quarta-feira, abril 11, 2018

Clareiras invisíveis





Tenho a dizer o mesmo que ontem: que pouco tenho a dizer. Os dias andam de tal forma que saio deles com a sensação que correm depressa demais e, apesar de não ter um minuto de descanso e de, supostamente, estar a fazer coisas muito importantes, tenho que concluir que bem podia ter feito coisas mais úteis para a humanidade.

Enfim. É o que é. Não vale a pena estar com pensamentos metafísicos. O mundo real não tem muito espaço para a filosofia ou, sequer, para a poesia, mesmo que coxa. Pior: nem para a gramática. Caraças, com cada pontapé.

No meio disto, o que vale é que, no meio de tanto hiper-realismo, surrealismo e neo-realismo, volta e meia divirto-me à grande. Hoje soube que uma, em tempos, quis bater noutra. Ora vendo uma e outra, dir-se-ia que o inverso teria sido mais provável. Tudo do além. Mas logo a seguir a coisa fica séria, desengraçada. 


Só para se ver: tinha ideia de ver, no ipma, o tempo para o fim de semana e cheguei à noite sem ter tido oportunidade para tal. Quero ir buscar um chá e não consigo. Nem para a janela tenho conseguido olhar. Sento-me à secretária a pensar que vou conseguir ver os mails em paz e logo me entra alguém a pedir um minuto. E eu penso: se é um minuto mais vale despachar já e, no fim, são vários minutos e, quando penso que está quase, entra outro a pedir se posso dar um minuto. Chego ao fim do dia seca. Esgotada. E quando penso que me vou embora e que se lixe o que não fiz, entra mais um a dizer que me viu sempre ocupada e que esperou que eu estivesse mais descansada. E eu penso: caraças, não há misericórdia? Mas não digo nada, ouço. Ouço. 

E o trânsito. Uma loucura. Um desperdício. Anos de vida metida no carro. Chovia que Deus a dava e eu no pára-arranca. Penso que era Fauré mas nem disso estou certa. Abstraio-me de tudo. Na volta, vou a meditar. Ou isso ou a chagar a cabeça a alguém. Volta e meia aproveito para tratar de assuntos. Mas muitas vezes nem me lembro de tal. Assuntos...? Que assuntos...? Ontem cheguei ao mesmo tempo que mais uns quantos. Todos enervados com o trânsito. Consigo também, não?, perguntaram. Pelas horas que eram, comigo também. Mas tinha vindo tão noutra que nem tinha dado por nada.


Volta e meia, quando o tempo se enrola em temas complicados e me vejo metida no meio de discussões --  que eu sou tão assertiva que facilmente a coisa pode parecer agressividade, mas não é, é só impaciência -- como que por milagre, abre-se uma clareira na minha cabeça e eu penso como estou bem quando estou in heaven.

Fomos à entrada da gruta grande. Via-se, na terra perto da entrada, uma toca. Não sei que bichos lá vivem. Por baixo dos pinheiros, por entre a caruma, vêem-se corredores, uma espécie de túneis. Nas árvores há muitos ninhos. Penso que tudo há-de fervilhar de vida mas, quando por lá se anda, pouco se vê. Volta e meia ouve-se um bicho a correr, um coelho a saltar e a fugir. Ou pássaros que saem sobressaltados das árvores.

Mas estou em crer que há uma vasta comunidade de habitantes in heaven. E isso traz-me um ânimo bom para dentro dos gabinetes onde se discutem negócios, reestruturações, correr com um, ir buscar outro, dar a volta ao texto, implementar um processo novo, puxar as orelhas à que se anda a portar mal, abrir espaço para a outra voar. Coisas assim.


E eu a pensar, sem ninguém adivinhar, que há coisas que são invisíveis mas que existem e que são tão extraordinárias que nem dá para acreditar.

E eu também a pensar, em background, que gostava tanto de lá ter esquilinhos e nunca lá vi nenhum mas que isso não quer dizer que não estejam lá.

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Fotografias feitas in heaven

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