O mundo em que vivo é quase perfeito. Ao que não me agrada eu fecho os olhos, do que não tem a ver comigo eu guardo distância, do que me assusta eu fujo, do que me fere eu protejo-me.
Contudo, há situações em que a realidade -- imperfeita, irracional, maldosa, vulgar -- vem ter connosco. Nessas alturas eu encolho-me, tento fazer-me de invisível, tento resguardar-me. Mas nem sempre é possível e, de uma maneira ou de outra, alguns salpicos chegam até mim. Animo-me, tento acreditar que logo, logo, eu vou poder regressar ao meu mundo e aí ficar sossegada, sem fazer mal a ninguém, resguardada, livre de desconfortos ou sustos. Mas não sou nem mais nem menos do que toda a gente e pena, pena, é que o mundo não tenha cuidado de anular as maneiras de ser mais virulentas por forma a que a vida fosse melhor para todos.
Leio algumas notícias e fico aflita. Aquela notícia de Maëlys de Araújo, a menina de 9 anos que estava numa festa de casamento em França e que, desde essa altura, ficou desaparecida, incomoda-me. Leio que desconfiam de um homem que já teve episódios de violência sexual com menores e que já confessou que teve a menuina no carro. O que me custa ler este tipo de notícias nem consigo dizer-vos. Quanta loucura e maldade para alguém molestar uma menina de 9 anos... Leio que o tal suspeito, entretanto, terá lavado e vendido esse carro. Assusto-me quase como se se tratasse de uma menina minha conhecida. Mas qualquer criança que sofra me faz sofrer. O que uma criança pode sofrer às mãos de um tarado é coisa que me apavora.
Há bocado, durante pouco tempo, vi um programa na RTP 1. Falava da Casa das Mães e ouvi uma jovem, já com um filho, falar que, quando engravidou, a mãe quis que ela abortasse porque o pai da criança era negro. E, a seguir, pobrezinha, foi expulsa de casa pelo padastro, diz que ficou na escada, sem ter para onde ir. Foi a escola que sinalizou a situação e a encaminhou. Pior: conta que não quer voltar para o ex-namorado porque ele lhe batia e que, quando soube que ela estava grávida, a esmurrou na barriga. E, do que percebi, a jovem não quer sair da Casa que a abriga, tem medos indefinidos. Mas como não os ter? Coitada, mil vezes coitada. Em que casa desestruturada vivia ela antes para ser expulsa de casa, grávida, e para aceitar namorar um rapaz que a agredia? Que violência é esta que se inflige a outros e que esses outros aceitam...? Que vidas tão tristes são estas...?
Não sei o que podemos nós fazer, os felizes desta vida, os que cultivamos vidas perfeitas como quem cultiva rosas raras, para ajudar a impedir situações destas. Tenho a sensação que será como estar á beira mar, com as mãos abertas, a querer impedir o movimento das marés. Mas, ainda assim, talvez valha a pena, de vez em quando, abrir uma janela e espreitar o mundo imperfeito que existe lá fora. Nem que seja para que mais pessoas, como eu, pensem um pouco nisto e vejam se, de algua maneira, podem ajudar.
Não é só em África ou em lugares recônditos que as meninas são tratadas como escravas, como objectos, como pequenos-nadas. E que fosse. Não é só o que se passa junto a nós que deve assustar-nos. Embora, dada a nossa vida curta e o curto alcance das nossas vontades, seja compreensível que o nosso raio de atenção seja também curto.
A campanha que abaixo se mostra mostra uma menina de 12 anos grávida, uma situação real. A linha de moda é ficcional mas a situação para a qual se pretende chamar a atenção é bem verdadeira.
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E queiram continuar a descer, caso vos apeteça, voltar já, já, para um mundo feliz, sem mácula.
The One em duo.
The One em duo.
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