sábado, janeiro 27, 2018

Onde já vai a ternura dos 40 e eu ainda aqui, de sol a sol.
E ainda sem saber o que fazer quando tiver o tempo por minha conta.
[Presidente de Câmara é que não; isso é o que já sei de certeza absoluta]





Desde há cerca de ano e picos a minha vida deu uma reviravolta. Mais trabalho. Muito trabalho novo em cima do muito trabalho velho. Pensei que era coisa temporária, uma espécie de missão. Mas ainda dura e não faço ideia de quando acabará. Um excesso de trabalho que, anos atrás, jamais pensaria que, a esta altura do campeonato, tombasse desta forma sobre mim.

Lembro-me bem que, teria eu uns vinte e tal ou trinta anos -- e muito longe dessas minudências que dão pelo nome de pensão de reforma, penalidades por reforma antecipada e etc -- e imaginava-me a chegar à ternura dos quarentas já a equacionar mandar o trabalho das 9 às 5 às urtigas, dedicando-me, pouco depois, ao lado mais lúdico da minha existência. Pensava: no máximo, aos cinquenta despeço-me e vou ser presidente de uma autarquia.

Já o contei. O meu marido era amigo do presidente de um partido e, um dia, contou-lhe dessa minha excentricidade. O outro encarou a coisa com normalidade e disse-lhe: 'Ela que venha falar comigo'.  Para o meu marido a minha opção era natural tal como natural a disponibilidade do outro. No entanto, ao saber disso, desisti da ideia. Queria ser presidente de câmara mas sem ter que me misturar com partidos. Sou livre, intrinsecamente livre, e não consigo imaginar-me de outra maneira. Naquele dia percebi que me tinha esquecido de um factor determinante e que, de facto, era condicionante: ser presidente de câmara sem campanha eleitoral e sem apoios partidários é coisa que não existe. Como condições e compromissos com partidos era coisa a que não quereria alguma vez sujeitar-me, aquela minha vocação ficou por ali (embora, confesso, continue a sentir uma certa apetência por isso).
Pensei, então, vir a dedicar-me, um dia mais tarde, a outras actividades. Mas, enquanto vou e não vou pensando em quais, o tempo vai passando. Um alvo em movimento e eu que não estou a ir para mais nova.


E o trabalho caindo sobre mim, imparavelmente.
Gostava de conseguir chegar a sexta-feira à tarde e decidir sair mais cedo: 'olhem, já dei para este peditório, depois de almoço vou para casa dormir a sesta e depois logo se vê, ou vou ao cinema ou vou passear, aqui é que não me apanham'. Mas qual quê. Ou gostava de, de vez em quando, decidir que naquele dia apenas iria trabalhar de tarde, ficar no quentinho dos lençóis até às dez, depois ficar a fazer arrumações nas calminhas, almoçar devagarinho e, então sim, ir trabalhar lá para as três. 
Comecei a trabalhar aos vinte anos e penso que já deveria ter direito a um regime mais ligeiro. Mas isto não é como a gente quer. Há as circunstâncias. Se eu não for trabalhar durante uma manhã ou uma tarde ninguém me dirá nada pois, felizmente, ninguém me controla a esse nível. Mas o trabalho que se acumularia dificultar-me-ia ainda mais a vida no dia seguinte e, para além disso, há o exemplo e o sentido de responsabilidade.


Portanto, dia após dia, vejo o tempo a passar e eu agarrada a uma realidade que não me dá tréguas. E, para os meus Leitores que moram e trabalham em terras com pouco trânsito, talvez a praga do trânsito nem seja tema. Mas, para quem anda por Lisboa, horas fechada no carro no pára-arranca,  isto são anos de vida.

Esta sexta-feira consegui ter dez minutos livres depois do almocinho que foi bom e em boa companhia. Nesses minutinhos fui espreitar as promoções de uma livraria. Vim de lá com dois livros, 'Alguns preferem urtigas' de Junichiró Tanizaki e 'Homem na escuridão' de Paul Auster. Gastei 12€ e vim de lá toda contente. Estão aqui ao meu lado. E a vontade com que estou para lhes deitar a mão. Só que, com o sono com que estou, se lhes pego, logo farei conchinha com eles e, passados uns instantes, estarei nos braços de morfeu. Vou levá-los para ler in heaven quando estiver embrulhadinha, sentindo o calorzinho da salamandra.

Entretanto, vejo que os portugueses endoidaram para arranjar bilhete para os U2 e que, não sei onde, se esgatanharem para apanhar frascos de nutella (coisa que nunca provei mas que é capaz de ser boa). Realidades que me passaram ao lado e que, mesmo que tivesse chocado com elas de frente, me teriam feito desviar: fazer filas de horas ou dias para um bilhete ou andar à tareia com alguém por um frasco de nutella parece-me uma forma estranha de usar o tempo ou parecem-me objectivos de vida um pouco bizarros.

 [Pausa]


Mas, enfim, é sábado. Já pus a roupa a lavar e, enquanto a máquina ali está a andar às voltas, vim acabar este post que comecei ontem à noite mas que ficou a meio, tanto o sono em cima de mim.

Escolhi agora, para o ilustrar, fotografias da vida selvagem. Obtive-as no The Guardian. Estive a ver o que há de novo mas, de tudo, fiquei-me pelas fotografias.

Daqui a nada, vamos pôr-nos a caminho do nosso bocadinho de selva. Temos sempre muito que fazer por lá e isso motiva-nos de uma forma que talvez não seja fácil de perceber por quem não está nem aí. Andar a limpar caminhos, a desbastar arbustos ou a podar árvores, sentir o friozinho húmido dos campos, ouvir os pássaros, sentir os cheiros frescos e saudáveis de tudo aquilo, ver o gatinho branco a olhar para mim -- são, para mim, momentos bons da minha vida. Para mim a felicidade não é apenas uma nostalgia do passado: tenho a sorte de conseguir senti-la enquanto a vivo. E posso dizer sem dúvidas que me sinto feliz por partilhar a minha insignificante existência com coisas assim que, para mim, são puro encanto.


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E queiram, por favor, descer até ao post seguinte onde poderão ver um presente que um Leitor me enviou. Chamei ao post Moad e perceberão porquê.

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