domingo, abril 08, 2018

In heaven em dia de chuva, casamento, Pedro Mexia e culinária





Quando vínhamos para cá, vim a ler o tal livro que, para o fazer durar, ando a ler a conta-gotas, O Leopardo, e, no telemóvel, a entrevista de Pedo Mexia. Gosto de ler o que o Pedro Mexia escreve. Os blogs dele eram dos poucos que eu lia quando ainda pouco contacto tinha com o mundo da blogosfera. 

Quando comprava o Expresso, as crónicas dele eram também das primeiras coisas que lia. Fraco Consolo de boa memória.


No entanto, detesto vê-lo metido naquela pangalhada do Governo Sombra (ou melhor, detesto aquele culto da palermice que é o Governo Sombra) e, por causa disso, parece que acabei por me desengraçar um bocado dele.

Mas gostei de ler a entrevista no DN. É a propósito do seu novo livro e aí, do que percebo, fala de vivências em lugares. 

Imagino-o sentado num café, numa esplanada, num quarto de hotel. Parece que anda sempre carregado de canetas com medo que se lhe acabem. Imagino-o escrevendo, vendo as pessoas, observando o ambiente, anotando as suas impressões sempre condimentadas com lembranças de literatura de várias geografias e épocas.


Mal chegámos aqui, in heaven, fomo-nos ao do costume. Agora andamos a desbastar as aroeiras. Crescem muito, deitam ramos a toda a volta. Acabam por formar arbustos gigantes, enormes esferas verdes e perfumadas. O meu marido serra os ramos baixos, desbasta-as fartamente, eu fico-me pelos mais fininhos, e, enquanto ele se atarefa com os ramos grosso, eu vou levando os ramos para o so called campo de futebol, para depois fazermos uma fogueira.

O cheiro da madeira cortada, o perfume do alecrim, dos pinheiros, tudo me encanta de uma forma absoluta. Penso que talvez me sinta tão bem ali quanto os pássaros que cantam com bem sonora alegria.


Começou a chover ao de leve e continuámos. Sabe ainda melhor sentir a chuva quando se está no campo. E eu pensei que, se calhar, o Pedro Mexia -- que conhece tantos lugares e que já leu tantos livros e sabe tanta coisa -- ainda não experimentou estas sensações, estes perfumes, esta imersão nos verdes, os pés sentindo a terra macia e húmida.
Não se é melhor pessoa por podar árvores, por fazer fogueiras que deixam no ar o cheiro ancestral da queima do mato cortado de fresco e do fumo, por andar com a pele molhada como os bichos que por aqui andam. Mas é tão bom que todas as pessoas deveriam poder experimentá-lo para gravarem no corpo e na alma sensações de tempos ainda não tocados pelo progresso.

Depois começou a chover muito. Abriguei-me debaixo de uma árvore. Mas a chuva era torrencial. Corri para me abrigar no telheiro onde tinha deixado a máquina fotográfica. Fotografei. Devia ter filmado para se ouvir o som da chuva, o som do canto dos pássaros, eufóricos, a minha respiração silenciosa para não perturbar o meu encantamento.


Pouco depois, quando a chuva se foi, começámos a ouvir carros a apitar ao longe, aproximando-se, chegando à estrada lá em cima. O meu marido disse: 'Deve haver para aí um casamento'. E eu pensei: casamento molhado, casamento abençoado. O meu marido disse: 'Será o puto? O neto do vizinho? Já têm filhos mas, se calhar, agora é que resolveram casar'. Não sei. O vizinho já morreu e na casa grande vive uma das filhas e tem-nos parecido que no que era, em tempos, um grande armazém no meio da propriedade, vive agora um dos netos com a mulher e os filhos pequenos. Deve ter feito obras, adaptado o edifício. Mas não sabemos.


Entretanto, começou a ouvir-se música. Surpreendentemente, música dita clássica. Diria que Schubert. Os carros foram parando ao longo da nossa vedação -- e, sem que suspeitassem que lá em baixo estavam dois indígenas de serrote e podão em punho a observá-los, pessoas bem vestidas iam andando na direcção da casa lá de trás, do outro lado da rua, ao fundo.

Parecia que estávamos a ver um inesperado filme. Não ouvíamos o que diziam mas víamos que sorriam, que se cumprimentavam, que iam para o que devia ser mesmo um casamento.

Depois a música silenciou-se. Pensei que deveria estar a decorrer a cerimónia.


Algum tempo depois ouviu-se o Hallelujah interpretado por Leonard Cohen. E as pessoas começaram a vir para os carros e os carros começaram a ir lá para baixo. Presumo que iriam para o copo-de-água. Que eu saiba, não há nada lá em baixo. Há um vale, há o rio, há encostas verdejantes, há casas antigas. Não sei para onde terão ido. Talvez tenham arranjado alguma daquelas casas de pedra cobertas pelos enormes salgueiros que parece mergulharem no rio. Talvez lá tivessem uma lareira à espera dos convidados e talvez tenham festejado ao som de outras músicas igualmente bonitas.


O céu foi ficando limpo, bonito, as nuvens escuras aquietadas. E nós continuámos até anoitecer.

Depois voltámos para casa.

Amanhã há mais.

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Vim fazer o jantar. Tinha trazido uma embalagem com dois lombos de salmão que, entretanto, já tinham descongelado.

Não sabia como fazer porque, na prática, pouco mais tinha. Talvez no forno. Mas depois tive uma ideia. Perguntei ao meu marido: 'O salmão com arroz? O que dizes?'. Disse que podia ser.

Tinha uma única cebola roxa. Num tacho coloquei azeite e piquei grosseiramente a cebola roxa, que era de bom tamanho. Estrugi. Descobri um resto de cabeça de alho, pelo que juntei um dentão do dito devidamente picado. Alourou. Juntei uma folha de louro. À vinda para cá tinha parado para comprar fruta e a senhora deu-me um pouco de salsa. Juntei. Coloquei lá, então, os dois lombos de salmão. Juntei também arroz basmati e o dobro da quantidade de água.

Lembrei-me, então: 'Couves'. Fui lá abaixo, a correr, à horta, já quase completamente às escuras. Estava frio. Trouxe duas couvinhas chinesas.

Estas que aqui se vêem em primeiro plano não são as chinesas, são as portugueses.
As chinesas são as mais claras que mal se vêem, atrás 

Lavei as folhinhas e cortei-as para dentro do tacho. Juntei ainda um pouco de alecrim e de sal. Ferveu. Depois de ferver, baixei o lume. Misturei bem. Quando ficou sem água, desliguei. Os lombos tinham-se desmanchado. Com um grafo misturei melhor para o arroz envolver bem os pedaços de peixe e as tirinhas de couve.

Sem falsas modéstias: ficou mesmo bom.

Lavei uns moranguinhos que trouxe da senhora, daqueles pequenos, não adubados. Comemos como sobremesa. Docinhos e saborosos, a saberem a morango.

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Aleluia.


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Voltou a chover. A madeira dos troncos cortados das minhas árvores arde na salamandra, a sala está quentinha e ouço a chuva no telhado, no chão à volta da casa. A noite vai alta e está-se bem.

A minha filha, que é noctívaga como a mãe, acabou de me enviar um filme sobre Inteligência Artificial e escreveu que eu tinha mesmo que ver. Diz que nada que não se soubesse mas, ainda assim, assustador. Mas a rede aqui é muito má, não se conseguem ver filmes. Vejo amanhã ou depois.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia de domingo

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