tudo o que sabia que ela gostava, mas como compensar uma criança assim?
E isso é que me incomoda muito, heterosexuais maltatarem crianças, e não adultos com opções sexuais diferentes da minha.
Também não me preocupo nada com a cor da pele das pessoas: preta, castanha, amarela, vermelha ou mesmo verde, se aparecer por ai algum marciano 🤢
E ninguém me ensinou a ser assim, acho que já nasci predisposta a gostar de minorias - e ainda bem!

Boa Quinta!
🌲L


Anónimo disse...

Parece que tenho para aí und "gatos", mas quando quis rever o texto neste quadradinho já tinha uns ciscos nos olhos (if you know what I mean...)

Isabel disse...

Confesso que não gosto de asneiras. Nem de as dizer, nem ouvir, nem ver. Quase nada me choca, mas se puder evitar as coisas, evito.

Se se podem ter/fazer/desenhar coisas bonitas, porquê escolher as feias?

Mas pronto, gostos não se discutem!

Percebi que alguma coisa a deixou triste e espero que passe depressa:))

Beijinhos:))

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Aqui nas Caldas também há umas coisas giras em termos de dizeres em paredes, no entanto acho que poderia haver maior promoção da arte urbana, visto que é uma terra de artes e com uma das mais cotadas escolas superiores na área.

Um belo serão para a UJM!

PS: Às 0h25 serei bebé!

Um Jeito Manso disse...

Olá Ms Tree Lover,

Muito bom ler as suas palavras. O abraço foi bom. Por vezes, na curva da estrada, aparece a malasorte e prega rasteiras más, inesperadas, terríveis. E uma pessoa fica sem saber, começa a olhar para trás e a tentar perceber se dava para ver. Tudo muito ameaçador. Colocamos a vida em perspectiva.

Quanto ao que contou: coisa má, horrorosa. Horrores desses devem corroer por dentro quem os vive, deve corroer a felicidade.

E concordo com tudo: a sexualidade de cada um é com cada um. Não se escolhe. É-se.

Obrigada pelas suas palavras.

Dias felizes!

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

Sei que não gosta de palavrões e foi a pensar em si que escrevi que sabia que havia quem não gostasse. Eu não sou de dizer muitos palavrões. Mas, por vezes, a situação pede um. E é bom, libertador.

E ver uma parede toda malcriadona, toda foliona dá-me vontade de rir.

Olhe, Isabel, faça assim: diga um palavrão e ria-se e pense que eu estava ao pé de si e que nos desatávamos a rir. Vai ver que lhe dá vontade de rir.

Sim, Isabel, aconteceu uma coisa triste no nosso círculo de amigos e deixou-nos todos muito tristes.

Obrigada pelas suas palavras muito simpátias.

Um abraço, Isabel.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

A arte de rua é uma arte generosa, para todos, arte partilhada. Gosto de cidades com vida nas paredes.

Não lhe dou já os parabéns porque não se dá parabéns antes da hora.

Até já.

Um Jeito Manso disse...

E agora, bebé Kiko, já posso dar os muitos parabéns! Muitos!

E conte muitos anos, com saúde, motivação e alegria. Felicidades!

E um dia de anos muito bem passado. Divirta-se a valer, ouviu?

Um abraço!





Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Muito obrigado, rica UJM!

Divertir-me-ei, claro.

Um abraço grande.