segunda-feira, março 12, 2018

Quem é, afinal, estaTeresa?
Filósofa? Pornógrafa?


Eu estava na sala de espera do hospital. A minha mãe estava noutra cadeira, não ao meu lado. Quando chegámos já não encontrámos duas cadeiras juntas. De um lado, eu tinha um senhor que tinha ido acompanhar a mulher e que ocupava o tempo lendo uma revista e vendo o relógio de minuto a minuto. Do outro, tinha uma mulher muito feia que estava ao lado do marido, igualmente feio mas feio de uma maneira diferente. Ela tinha um nariz grande que a desfigurava e ele tinha um queixo comprido e muito mal feito. Olhavam, em silêncio, para a parede em frente. Noutro canto estava a filha, feia que só vendo. Com o nariz da mãe e o queixo do pai, uns olhos pequenos e ainda mais reduzidos atrás de uns óculos que nada a favoreciam, a jovem entretinha-se a fazer palavras cruzadas num caderninho.

A minha mãe estava nervosa e eu, por contágio, também um pouco enervada. Então tocou-me o telemóvel. Era o meu marido. Percebia-se mal, ali a rede era fraca.

Ouvi: Therèse Philosophe. Percebi que estava a ler. Ouvi: pornografia. Ouvi: filosofia. Pareceu-me que dizia que andavam de braço dado. Percebi: Therèse, mal comportada, querendo encontrar explicações para as suas dúvidas. Eu não estava a perceber bem mas, naquele lugar, também não podia colocar questões. Imagine-se se ali, entre o senhor que via as horas compulsivamente e o casal feio e silencioso, com a minha mãe quase em frente e a rapariga das palavras cruzadas por perto, eu me punha: Mas quê...? Não estou a perceber. Essa tal Teresa praticava pornografia ou dedicava-se à filosofia? Impossível. Haveriam todos de interromper o seu estado de alma para tentarem perceber qual a resposta a tão inesperada questão. De resto, nem estava a perceber se a dita Thérèse era alguma mulher de verdade, tipo Santa Teresa de Ávila, ou se era ficção. Ele leu um pouco mais. Com a rede a ocultar parte da conversa, ouvi falar em best-seller. Não compreendia nada daquela conversa. No meio dos cortes, ouvi também falar num tal marquês e em século XVIII. Entretanto, acabou a leitura e percebi-lhe o tom de voz irónico: 'Então, até já'.

Agora que estava curiosa, pedi-lhe o livro para ver de que se tratava. Pimbas. Não sabe. Não se lembra. Diz que deve ter ficado no carro. Mas tenho dúvidas. Depois disso já andámos com os miúdos no carro. Nem eu vi o livro nem eles. Se o tivessem visto, teriam perguntado que livro era aquele. Sempre quero ver. Às tantas, ainda o perdeu.

E eu aqui curiosa.

E, en passant, a interrogar-me: What's in a name?*
Parece que há qualquer coisa nas Teresas que as envolve em misticismo. Contudo, não raramente, um misticismo com alguma ambiguidade. Estou a lembrar-me, agora que escrevo, da magnífica Santa Teresa esculpida por Bernini. Aquele êxtase tem que se lhe diga. É mais carnal que espiritual, digo eu. 
Quanto a esta Thérèse Philosophe, querendo eu, à falta de melhor, ter aqui alguma coisa de concreto, fui ao Youtube -- e apareceu-me o vídeo abaixo. Do que percebo, Walerian Borowczyk fez este filme, Contos Imorais, do qual faz parte o conto em causa, Thérèse Philosophe. Extraio da sinopse:
Therese Philosophe' is set in the nineteenth century, and concerns a girl being locked in her bedroom, where she contemplates the erotic potential of the objects contained within it. 
Vi um vídeo mais longo (e mais impróprio para constar num blog de família como é este meu Santo Um Jeito Manso) mas penso que dá mais espaço a outros contos do que o vídeo que aqui partilho que, do que me parece, se centra mais naquele que aqui me traz. Fico-me, pois, por este.

Entretanto, se o bendito livro aparecer, talvez transcreva aqui a parte que o meu marido me leu ao telefone.


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* Já agora, se me permitem: 
What's in a name?



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