quinta-feira, fevereiro 22, 2018

O grande amor da vida de Alejandra Fierro Eleta, aka Gladys Palmera



Cheguei à fisoterapia e, na fase das máquinas e antes da tareia que o fisoterapeuta me deu, foi uma luta para não dormir. Momentos houve em que cedi e deixei mesmo de sentir passar o tempo. Ainda com a toalha do calor húmido no ombro e nas cervicais, apercebi-me que ele estava a chegar com pezinhos de lã e, deitada na marquesa, dei um pulo. Na verdade, acordei sobressaltada. Ele riu-se: 'Não queria assustar... vim pé ante pé...'. A seguir atirou-se-me à cicatriz do tendão que rompeu e fez-me sofrer até mais não. É a falta de elasticidade dessa malvada que me provoca restrição e dor em alguns movimentos. Num momento em que eu quase guinchava, riu-se de novo: 'Estou a tentar fazer amizade'. E eu, entredentes: 'Não da forma mais convincente'.

Agora estou outra vez dolentemente vendo os vídeos que o meu querido algoritmo do YouTube tinha para me sugerir e mal me tenho acordada. Devia ir dormir, eu sei, mas é uma forma de ter este bocado de dia para mim depois de ter tantas horas a contrariar a minha vontade e a dar de mim mais do que, por vezes, penso que tenho para dar.

Mas, então, com isto de estar meio a dormir, pareceu-me que era a história de uma mulher que tinha 100.000 peças de latim. Pensei: deixa cá ver como é uma verdadeira maluca encartada que isto de passar a vida atrás de coisas em latim é do além. Pensei em livros, em folhetos antigos, em cânticos -- e, às escondidas, a ideia agradava-me. Pensei num namorado que, em tempos, tive. Andava a aprender latim, ele. Eu encantada com a racionalidade das calculatórias e ele no latim. Imagine-se. Mas, para ele, aquilo acabou por ser um castigo. Ensarilhava-se nas declinações, foi até para um explicador. Não sei se hoje ainda saberá ler trechos em latim mas essa ginástica deve ter-lhe sido útil para as declinações do alemão e para tudo o mais que fez a seguir e que envolveu toda a espécie de poesia em todas as línguas possíveis e imaginárias.

Fui, portanto, atrás deste engodo. Falso engodo.

Mal vi com atenção, percebi: tratava-se de música latina. Nada a ver, pois, com o que eu tinha imaginado.


Ainda assim deixei-me ficar a modorrar na contemplação de tão grande pancada. Mas gostei. Tudo organizado, toda a casa estruturada em volta deste gosto. E que casinha... É preciso ter-se um confortável desafogo financeiro para se ter tal casa, tal colecção. E que coisas engraçadas ela tem pela casa. Há pessoas que, de facto, conseguem encontrar um motivo de interesse que as mobiliza de forma absorvente, passando a sua vida a girar em torno desse prazer. São forçosamente pessoas felizes.
Alejandra Fierro Eleta, aka Gladys Palmera, has had an affinity for Latin music ever since she was a little girl. After spending a year in Panama at the age of 18, she took her love of music to the next level, beginning to collect LPs from some of her favorite musicians. Today, the Gladys Palmera Collection has grown into one of the largest, most comprehensive libraries of Latin music in the world, containing over 100,000 pieces of music.

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E queiram, por favor, comprovar que, apesar de ter comemorado hoje o seu 85º aniversário (nada de mais: quase isso tem a minha mãe e mais do que isso o meu pai), Nina Simone está viva e bem viva.

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