sábado, outubro 08, 2016

Terão todos os anjos
o vício

da queda?






As asas dele amparam-na
quando imagina cair
pela senda da vertigem

envolta em neblinas
onde ela
sempre se abriga

E ele então a conquista

sem pressa estendendo
a mão
entre o sonho e a desgraça

Primeiro tira-lhe o manto
e depois, a vacilar,
devagar despe-lhe o fato

Perdimento e desacato



Subitamente
                    ela hesita

Diante do próprio corpo
que passa a ser
                       heresia

entre a fita da cintura
e a camisa que tira

É uma pequena bolsa
de desassossego
a sua mão fechada em torno da haste

do lírio

que pouco a pouco
nela pousa. E o seu corpo
irá transformar-se

                                                    numa rútila rosa


Ele vai enumerando
as tentações
em que ambos sempre caem

entre o mal e o pecado
a nudez e o desejo
o beijo e o abraço

o prazer em que
se cumprem
e o gosto do recomeço

os corpos ondre entretecem
a paixão e o segredo
entre a luz e o orgasmo

chegando à raiz do medo





Até me procurares 
nem dava conta
da minha vontade insatisfeita

dos desejos imprecisos

Por vezes é necessário
um anjo ou um poeta

para nomear
a perdição dos sentidos





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A Anunciação


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Ave Maria, schubert interpretada por Barbara Bonney
Anunciações, Maria Teresa Horta
A anunciação, coreografia de Jelena Lebedeva & Olga Rudiakėvič-Steponkienė
Maria é Lily Cole e o Arcanjo Gabriel, em duas versões, não sei quem é.

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4 comentários:

Rosa Pinto disse...

É capaz. Há um ditado que diz: um anjo tem sempre um mão a amparar. Bom.. não é bem assim...

Por falar em anjos!!!!
Quero enviar os parabéns a um anjo que hoje faz mais um aninho. Que conte muitos mais ... até ao infinito. Um valente beijo (santo). Isto é porque estou contente com aquela cena da ONU.

Bom sábado.

bea disse...

Se não se importa, JM, passo à frente na pergunta; é que não sei nada de anjos a sério, os que conheci eram humanos qb e caíam quando entendiam ou lhes calhava a vez, não tinham asas senão as da imaginação e do amor aos outros. E não devem servir à questão.

A primeira vez que ouvi tocar e cantar esta Ave Maria foi no fecho de uma festa religiosa. Inusitado encantamento. Desconhecia a origem, o nome, tudo. Pareceu-me prodígio da própria música aquela voz pura e inesperada a elevar-se abóbada fora. Olhava incrédula as mãos no piano enquanto o conjunto indissolúvel do mover de dedos e vibrações vocais nos retirava do lugar. Longe. Tão longe do peso de sermos humanos.
E quantos anos passaram até que desse nome a esta bem aventurança de Schubert!...

Maria Teresa Horta chega a ser admirável, porque, que me lembre é a única mulher portuguesa que consegue cantar o amor com corpo, claramente e em poesia. Gosto de lê-la. Tenho mesmo um livro de poemas dela. Em meu parco entendimento, perde-se o rumor poético se a lemos de enfiada. É bastante monocrónica.
O último vídeo ainda não vi.

Um Jeito Manso disse...

Olá Rosa Pinto,

Daqui seguem mais beijinhos para o destinatário do seu.

E aquilo lá da ONU é animador e ainda mais será se o homem conseguir dar a volta àquele atraso de vida da ONU que parece que pode o céu desabar cheio de bombas em cima de inocentes que não há reacção atempada e eficaz.

Haja esperança. E que os anjos não nos faltem.

Um abraço, Rosa Pinto!

Um Jeito Manso disse...

Ena, bea, que belo texto aqui escreveu! Muito bonito, muito bom!

Já o li algumas vezes. Bela escrita, bea. Faça o favor de se deixar de comentários minimalistas e passar a escrever sempre assim para a gente se deleitar.

Um abraço, bea!