Por formação (ou deformação, como queiram) só vou pelas coisas quando as vejo demonstradas, q.e.d., e só aceito hipóteses como verdadeiras quando, sujeitas a testes, os superam. Diz-que-diz-que não é coisa que me assista. Mesmo que referendado pelas redes sociais em peso, comunicação social e comentadores: não me impressiono. Não sou Maria-vai-com-as-outras nem à lei da bala. Só vou quando, por mim, me convenço a ir.
Ou seja, pode meio mundo cair a pés juntos sobre uma verdade absoluta que eu só vou saber que é verdade absoluta quando a vir provada, cientificamente provada.
Isto traz-me, com alguma frequência, alguns desconfortos. Bem que colega amigo costuma avisar-me: cuidado não vão dizê-la desalinhada. E sou.
A invasão do Iraque era inevitável e mais do que justificada porque havia provas do uso de armas de destruição em massa, não era? Como duvidar quando alguns dos mais poderosos Chefes de Estado o afirmavam sem sombra de dúvida?
Não para mim. Só com as provas à vista, provadas e recomprovadas.
Lembro-me bem da acesa discussão no dia da invasão. Estava numa bela moradia no Restelo. A enorme sala dava para um jardim relvado e florido. Circulávamos por ali, um simpático coktail era servido entre comentários sobre a notícia do dia. Os meus interlocutores aplaudiam. Eu relutava. Eles convictos: provas, o ditador assassino, uma invasão inevitável. E eu céptica. Como pode ter dúvidas? Não ouviu as notícias? E eu que não ia em conversas, muito menos daqueles ali. Queria saber de provas. Não se invade um país com base em conversa, em bocas, em indícios. Os meus interlocutores -- gente de bem, gente civilizada -- abanavam a cabeça. Uma selvagem no meio de gente fina. Estava isolada.
E, no entanto, depois do país destruído e de tantas vidas destruídas, descobriu-se o embuste.
E, no entanto, todos os papagaios e demais passarinhas que se tinham afobado a defender a invasão e a justeza da guerra, enfiaram o rabo entre as pernas e nem um pio, nem um mea culpa por terem defendido uma cambada de aldrabões assassinos.
Podia agora invocar alguns dos casos mediáticos em que meio mundo acusa e condena a partir do Correio da Manhã. Todos estão certos de tudo. Todos relacionam tudo com tudo. Se o Correio da Manhã diz é porque é -- e se o amigo emprestou dinheiro é porque o dinheiro não era do amigo era dele e se o dinheiro era dele então é porque ele é corrupto e se ele é corrupto então a crise financeira foi culpa dele. Esta é a linha de raciocínio da vox populi. E eu que estudei como analisar a lógica dos raciocínios e como desmontar sofismas traiçoeiros e como demonstrar os mais complexos teoremas e como comprovar hipóteses por mais rocambolescas que pudessem parecer, não é agora, que vou renegar as minhas bases e desatar a papaguear argumentação badalhocamente construída.
Podia invocar esse e outros casos mas não o farei: estão em segredo de justiça, segundo dizem.
Mas vou falar disto do ex-espião russo. Alguém o envenenou. E à filha. E isso é uma coisa condenável. Inaceitável. Ponto.
Mas quem colocou o veneno? Não sei. Alguém sabe? Penso que apenas os executantes e os mandantes o saberão.
Não faço ideia se foram os russos. Podem ter sido os ingleses para mobilizarem a opinião pública a favor do governo (que anda pelas ruas da amargura e que bem precisados estavam de um novo fôlego). Sabemos lá.
O que também sei é que o círculo das suspeitas em torno do inner circle do actual establishment político inglês tem vindo a estreitar-se.
Portanto, nada sabendo eu do que se passa, posso enunciar a partir do que vou lendo: que se conheça, não haveria móbil para os russos envenenarem o ex-espião e a filha. Que se conheça, haveria forte motivação para os ingleses inventarem uma cena que distraísse as atenções do seu eventual envolvimento nas barracadas do Brexit e da Cambridge Analýtica (já para não falar na sua baixíssima popularidade interna e a escassa credibilidade nos meios internacionais).
E, com isto, o que também posso dizer é que, com base no que se sabe, andar meio mundo a expulsar russos parecem-me carneiradas e rangelices desprovidas de sentido.
E, a menos que se fique a saber (de fonte segura) qualquer coisa mais, acho que mais valia que se falasse menos e se pensasse mais.
Será escusado recordar que nestas coisas que metem espionagem, disputas políticas internas, guerras comerciais, alianças internacionais tantas vezes espúrias, etc, etc, nunca nada é aquilo que parece e que pareceria prudente que a reserva se sobrepusesse à precipitação.
Podia invocar esse e outros casos mas não o farei: estão em segredo de justiça, segundo dizem.
Mas vou falar disto do ex-espião russo. Alguém o envenenou. E à filha. E isso é uma coisa condenável. Inaceitável. Ponto.
Mas quem colocou o veneno? Não sei. Alguém sabe? Penso que apenas os executantes e os mandantes o saberão.
Não faço ideia se foram os russos. Podem ter sido os ingleses para mobilizarem a opinião pública a favor do governo (que anda pelas ruas da amargura e que bem precisados estavam de um novo fôlego). Sabemos lá.
O que também sei é que o círculo das suspeitas em torno do inner circle do actual establishment político inglês tem vindo a estreitar-se.
Pressure grows on PM over Brexit Cambridge Analytica scandal. Campaigners demand Theresa May investigates what Michael Gove and Boris Johnson knew.E toda esta campanha em torno da expulsão dos russos vem mesmo a calhar. Em situações assim nada como atirar poeira para os olhos. O Brexit aconteceu devido a fraudes em cima de fraudes? As figuras gradas do Brexit podem estar implicadas? Upsss... Que jeito que dá uma coisa que apele ao medo, que una as pessoas em torno de potenciais ameaças, que convoque os mais íntimos instintos nacionalistas?
Portanto, nada sabendo eu do que se passa, posso enunciar a partir do que vou lendo: que se conheça, não haveria móbil para os russos envenenarem o ex-espião e a filha. Que se conheça, haveria forte motivação para os ingleses inventarem uma cena que distraísse as atenções do seu eventual envolvimento nas barracadas do Brexit e da Cambridge Analýtica (já para não falar na sua baixíssima popularidade interna e a escassa credibilidade nos meios internacionais).
E, com isto, o que também posso dizer é que, com base no que se sabe, andar meio mundo a expulsar russos parecem-me carneiradas e rangelices desprovidas de sentido.
E, a menos que se fique a saber (de fonte segura) qualquer coisa mais, acho que mais valia que se falasse menos e se pensasse mais.
Será escusado recordar que nestas coisas que metem espionagem, disputas políticas internas, guerras comerciais, alianças internacionais tantas vezes espúrias, etc, etc, nunca nada é aquilo que parece e que pareceria prudente que a reserva se sobrepusesse à precipitação.
Mas, enfim, o mundo não é perfeito.
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Testemunhos interessantes: Christopher Wylie e Shahmir Sanni
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As imagens que aqui usei provêm da Vogue russa.
Benjamim Clementine interpreta London
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