Não sofro de paranóia, não vejo mosquitos na outra banda, não sou pessimista ou fatalista. Mas, acho eu, não sou completamente alienada. Posso não ser especialmente informada, mas gosto de perceber o que se desenha no ar do tempo.
Só que, nos casos presentes, não estou a falar de indícios de que uma nova realidade já está a desenhar-se. Não, há uma realidade que já aí está.
E, uma vez mais, temo as consequências: quando são criados aplicativos com inteligência artificial que são disponibilizados gratuitamente e que estão em permanente actualização tecnológica sem que ninguém legisle ou regule a sua utilização, a coisa pode caminhar para usos aberrantes.
Eu posso usar comandos de voz com o meu telemóvel e ele dá-me respostas verbais ou escritas e são respostas inteligentes. Não tive que fazer nada. Apareceu-me.
E já há a Siri, a Alexa e a Sophia.
Respondem, conversam, colocam perguntas, riem.
Há quem apenas ache graça e use em anúncios, em feiras tecnológicas. E o pessoal assiste, indiferente, sem perceber o que está a caminho.
No outro dia, com naturalidade, uma pessoa dizia-me que, para resolver assuntos complexos para os quais até agora apenas técnicos altamente especializados estavam à altura, já começam a ser usados automatismos que percebem os problemas e os resolvem sozinhos. Não fiquei perplexa e tive pena de já achar isto quase normal. E, intimamente, senti vontade de aderir. Pensei: porque não? Só porque torna os humanos dispensáveis? E surpreendi-me com o meu secreto cinismo. Pensei ainda: um dia destes quem não adira a isto perde a competividade. Não disse nada. Apenas pensei. Mas pensei sobretudo: que raio de mundo é este que os humanos estão a construir? Um mundo sem humanos...? Um admirável mundo comandado por bots?
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