domingo, outubro 29, 2017

Livros e coisinhas na minha linda estante às ondinhas





Há algum tempo que não arrumo os livros em estantes. Os que lá estão são de outras eras. De entre as estantes, tenho algumas que são mais antigas. De entre elas, a minha preferida. Um móvel envidraçado, curvo. Em baixo é fechado com portas de madeira curvas. Em cima as portas de vidro são também curvas. Quando há cerca de vinte anos mudámos de casa, tive pavor que as portas se partissem. Afinal não foi na mudança mas num dia em que a porta estava presa, talvez um pouco empenada, que um dos vidros rachou. Não descobri quem fizesse cá um igual. Teria que vir de Itália e teria que enviar desenhos com medições precisas. E ficava tão caro que desisti. Um dia tive lá um moldavo a fazer uns arranjos que me disse que havia uma cola que disfarçava. Deixei-o fazer e ficou bem melhor.


Nas prateleiras dessa estante, aproveito a parte curva para colocar as minhas preciosidades. Coisas com algum valor, muitas vezes valor estimativo, ou simples bugigangas a que acho graça. Foi referindo-se a estes móveis que o mais crescido disse ao irmão e ao primo: cuidado, não mexam, não partam nada do museu da Tá. Meu menino querido. Deixou-me pensativa e comovida. O meu marido, volta e meia, diz: coitados dos putos, um dia que tenham que se ver livres disto, não vão dar conta de tanta tralha. 


Nem quero pensar nisso. Quando penso, ocorre-me que, para ninguém passar por esse tormento, o melhor era transformar a casa em 'Casa-Museu da Tá', abri-la ao público, biblioteca mantida por voluntários, residência de artistas, sei lá, qualquer coisa que se mantivesse por si. Não queria que coisas que a mim me dão prazer possam, um dia, transformar-se num pesadelo para os que as herdarem.


Mas reconheço: esta de que hoje vos mostro algumas imagens e outras das minhas estantes são um mundo. Há caixas e caixinhas de toda a espécie e feitio -- caixinhas de porcelana, de madeira, de madrepérola, de vidro, caixinhas de música -- e saleiros, ampulhetas onde o tempo é areia e outras onde é líquido e uma que é apenas metade mas que, apesar disso, conservo, e máscaras, bonecas, gaivotas, flores delicadas, jarrinhas, vidrinhos de murano, estatuetas, relógios, lupas, anjinhos de algodão, cunhos e preciosidades que só eu sei. Há de tudo.


Ainda não resolvi o grande dilema sobre o que fazer aos livros que ainda não li. Se os arrumo, parece que lhes perco o rumo. Mesmo tendo as estantes por 'literatura portuguesa', 'literatura brasileira', etc, etc, etc, ou 'poesia', 'biografias', etc, etc, e, em cada uma, por ordem alfabética, parece que o que lá caia, logo se dissolve.

Portanto, comecei por ter uma estante grande para os não lidos. Como se encheu, arranjei mais outra. Agora estão também sobre um sofá, sobre as estantes baixas, sobre a mesa redonda, sobre duas cadeiras, num cesto largo ao lado do sofá. Não sei como gerir esta questão. Aqui in heaven a situação está mais controlada já que não trago para cá os novos. Nas estantes embutidas na parede do corredor estão os russos e as obras completas dos grandes americanos. Nuns móveis muito bonitos que o meu pai fez (depois de se reformar descobriu o jeito para fazer pequenos móveis de madeira, jeito que, naturalmente, aproveitei), tenho livros de fotografia e de pintura. Nas estantes desta sala estão alguns livros de arquitectura e algumas obras soltas que por cá foram ficando.


Quando andei a fotografar a estante às ondas, fotografei uma outra, mas aí os bonecos que lá tenho são de outra natureza. Não coloco aqui porque destoariam, acho eu. Farei com eles um outro post.

De qualquer modo, também já é bastante tarde. Fico-me, pois, por aqui.

Já mudou a hora. De vez em quando, ousamos fazer isto ao tempo: encurtamo-lo, estendemo-lo. Agora recuámo-lo. Menos mal, o dia é maior.

Como se fizesse sentir manipular o relógio da vida... como se o tempo fosse algo que pudéssemos aprisionar numa ampola de vidro... Não podemos.
Podemos apenas fazer de conta que sim. Mas não faz mal. Nesta nossa vida frágil e passageira todas as ilusões nos devem ser permitidas desde que inocentes e bondosas.

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