terça-feira, outubro 11, 2016

Taxi versus Uber
[E o que ainda está por vir]


Declaração de desinteresses

Raramente ando de taxi e de uber nunca andei. 
Por isso, sendo a minha opinião completamente desinformada, não vou formular comparações. 


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Começo com um breve apontamento de memória. Uma vez a minha filha era miúda e eu ia ao médico com ela, na Baixa. Apanhámos um táxi. Ela teve um ataque agudo de soluços e, então, ríamos as duas que nos fartávamos. O taxista perguntava qualquer coisa e, quando eu ia responder, soltava-se dela um sonoro soluço e eu, maria parva, desatava a rir sem conseguir falar. O homem já não sabia o que havia de fazer. Devia querer saber onde exactamente nos devia deixar e nós as duas naquilo.
O meu filho também lá devia estar e devia estar envergonhado com as nossas figuras. Nessas alturas ficava constrangido com a nossa dificuldade em controlarmos o riso perante desconhecidos. O meu marido felizmente não estava. Aliás, se estivesse, não teria sido preciso irmos de taxi. Eu é que, naquela altura, com as dificuldades em estacionar, não me aventurava a ir de carro e com os miúdos para lá. 
E o pobre taxista, pacientemente, lá ia tentando que a coisa acalmasse e alguém lhe respondesse.
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Tenho ideia que os taxis são carros antigos e os taxistas pessoas relativamente humildes. Tenho ideia que, em geral, não conhecem etiquetas, que não lhes ocorre ter algumas deferências para com os clientes. Vendo-os, percebe-se. Imagino que não ganhem muito e, portanto, admito que não lhes seja fácil trocar de carro. Muitas vezes, a profissão de taxista era um complemento de outra profissão igualmente humilde. Por tudo isto, respeito a profissão de taxista e imagino os riscos que correm quando fazem alguns percursos.

Sendo, muitas vezes, uma profissão que exercem a título individual e dadas as circunstâncias, parece-me compreensível que não tenham sabido modernizar-se. Já as grandes cooperativas poderiam tê-lo feito mas, sem concorrência, não houve motivação. As coisas são o que são.

O drama deles foi que a concorrência veio de onde não se esperava: não de uma empresa de carros mas de uma plataforma informática. O mundo mudou e para algumas profissões mudou de forma radical. Não deve ser fácil para eles, de repente, verem a concorrência por parte de carros novinhos, com ar condicionado, conduzidos por pessoas cheias de nove horas, com mordomias como carregadores de telemóveis, chocolatinhos, facturas electrónicas (como ouvi na TSF).

Não sou, pois, capaz de dizer mal dos taxistas porque compreendo que uma onda lhes passou por cima e que, sem grande preparação para nadarem nestes novos e alterosos mares, tentam desesperadamente sobreviver num mundo que já não é o deles.

Penso que, para melhor tentarem aguentar-se, deveriam organizar-se mas de uma maneira diferente, não numa de 'mata e esfola' mas numa de 'precisamos de ajuda', juntarem-se para investirem talvez conjuntamente, modernizarem-se com algum apoio de quem conhece outros mundos, perceberem que o tempo nunca anda para trás e que a história está cheia de espécies que, por não saberem adaptar-se, pereceram e de empresas que, porque a revolução as derrotou, num ápice soçobraram. 

Entretanto, li que a Uber já está a ensaiar os carros sem condutor (que é uma das grandes tendências tecnológicas) pelo que, não tenhamos dúvidas, estamos apenas na infância do que está por vir.



Por isso, os riscos para quem faz da condução a sua profissão são mais do que muitos -- e a sociedade melhor faria em unir-se para ajudar os profissionais das profissões em risco, não apenas estas mas várias outras.

Que alguns taxistas são uns broncos detestáveis é um facto. Mas broncos há-os em todas as profissões. Nem preciso de ir muito longe. Bem pode o Marcelo vir agora puxar-lhe o lustro que a nossa memória não é a de um gafanhoto: o Cavaco é um bronco e não era taxista, conseguiu chegar a presidente da República.



Vejo na televisão a manifestação e ouço o que dizem os taxistas e tenho pena deles e ouço os comentadeiros a criticarem e a falarem quase com nojo dos taxistas e fico aborrecida. Há quem tenha tanta pressa em cavalgar qualquer onda que nem pára para pensar.

Se, por exemplo, os professores vissem de rebente surgirem escolas em que as aulas eram dadas não por professores mas pela internet e que, para acompanharem os meninos, contratavam gente simpática, disponível e fresca, aplaudiriam? Gostariam de ouvir relatos envolvendo professores saturados, mal dispostos, rezingões, toda a gente a falar deles como se tivessem sarna?

Portanto, acho que, em vez da rejeição colectiva, todos nós deveríamos ser solidários antes de, como de costume, de imediato termos virado justiceiros. E o Governo deveria pensar no assunto e ter uma abordagem mais inclusiva e abrangente desta situação. E acho que a comunicação social, em vez de salivar, a ver se consegue um directo envolvendo ameaças e pancadaria, deveria lançar uma discussão séria sobre profissões ameaçadas ou sobre como sobreviver a revoluções desta natureza. É a vida de muita gente que está em causa. Um dia poderemos ser nós a ver a nossa profissão ameaçada, nós os que agora nos armamos em pequenos lordes desprezando aqueles pobres que desesperadamente (e com pouco discernimeno, concordo) tentam manter uma profissão que se encontra seriamente ameaçada -- talvez, a prazo, bem mais ameaçada do que agora imaginam.


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E queiram continuar a descer caso vos apeteça ver o Stephen Colbert em casa, com o gatinho ao colo, a comentar o segundo debate presidencial.

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3 comentários:

ECD disse...

Lumpen - A palavra lumpen* desde que deixou de "emparceirar" com proletariado [lumpen-proletariado], caiu em desuso, contudo, depois do espectáculo de ontem, aplica-se que nem uma luva aos taxistas!


Nunca utilizei os serviços da Uber e agora raramente ando de táxi. Np passado usava taxi sobretudo para ir e vir do aeroporto. Felizmente tenho metro porta à porta, incluindo agora para o aeroporto. Nunca mais tive de suportar o mau humor do taxista ["anda aqui um dia todo um homem para fazer um serviço para as avenidas novas"], nunca mais tive de suportar os gostos musicais do senhor taxista e não menos importante, no verão, o cheiro a suor!

Anónimo disse...

Esta coisa dos táxis é mais geral e o desenho da "uberização" dos serviços uma crescente tendência. A propósito com todas as plataformas digitais de processamento da informação para que servem as farmácias? (principalmente em meio urbano). A receita é eletrónica e enviada para a nuvem e o doente vai à farmácia fazer o quê? os medicamentos chegam por uma Amazon directamente.

P. disse...

Quer-me parecer que o governo, e o anterior igualmente, deixou que a situação chegasse ao que se assistiu ontem por inação, ao não ter procurado resolver a contento o problema. Nada tenho contra qualquer concorrência, desde que seja leal e todos os intervenientes respeitem as mesmas regras, no caso da Uber, paguem alvarás, Segurança Social, etc. Quanto aos taxistas, as empresas que os controlam e os empregam bem podiam dar-lhes cursos de formação, de como devem tratar um cliente, ou seja, proporcionar-lhes um pouco mais de educação e civismo. Embora, sejamos justos, nem todos precisassem de tal formação. Só tive uma vez e há muitos anos um problema com um taxi, por não lhe ter dado uma gorjeta. Como o homem não se portou à altura, recusei-lhe a dita. E foi um sarilho. Exaltou-se e só não acabámos à bofetada porque entretanto o tipo sacou de uma barra de ferro para me agredir, o que me levou a ir-me embora dali para fora, antes que acabasse com a cabeça rachada. Mas um árvore não faz a floresta, daí que não extravase do que me sucedeu. Creio que o exemplo dado pelo PM, sobre as estações de rádios-piratas, no passado, é uma boa solução para o problema. Essas rádios acabaram e a concorrência hoje é leal. Quanto ao Uber, tenho uma crítica: acho absolutamente lamentável e profundamente criticável que só quem possua determinados TLM os possa chamar! Absurdo! Porque Diabo não os posso contactar através de um simples telefonema, deixando-lhe o meu nº de TLM para me avisarem que estão a chegar? A mim não me interessa pevas de ver no meu TLM se o tipo está a chegar. E depois, porque Diabo não hei-de pagar em “cash”? Ou então por multibanco! Em Londres posso pagar a corrida num táxi normal através de multibanco. Eu jamais irei comprar um TLM com aplicações do raio que parta! O meu apenas serve para receber e enviar chamadas e SMS. E não é uma questão de gerações. Os meus filhos, de trinta e poucos anos, têm idênticos TLM, não querem outros, assim como não estão no Facebook, como muitos dos seus amigos. Agora tenho de ser obrigado a ter uma porra de um TLM mais modernaço para conseguir um táxi Uber? Era mesmo o que faltava! Uma palavra final há malta, conheço uns tantos, que ficam muito impressionados com o facto de os condutores da Uber aparecerem todos compostinhos, de fatinho escuro, gravata preta e camisa branca (toilete tipo António Mexia). Ora a mim isso não me diz nada. Quero é serviço bom e rápido. E que o tipo esteja lavado. Tão só.
P.Rufino