sábado, março 17, 2018

Objectos de desejo






Gosto de sapatos mas não sou maluca por eles. Lembro-me de, em pequena, querer ter uns sapatinhos encarnados. Naquela altura não havia a variedade de tudo que há hoje. Lembro-me de ir pela mão da minha mãe, de sapataria em sapataria, procurando uns sapatinhos assim. Encontrámo-los e encheram-me de felicidade.Tenho fotografias com eles. Um orgulho bom.


Ao longo da minha vida tive vários sapatos encarnados. Agora tenho dois pares de saltos altos em camurça, uns simples, corte princesa, em encarnado rubro, e uns outros, em cor de tijolo escuro, com um franzido em cima. Tenho uns outros quase rasos, uma espécie de sabrina com uma ligeiríssima cunha. Esses são também de carmurça mas debruados a preto, um filet milimétrico de verniz preto, que lhes dá uma certa graça. Mas esses são muito baixos, não me dão tanto jeito. A verdade é que, de cada vez que vejo uns sapatos encarnados, tenho que me forçar a resistir à tentação. 

Esse gene dos sapatos deve ser forte porque passou para a minha menininha mais linda. Ela é que nem eu mas, em tudo, mais que eu: toda ela coquette e toda ela apaixonada  por toilettes e sapatinhos. 

Será futilidade isto que existe dentro de nós e que vem do nascimento, será. Mas não sei se há ser humano cujas células sejam todas fechadas, hirsutas, só profundidade, destituídas de leveza. Talvez haja. Mas há-de ser gente chata, chata, chata de meter dó. Digo eu. 


Também gosto de jóias, de pérolas, de ouro e brilhantes, de esmeraldas, de safiras, de rubis. E tanto mais quanto as há, lindas, em parecenças, a meia dúzia de euros cada. Gosto muito e ainda mais destas quanto não tenho que ter receio de as perder como quando são jóias de milhares. É um facto: não consigo andar desprovida de adornos. Por exemplo, não consigo sair de casa sem brincos. 

E gosto de objectos que sejam belos. Pode até ser uma pequena peça de cerâmica com gravura de Lalique, pode ser uma ampulheta com uma figura esbelta, uma bola de vidro transparente com uma gota atrevida lá dentro, pode até ser uma caneta com as flores do imperador. 

Que me desculpem os sisudos, as bem comportadas, os inofensivos e os amuados, os arrumadinhos por vocação, os que sabem a hierarquia académica dos valores, mas a beleza é fundamental e beleza que seja simples, espontânea, sem definições ou regras. E, para nos enlevar com um prazer inocente e bom, deve ser consumida em sãs misturas -- sapatos com colares com flores com conchas com um raio de luz com uma palavra secreta. Por exemplo.


Escrevo enquanto ouço a chuva a cair. Som tão bom. Da minha janela hoje não avisto gaivotas. Acolheram-se, não gostam de voar à chuva. Uma gaivota voando na janela, contra o rio em dia de invernia seria o apontamento de voo e leveza que traria aquele subtil toque de beleza de que os dias de chuva precisam. Mas, não havendo, há a música que estou a ouvir, as imagens que estou a escolher e é também igualmente bom. E estão vocês aí desse lado e isso, então, é mesmo, mesmo bom. Sentem como é bom?

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Um belo dia a todos.

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E aos que acabaram de aqui chegar e que não são dados a estas conversetas de tipo lero-lero, pois, então, recomendo que desçam que, abaixo, a conversa é muito outra.

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