Bouquet à Manet (Manet gostava muito da sensualidade das grandes peónias) |
Jarra com peónias, Manet |
Tenho coisas.
Uma é que nunca fui de ir a floristas comprar flores para jarras. Acho mal empregado arranjar flores frescas para depois as deitar fora. Mesmo receber flores frescas de presente não é coisa de que goste muito. Olho o ramo tão bonito e, cá para, mim penso: 'mal empregadas, tão bonitas, e qualquer dia vão para o lixo, é dinheiro deitado ao lixo'. Claro que escondo que penso isto. Tento então preservá-las. Depois, quando estão secas, continuo a achá-las bonitas e custa-me deitá-las fora. Só recentemente deitei fora um ramo lindíssimo que uma das minhas primas me deu há que tempos.
Bouquet à maneira de Cézanne (para não correr o risco de morrerem, Cézanne fazia flores de papel que pintava. No entanto, acabavam por ir perdendo a cor) |
Duas jarras de flores, Cézanne |
Mas gosto de apanhar algumas no campo e deixá-las ir secando. Alfazema, por exemplo, gosto de apanhar e também gosto de lhes juntar folhas ou flores do campo. Mas, no campo, o que não falta são flores -- pelo que, se secarem, voltam à terra, não chegam a perder-se. Mas nem no campo gosto muito de as apanhar. Acho-as mais bonitas vivas. Cortá-las só para um deleite pessoal um bocado fútil parece-me uma violência desnecessária.
Escrevo isto e penso que, quem ler, deve achar que cá está mais uma maluquice, e da grossa. E deve ser pois gosto de ver belos arranjos florais quer ao vivo quer em fotografia. Mas, embora saiba que muita gente deve achar uma heresia, gosto ainda mais de arranjos de flores a fingir.
Bouquet à Renoir (do género dos arranjos que Madame Renoir gostava de fazer e que geralmente continham flores brancas) |
Grande jarra de flores, Renoir |
E assim é que, para colmatar esta minha pancada, nesta sala tenho ali num canto uma jarra de vidro com umas flores de pano, umas flores cor de marfim, grandes, abstractas. Numa outra, uma jarra de vidro azul, uma jarrinha pequena com um feitio incomum, tenho umas flores que são apenas umas hastes muito finas com as pontas azuis. Fica bonito, acho elegante.
E não tem que se assistir ao seu declínio pois não são flores, são representações de flores.
Ora bem. Estive a ver os belos arranjos outonais que aqui vos mostro e achei-os mesmo bonitos. Lá no campo, quando apanho flores, também as ponho em bules. Gosto especialmente de um bule muito antigo, de esmalte em tom lilás com o desenho de amores perfeitos lilases. Gosto de lá ter hastes de alfazema. A cor condiz, acho bonito. Estas estão em cafeteiras e as flores que compõem os arranjos podem ser vistas abaixo.
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Andar no campo, ver as cores puras das flores, sentir o seu perfume, ver as abelhas que as procuram para delas sorverem o açúcar, o mel, a secreta doçura, ouvir os pássaros atraídos pelo deleite dos tons que vibram à luz do sol, olhar a corola e os delicados órgãos que sob ela se ocultam -- esse é, para mim, o verdadeiro prazer que a companhia das flores me proporciona.
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E a propósito disto das flores, com vossa licença:
When Like the Sun de A.D. Hope, lido por Tom O'Bedlam
No vídeo, as flores são quase todas de Georgia O'Keeffe e a mulher nua reclinada é de Lev Tchistovsky
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2 comentários:
Reconheci as flores de Georgia O'keeffe:). Todos dizem que são sensuais. E são. Mas o que precio nela É o espírito de intimidade sinuosa. Contemplo-lhe as obras com o pudor de quem espreita uma janela e descobre, lá dentro,velado, alguém que se desnuda. As flores dessa senhora contêm muito mais sugestão que qualquer nu explícito. Por mais soberbo que seja o modelo.
Não compro ramos de flores ou só os compro raramente e por norma para oferta. Mas gosto delas. A pintura de flores é uma reacção à vida efémera que lhes cabe:). Provavelmente.
Aqui há uns anos, creio que uns 9, tive que manter contactos profissionais com alguns representantes de vários Ministérios. Entre mulheres e homens. Até vim a conhecer gente do SIS. Uma dessas pessoas, uma mulher, excelente profissional na sua área, do Ministério a que pertencia e representava nos nossos encontros, sempre que eles se realizavam, um dia convidou-me, a mim e aos outros, para um almoço de trabalho, informal, em sua casa. Que acabou por se prolongar pelo meio da tarde. Eu fui o último a sair. Era uma mulher intelectualmente brilhante. E lá conversámos. Estávamos, a certa altura, na varanda de casa dela, uma longa varanda, em frente à sala de estar, com uma bela vista para o mar, ali na Marginal. Lembro-me de ver um desses “Paquetes” a passar à nossa frente, mais adiante. Aquela zona tinha imensos pombos, mas que, curiosamente, não frequentavam a casa dela. Tinha reparado, de passagem, nuns canteiros, ou melhor, num corredor de um conjunto de pequenos canteiros ao longo da varanda, pendurados, mas não liguei muito à coisa. Sou, por vezes, pouco atento, num determinado momento só, depois não, acabo por dar conta do que me rodeia, uma vez a conversa o permita. Como foi o caso, quando ela me foi buscar uma bebida, julgo que um copo de vinho branco. E, para minha surpresa, sobretudo estando em casa de uma mulher, normalmente muito mais sensíveis às flores do que nós homens, verifiquei que todas as “flores” que se encontravam nos ditos canteiros…eram artificiais. Tão perfeitas que pareciam reais. Pasmei! E não resisti a perguntar-lhe o porquê de semelhante bizarria, to say the least. Resposta pronta dela: “porque foi a única forma de afastar os malditos pombos deste terraço, que me sujavam isto tudo. Que me dava dava-me uma trabalheira dos Diabos todos os dias a limpar. Detesto pombos! Se reparar, até a terra é fake”. Eles por aí andam, mas nos terraços dos outros apartamentos. Aqui, deixaram de aterrar. O Diabo que os carregue!”
Fiquei espantado. Nunca tinha visto uma varanda, ainda por cima com uma bela vista sobre o mar, com tanta “flor” artificial. Aquilo pareceu-me surreal. Estranho. Mas, era uma realidade. E ela estava muito feliz com a solução que engendrara, para afastar os pombos. Enfim, vidas! Cada pessoa é um caso.
Já quanto às flores em jarras, etc, não comungo desse tipo de “fundamentalismo”. Não me choca, embora eu, pessoalmente, as não compre, nem tão pouco saberia o que fazer delas. Cá por casa, minha mulher prefere, todavia, as flores, ou plantas - em vasos. Para assim se manterem por muito tempo. Agrada-me mais. Uma casa sem plantas, ou até flores, como digo em vasos, perde alma. E isto apesar de termos muita flor no jardim, incluindo a alfazema.
O neto por vezes, quando vai comigo, ou o pai, passear no campo, por sua iniciativa e não porque o instigámos, do alto dos seus 4 anos e meio (!), por vezes recolhe uma florzita ou outra, para, como diz, “dar à mãe, ou à avó”. Pelo caminho, vai ser um romântico. E malandro, pois a mim (e ao pai) oferece-nos umas “piquenas” bonitas, que ele recorta por vezes de revistas que deitamos fora. Guardo alguns esses “recuerdos” dele, pela graça que isso tem.
P.Rufino
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