segunda-feira, novembro 13, 2017

Sobre o drama do jantar do Web Summit no Panteão...?
Falo nisso, sim senhores, mas falo também de uma política feita por betos e timoratos e de um jornalismo de meia tigela feito por papagaios e santinhos





Começo por dizer que nunca fui ao Panteão. Não é por nada, é só porque, se calhar, ainda não calhou. Ou melhor, não. Acho que deve ser porque sinto uma certa falta de chamamento por parte de lugares assim. Não curto. Há quem goste de cemitérios, castelos assombrados, e se pele por andar a ver jazigos e tal e coisa. Eu não. Tenho ideia que o único em que não me senti um bocado a atirar para o incomodado foi naquele tão bonito e arejado na Normandia, o cemitério dos aliados, um relvado imenso com cruzes brancas e o mar ali tão perto. Mas, tirando isso, passo bem sem andar por lugares assim, onde há por lá gente que já foi um ar que se lhe deu. 


Sei que quem está no nosso Panteão é gente a quem o país deve bastante -- embora antes fosse uma coisa mais reverencial e agora, tendo sido aberto a futebolistas e fadistas, a coisa tenha dado uma guinada para o lado mais popular da reverência. Mas sem drama, a mim tanto me dá tanto já que quem lá está não protesta e, como também não vou lá, acaba por me dar igual.


Dito isto: não me choca que os monumentos sejam usados para eventos desde que, os que os usam paguem bem, não estraguem nada, deixem tudo limpinho, não prejudiquem a normal utilização dos espaços e não pratiquem, lá, actos que atentem contra a dignidade do lugar. Por exemplo, fazer no Panteão um festa do Halloween, andando por lá aos gritinhos, a pregar sustos e partidas, vestidos de bruxas e fantasmas, parecer-me-ia coisa um bocadinho atrevida. Mas isso sou eu. Na volta, os mortos também não se ralavam nada com isso.


Mais. Como disclaimer devo dizer que já participei numa cena no Palácio de Queluz, noutra no Museu do Azulejo e provavelmente noutros lugares do género -- e gostei. E acho muito bem que o Estado obtenha receitas fáceis para melhor conservar o seu património. Mil vezes isso do que os monumentos não poderem ser restaurados ou, então, por falta de pessoal, fechem aos dias feriados ou que, no verão, não fiquem abertos até às dez da noite. Por exemplo.


Deverei, contudo, dizer que, se me convidassem para um jantar no Panteão, acharia uma coisa de um certo mau gosto mas, do que ouvi, não foi no meio dos túmulos e, às tantas, quem lá esteve, nem se apercebeu de simbolismo do lugar. 

Resumindo: quem escolheu o lugar revela, cá para mim, alguma falta de bom gosto (o que não me espanta já que acho que aquela fauna que circula em torno do Web Summit me parece meio deslumbrada e a kind of desligada de cenas históricas e filosóficas) mas, de facto, não vejo drama de maior. Melhor: nenhum drama.


Onde vejo mal, mas mesmo mal a sério, é que a malta, como sempre, mal acontece alguma coisa mais fora da caixa, se transforme, de imediato, num grupo coral de beatas e virgens ofendidas. E depois é ver quem se mostra mais indignado, quem fala mais alto, quem põe o ar mais censor. Enjoa-me isso. Mas enjoa-me completamente. Como se não houvesse mais assunto nem maior mal à superfície da terra aí anda meio mundo a pregar contra o sucedido. Uma náusea.

Enjoa-me. Enjoa-me que, sobre uma coisa acertada (foi o Governo do Láparo, sim, mas, no meio da imensa porcaria que fizeram, uma ou outra coisa haveria de se aproveitar), agora andem todos a apontar o dedo uns aos outros. 

E depois os jornalistas, comentadores e demais papagaios...? Tudo, de imediato, quais abutres sobre a carniça, tudo a debicar no tema. Os mortos lá tão sossegados e sem protestar e estes urubus todos a piarem como viúvas negras. Um enjoo. Ainda há pouco. Fiz logo zapping. Um jornalista travestido de comentador com ar de diácono remédios a zurzir na ideia de alugar espaços em monumentos para eventos de natureza não cultural. O que é que aquele badameco sabe de alguma coisa para poder avaliar o que quer que seja? Imaginará ele o orçamento que seria necessário para manter e restaurar todo o nosso património? Saberá ele quanta coisa importante tem que ser deixada de lado por falta de verba? Passar-lhe-á pela cabeça o jeitão que os milhares de euros que se podem averbar numa única noite pode dar para fazer as obras ou pagar ao pessoal para que melhor se possa dignificar o nosso património?



Em vez de fazerem trabalho sério, irem ver como é nos outros países ou de puxarem pela cabeça e verem as vantagens e desvantagens das medidas, não senhor, é tudo a saltar a pés juntos sobre a coisa. Um enjoo de pseudo-jornalismo.

Com políticos e jornalistas destes nunca mais o país sai da parvónia. Tudo preso ao politicamente correcto, tudo uns atadinhos da cabeça aos pés. Um bafio, credo.

E digo políticos porque, regra geral (ou seja, salvo raras excepções), na craveira e no comportamento,  andam a par dos jornalistas. Aliás, parece que vivem a medir palavras para ver se não caem no goto de algum avençado feito jornalista ou comentador. Ou meio tolos ou meio cobardolas. Uma saturação, isto. É que, que eu tenha visto, não apareceu um político que os tenha no sítio e tenha ousado ir contra a corrente. Tudo a pregar contra, tudo indignado face ao dramalhão.

Gaita. Isso, sim, chateia-me.

Agora que os geeks, os late yuppies e alguns putativos empresários tenham ido papar um jantareco no meio do Panteão isso não me chateia nada. Nada mesmo.


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Imagens de: 

Panteão Nacional, Palácio de Queluz, Mosteiro dos Jerónimos, Museu do Azulejo, Palácio da Ajuda


Propositadamente, o Space Oddity, não tem lá muito a ver com a grandiosidade e simbolismo dos monumentos que aqui se mostram -- mas também não lhes faz dói-dói.

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