Glimpse Of A Lynx by Laura Albiac Vilas, Spain |
Ando há anos, e nem sei dizer já há quantos, a pensar que um dia hei-de arranjar coragem para aqui falar da minha cãzinha querida sem desatar a chorar. Ainda não será hoje. Só um breve apontamento e, de resto, já não novidade aqui.
Como já o contei, veio viver connosco com cerca de dois meses e aqui se manteve, menina querida e muito amada, até quase fazer treze anos.
Era uma boxer cor de mel, olhos doces, doces. O que me afeiçoei a ela não saberei jamais traduzir em palavras. Da alegria dela quando me via e do afecto que trocávamos, eu abraçada a ela e ela a mim, dificilmente eu poderei falar. Do que ela me entendia, da forma como inclinava a cabeça para melhor perceber o que eu lhe pedia, da forma como também se exprimia e que eu tão bem compreendia, não conseguirei transmitir a verdadeira dimensão. Inteligente, assertiva, compreensiva, meiga.
O mundo devia ser perfeito e deixar que estivessem junto de nós aqueles que mais amamos. Não bastam palavras, não bastam as memórias e a doçura da saudade. Não. Para sermos verdadeiramente completos, devia ser possível que, sem molestar o equilíbrio restante, tivessemos fisicamente junto de nós aqueles que sabem olhar-nos com amor, aqueles a quem queremos olhar com amor, aqueles que nos percebem mesmo sem palavras, aqueles que sempre nos acompanhariam amorosamente, incondicionalmente. Mas é sabido: o mundo em que vivemos é imperfeito.
Saved But Caged by Steve Winter, US |
O olhar, tão humano, da minha cãzinha existe ainda na minha memória. E o último olhar que me dirigiu, tão humano, ainda hoje me entristece. Tão cobarde, eu. Tão humana, ela.
O nome dela, registado na caderneta era um, o nome que lhe chamávamos era outro e eu, nos meus arroubos de ternura, tratava-a por Nhu-Nhu. Podia também, por vezes, tratá-la por Nhunhucas. Mas, tratasse-a eu como tratasse, ela sabia sempre quando era com ela que eu falava. Quando existe tão genuíno afecto, as palavras pouco importam.
O nome dela, registado na caderneta era um, o nome que lhe chamávamos era outro e eu, nos meus arroubos de ternura, tratava-a por Nhu-Nhu. Podia também, por vezes, tratá-la por Nhunhucas. Mas, tratasse-a eu como tratasse, ela sabia sempre quando era com ela que eu falava. Quando existe tão genuíno afecto, as palavras pouco importam.
Não. Não é verdade. As palavras importam. Muito. São o elo de ligação, são a parte do nosso coração que entregamos aos outros.
Não sei se era porque tanto nos gostávamos, se era porque sim, porque não podia ser de outra forma, o que sei é que entre mim e ela sempre houve uma compreensão mútua muito humana. Ou muito animal -- não o sei dizer. Uma sobre-humana gentileza mútua. Não sei explicar. Faltam-me as palavras. Sobra-me a saudade e o amor.
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Apeteceu-me escrever isto ao ver o olhar dos três animais selvagens que aqui mostro, um olhar não 'humano' no sentido em que me referi ao falar do olhar doce da minha Nhunhucas, mas, ainda assim, humano.
São, tal como no post abaixo, algumas das fotografias escolhidas pelo Natural History Museum of London
Bold Eagle by Klaus Nigge, Germany |
Lá em cima Ute Lemper interpreta Les feuilles mortes
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