quarta-feira, agosto 02, 2017

Karl Ove Knausgård e eu respondemos ao Questionário de Proust





Ao longo do dia, volta e meia, sobe-me uma vontade insubtil de escrever. Nunca é nada de definido. Não sei sobre o quê. O que sinto é uma sensação interior, como que uma onda de emoção que, tivesse eu um teclado à mão, haveria de traduzir-se num auspicioso fluxo de palavras.

Hoje, passando num avenida de Lisboa cheia de gente de diferentes proveniências, a luz belíssima, um piano na antena 2, eu sem pressa, a gostar de, naquele momento, por ali estar a passar -- e só me apetecia parar, inventar histórias ou descobrir dentro de mim memórias desconhecidas, feitas de palavras elegantes e suaves.

Mas a ocasião nunca me proporciona as condições, a inspiração fica-se pelo caminho e, quando aqui chego, quase sempre a contrariar o sono e dividida entre deixar as mãos vaguearem pelo teclado ou estender-me no sofá a ler, já estou conformada com a ideia de que toda a vida hei-de sofrer com este desencontro.
E claro que isto de sofrer é uma figura de estilo porque este meu sofrimento é mais literário do que físico ou metafísico e só dura enquanto escrevo a palavra sofrimento.
Bem. Seja como for, a verdade é que chego aqui e o que sinto é preguiça. Ponho-me na flutuação e vou dar onde calhar. Desta vez, o algoritmo da google veio outra vez pôr-me o Karl Ove Knausgård debaixo do nariz, servido numa bandeja. Olho para ele e acho-lhe uma certa piada; capaz até de engraçar com o gentil homem se mo pusessem, em carne o osso, à frente. O que ainda não calhou foi trazer um livro dele para casa. Ainda hoje estive a ponderar e, como nas vezes anteriores, a coisa não seduziu aquele qb que é indispensável. Muito peso. Prefiro a leveza. Por acaso hoje até trouxe um tijolo mas é daqueles que tem uma suculenta prosa e desvenda memórias que me saberão bem, disso tenho eu a certeza. E trouxe um mais pequeno e que só de tê-lo aqui ao meu lado já me sinto feliz. Logo digo. Amanhã tiro uma fotografias aos meus companheiros de sofá. Agora não me apetece ir buscar a máquina. Há bocado estive a fotografar o rio e as luzes que começavam a aparecer. Lindo, lindo, este meu rio, sempre a embelezar-me as janelas e a vida.


Bem, dizia eu que. Como o algoritmo não é burro, veio-me com um flavour que, sabido seria, me iria aguçar o apetite. Puseram o bom do Karl a responder ao Questionário de Proust, essa pepineira a que tenho uma certa em dificuldade em resistir quando é posta no prato de uma pessoa inteligente. No fundo, no fundo, acho que é mais por cusquice do que outra coisa. Gosto de fazer perguntas e nem é tanto as respostas, é mais a forma como vêm as respostas. Não sei explicar bem. Ponham-me um desconhecido à frente e eu desato a fazer-lhe perguntas. A um conhecido, então, nem se fala.

Já uma vez aqui respondi, eu, a um questionário de Proust. Nem vou ver as respostas porque agora me apetece responder outra vez e não quero deixar-me influenciar mais do que já o fui pelo Karl.

(De resto, acho as perguntas tão fluidas que, no fundo, tenho ideia que, consoante a pessoa que tivesse à minha frente a fazer-me as perguntas, assim responderia eu. Mais: vou mudando, as respostas seriam as mesmas ao longo dos tempos -- até porque detesto a constância).

Mas vamos lá.


1 - Qual o principal aspecto da minha personalidade?
A curiosidade, a franqueza, a inteireza, o sentido de humor, a ausência de medo. Podia acrescentar mais uns quantos mas, como era para dizer só, um tenho que ser moderada. Além do mais, se ele pôde dizer vários, em que é que eu sou menos que ele?

2 - Qual a qualidade que mais aprecio num homem?
Pergunta dúbia. Num homem em que sentido? Admitindo que é no sentido homem-homem aprecio que seja inteligente, que tenha um bom carácter, que tenha sentido de humor. E, vendo bem, a resposta vale para todos os sentidos.

3 - Qual a qualidade que mais aprecio numa mulher?
Bem. Aqui o sentido é mais estrito. A resposta já vai num comprimento de onda um pouco diferente. Numa mulher aprecio que seja forte mas não machona, feminina mas não mulherzinha, alegre sem ser aérea ou palerma, livre sem ser destrambelhada, boa onda sem ser dada a clichés.

4 - O que é que eu aprecio mais nos meus amigos?
Gosto que sejam boa gente, boa onda, simples, que não sejam burros nem sentenciosos nem parvos. E que sejam bons amigos, que se mantenham amigos ao longo dos tempos.

5 - Qual o meu maior defeito?
Não consigo impedir-me de dizer algumas coisas, mesmo sabendo de antemão que vai dar m.., incluindo para o meu lado. Na verdade, na maior parte das vezes, estou a marimbar-me para as consequências. Outro é escrever posts longos demais. Outro é não ligar nenhuma aos bons conselhos. Outro é pelar-me por pechinchas nos saldos. E mais alguns e todos 'maiores' -- para não dizer capitais.

6 - A minha ocupação preferida?
Presumo que seja ocupação a fazer coisas e não no sentido de, simplesmente, ocupar o tempo a estar (porque se fosse, a resposta envolveria os meus meninos, sejam os crescidos, sejam os pequeninos). A fazer coisas: passear e fotografar, escrever, ler, pintar, cozinhar, podar árvores, varrer. Etc.

7 - O meu sonho de felicidade?
Ter tempo para descansar, para passear, para estar mais com os meus, para ler, para escrever, para cozinhar, para podar árvores, para varrer, ligar a televisão e não ver comentadores de 5ª categoria, abrir os jornais e ver notícias de descobertas, de arte, de gestos solidários ou corajosos, poder conviver mais com gente diferente. Etc.

8 - Qual seria o meu maior infortúnio?
Bem. Vou admitir que não é uma pergunta profunda e, portanto, vou passar ao lado do que seriam os verdadeiros infortúnios. E, nesta perspectiva, na levezinha, um grande infortúnio seria o ter que passar uma tarde com uma certa blogger que, do que lhe leio, deve ser tóxica à beça. Ou ser obrigada a ouvir um Governo Sombra inteiro. Ou estar ao pé da Judite Sousa num daqueles dias em que aparece vestida de flausina desmiolada e não me poder rir. Ou ter que estar tête a tête com o Marques Mendes e não poder mandá-lo ir dar banho ao cão. Ou ter que participar numa reunião do PSD em que estivessem o Láparo, a Pinókia, o Hugalex, a Leal ao Coelho e o Carlos Abreu Amorim. Ou ser obrigada a ler um livro inteiro do Valter Hugo Mãe e, depois, para castigo, ainda ter que estar a ouvi-lo ao vivo, a confidenciar muitas coisas, entre as quais que gostava de ter um filho. Ou ter que ir para a rua sem brincos. E etc.

9 - O que é que eu gostava de ser?
Arquitecta. Psiquiatra. Bailarina. Viajante. Curadora. Realizadora. Presidente de uma Câmara. E etc.

10 - O país em que eu gostava de viver?
Portugal. (Resposta única, inequívoca, irrevogável). 

11 - A minha cor preferida?
Encarnado. Encarnado-rubro. Encarnado-tinto. Encarnado-fogo. Encarnado-alma. Mas também amarelo-luz. E azul de todas as cores (turquesa, submarino, profundo, veludo, céu, mar). E branco. Branco puro. Branco absoluto, silencioso.  

12 - A flor de que mais gosto?
A rosa. La rose. Ou a flor da madressilva. Ou o lírio do campo. Ou o amor-perfeito. Ou os brincos-de-princesa.   

13 - O pássaro de que mas gosto?
A gaivota. A águia. A cegonha. O pardal. O papagaio mal-falante.  

14 - Os autores de prosa que prefiro?
Difícil. Tantos. Tarefa quase impossível. Agustina nas prosas soltas. Saramago no Ensaio sobre a Cegueira. Raul Brandão nas Memórias. John Williams. 
Não posso continuar. Para ser rigorosa teria que recuar no tempo, teria que me espraiar no planeta. Não é possível responder com rigor citando apenas meia dúzia. Não liguem, pois, ao que escrevi porque não faz sentido referir só aqueles.

15 - Os meus poetas preferidos?
Idem. Mas vá lá, uma para não parecer que estou a fugir à questão: Maria Teresa Horta.

16 - Os meus heróis e heroínas na ficção?
Sei lá... Tantos. Tantos e nenhuns. Mais certo é serem nenhuns. Mas pronto. Lá vai. Talvez a Marquise Isabelle de Merteuil. Talvez Lady Chatterley. Talvez Harry Haller. Talvez Miller. Ou a mulher do médico no Ensaio sobre a Cegueira. Ou Murphy. Mas sei lá. Tantos que poderia referir. Perguntas deste tipo são redutoras. Não se fazem.

17 - Os meus compositores preferidos?
Outra que tal. Tantos, caraças. Arvo Pärt, Mozart, Bach, Satie, Cohen. Não vou continuar. Impossível. Ou separava a resposta por género ou por épocas. Assim, impossível. 
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18 - Os meus blogs preferidos?
Uiiii. Pergunta sensível que acabei de inventar. E também não vou responder. Apenas posso adiantar que se encontram entre os 'Frescos e Bons' que estão na galeria aí ao lado. Mas pode haver mais um ou outro que, por algum motivo, aí não constam. Também há os que pararam no tempo e que, por isso, também deixaram de constar, ou outros a quem o autor tirou do ar. Mas há belíssimos blogs, lugares onde se escreve muito bem ou onde se podem ver belas imagens ou ouvir belas músicas. Podia referir alguns, estou com vontade disso mas, já me conhecem, sou toda dada a pudores. Reservo a minha opinião para uma ocasião em que esteja mais nem aí.

19 - Mais uma?
Não. Já chega. Não chega?
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Karl Ove Knausgård responde ao Questionário de Proust



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As duas fotografias são algumas das finalistas do concurso EyeEm
Yiruma interpreta Loanna

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E um dia muito bom a todos quantos me acompanham.

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