segunda-feira, outubro 31, 2016

O que é que o Mondego tem?


Bem, talvez eu devesse ter restringido a pergunta: o que é que, em Coimbra, o Mondego tem? 

Ao contrário dos rios da minha vida -- o Sado em Setúbal e o Tejo em Lisboa, rios que ali são quase mar, todos eles pressa de se misturarem com o oceano -- o Mondego em Coimbra é um rio que gosta de ser rio, que se entrega à cidade.

Banhado pela luz protegida que já lhe chega coada pelo casario da cidade e pela ondulação dos montes, neste domingo quente de um outono veranil, o Mondego mostrava ser um rio suavíssimo.

Pelas suas margens andei porque, por voltas que dê, é sempre para junto das águas que o meu coração me leva.

As cores das árvores das margens tombam, pesadas de tanto ouro, os caminhos estão atapetados, e, no rio, as pessoas caminham sobre as águas ou deslizam em barquinhos que, vistos de mais longe, parecem de brincar. E os patos convivem com quem passa e um azul sereníssimo banha a paisagem.

Passei o rio pela ponte Pedro e Inês, uma ponte elegante, também tranquila.



Um apontamento. Estava eu na ponte, deliciada, a olhar em todos os sentidos, a fotografar os barquinhos através do colorido dos painéis, a espreitar as casas, as pessoas, o repuxo a meio do rio -- quando vejo, mais à frente, uma cena fantástica. Uma louríssima avultada -- para aí de meia idade e não muito alta, com uma cabeleira que mais parecia uma generosa cachoeira tombando pelas costas e descendo-lhe até à cintura, montada numa bicicleta mas com os pés no chão, calção noir de lycra, blusa talqualmente de lycra mas em pink-choque, encostada aos painéis da ponte, sorrindo -- fazia-se à fotografia. E, pasmada, vi que quem a fotografava era, nem mais nem menos que, imagine-se... o meu marido. Nem queria acreditar no que via. E o que ele demorou... e a loura a sorrir, em pose... Com o espanto nem me ocorreu logo captar o momento mas, ainda assim, ainda fui a tempo de tirar duas fotografias que comprovam o fenómeno.
Quando cheguei perto, estava ele a devolver-lhe o telemóvel. Perguntei-lhe se, quando estava a disparar, lhe tinha dito para ela dizer 'ba-ta-ta' ou 'cheeeeese' para ficar com um sorriso de boca aberta. Respondeu 'não sejas parva'. Perguntei-lhe se tinha sido ele a oferecer os seus serviços, tipo 'está tão gira, não quer que eu lhe tire uma fotografia?', e ele voltou a dizer para eu não ser parva, que tinha sido a loura platinadésima a pedir-lhe. Perguntei-lhe a que propósito é que, com tanta gente a passar na ponte, ela lhe tinha pedido justamente a ele, 'Sei lá. E o que é que querias que eu lhe dissesse?' e eu respondi que ele devia ter dito 'não posso, a minha mulher está ali'.
E isto, descrito desta maneira, até pode parecer uma crise de ciúmes. Mas é porque não esclareci que só vendo a cena... Só não ponho aqui uma das fotografias para não os identificar porque, juro, só vendo. De facto, eu ria à gargalhada e ele, que não é de gargalhar, também sorria. Contou que, de cada vez que queria disparar, aquilo lhe saía do sítio. Com um telemóvel desconhecido e a ver mal ao pé... Por isso, tinha demorado. Estou agora a ver as fotografias. Hilariante. Tudo aquilo é o oposto do 'género' dele, desde o estilo da ciclista até à situação em si.
Seja como for, sugeri que, quando ali voltasse, usasse um cartaz no peito e outro nas costas a dizer 'tiro selfies com gajas boas'. Não sei porquê mas acho que havia muita ciclista (e não só) que não se faria rogada.
Mas pronto, calo-me já e deixo-vos com as imagens da beleza do Mondego em Coimbra.






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E já cá volto para mostrar por onde andei depois. Mas, para já, digo que almoçámos no Alfredo, do lado de lá do rio. Mandámos vir uma feijoada e cabrido no forno que partilhámos. Excelentes. Um exagero de comida face ao que comemos habitualmente. Contudo, com o que andámos a seguir, acho que talvez as calorias tenham ido à vida.

Doce de tipo conventual delicioso.
Não me lembro se se chama Rosinhas de Rainha Sta Isabel.
(Ovo, amêndoa, laranja)
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Tenho que me levantar cedo e não quero maçar-vos para além da conta. 

Gostava  ainda de vos mostrar o Convento de Sta Clara e outras belezuras sacras e também a Quinta das Lágrimas, uma grávida com um barrigão estendida na relva e outras suaves calmarias mas nem sei se o faça ou me deixe disso e vá mas é pregar para outra freguesia. Já vejo.

Portanto, até já ou até amanhã.

E, entretanto, é ir passeando pelo blogue abaixo, como se fossem turistas acidentais à descoberta de Coimbra.

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4 comentários:

P. disse...

Que bela reportagem fotográfica tem vindo a fazer sobre Coimbra! Parabéns! E aquela romântica cidade beirã agradece, pode crer. Quando vou até à Beira-Alta, sempre que posso dou por lá um saltinho.
E ouviu um Fado de Coimbra?
P.Rufino

bea disse...

A JM tem muito jeito para fotografar e inventar.
Permita-me corrigi-la: o Sado não vai a correr ter com o mar. É um rio que gosta de Setúbal, fica por ali a embevecer. E por acaso, no Tejo noto algo semelhante. Nenhum deles é como o Mondego, o que não os diminui.

Um Jeito Manso disse...

Oh bea, então onde é que o Sado e o Tejo se entregam ao oceano?

Tem razão, eles gostam de banhar Setúbal e Lisboa mas têm dias em que parecem o mar, e são salgados, já se misturaram com o mar. Correr aqui nesse sentido, entregar-se nos braços do mar.

O Mondego em Coimbra ainda está longe do mar, ainda é apenas um rio que faz parte da cidade.

Nesse sentido.

E claro que não os diminui. São rios que correm no meu coração. Está a ver.

Um Jeito Manso disse...

Olá P. Rufino,

Não, não fui aos fados. Mas ouvi as músicas da estudantina nas ruas. Música daquela num entardecer dourado -- uma maravilha!