Então mas alguém de bom senso acharia que, depois de ter falado de flores, os dedos ainda macios de dedilhar o teclado com palavras embebidas em cores e perfume, eu ia aqui pôr-me a falar do Deutsch Bank ou da matrafona búlgara que entrou nos últimos cem metros a ver se ganha a maratona da ONU (Marcelo dixit*)? Eu não. Posso ser maluca mas não sou parva.
Nem vou alargar-me no que se segue que se há coisa de que não sou capaz é de falar do que não conheço. E, meus Caros, se há coisa que eu não conheço, mas não mesmo, é o que se passa dentro da minha cabeça.
Ontem disse que não sou introspectiva -- e é verdade. Mas se não me interessa nada saber se sou assim ou assado (até porque acho que o mais provável é que seja assim e assado), a verdade é que gostava de perceber o que se passa dentro de mim para que as minhas mãos desatem a escrever palavras que, lidas de seguida, parecem fazer algum sentido. Não sei quem lhes encomendou o sermão pois no milionésimo de segundo antes de as escrever não faço a mínima ideia do que vai aparecer escrito. Ou seja, eu não sou. Mas o que é que dentro de mim, em que sítio, o quê, tem o meu ID? Não faço ideia.
Ilumina-se o meu cérebro por cada palavra que vai aparecer escrita? E têm cores pré-definidas por assuntos, amarelo para luz, azul para serenidade, encarnado para paixão? E lendo a sequência de cores do meu cérebro consegue reconstituir-se o que aqui está escrito? E eu que penso em flores, em pintura, em passeios pelas margens dos rios ou em sestas à sombra das árvores e que penso em amor, beijos, risos, tenho dentro de mim cores vibrantes que se interpenetram? E as pessoas tristes terão luzes cinzentas e apagadas?
Ou não é nada assim que se passa? Se alguém espreitar com aparelhos potentes o que se passa dentro de mim jamais vai poder identificar: ah, aqui está o cérebro de uma mulher que pode ter vindo de um outro planeta, que noutras vidas foi etrusca, bonobo do lado materno, que gosta de arte abstracta, que gosta de escrever pela noite fora, que gosta de ter da vida o lado caloroso? Será que perscrutando por dentro, com potentes radares e sondas ultra-sónicas, o meu e os vossos cérebros são iguais: luzinhas azuis quando se diz mar, luzinhas cor-de-rosa quando se diz flor? Se calhar até iguais aos dos macacos?
E será que quando estou cansada e, em vez de me ir deitar, me ponho aqui a escrever, o meu cérebro se ajeita, como se eu estivesse a arrumar a casa, a varrer o lixo? E quando chego à cama, fecho os olhos e adormeço, o meu cérebro vira-se de lado, quietinho, limpinho, as luzinhas todas apagadas e desata também a dormir? E, no dia seguinte, mais pontinhos de luz estão prontos a iluminar-se para me trazer alegria? Reproduzem-se? Uma série deles novinhos em folha, reluzentes, prontos para um novo dia?
E, se me sentem vulnerável, entram num frenesim, percorrendo vastos universos escuros, a ver como me defender do que me ataca? Doenças, mau olhado, malapatas cá para o meu lado -- e aí estão eles a comunicarem entre si a ver como me proteger?
Pergunto.
Só pergunto. Claro que poderia tentar espreitar um pouco do que já se sabe dos insondáveis mistérios que se escondem de mim, fechados a sete chaves na minha cabeça. Mas, apesar de me desconhecer, intuo as minhas limitações. Por isso, do que Fred “Rusty” Gage tem a dizer sobre o tema escolho apenas os bonecos.
Belas as imagens do que há dentro de nós, algures, visto de uma certa forma: a beleza da arte abstracta.
Para terminar este não-post, limito-me a transcrever alguns tópicos.
Belas as imagens do que há dentro de nós, algures, visto de uma certa forma: a beleza da arte abstracta.
Aquilo para que algumas pessoas olham com desdém dizendo: 'Mas o que é isto? Olha-se e não se percebe o que é?' Ou: 'Uma criança de quatro anos fazia isto, bolinhas e risquinhos às cores'.Aquilo que, afinal, comanda a nossa existência. A realidade abstracta e misteriosa que nos move.
Para terminar este não-post, limito-me a transcrever alguns tópicos.
Gage and his colleagues discovered that the human brain can give rise to new neurons throughout life. He also found that exercise and cognitive enrichment can increase the brain’s ability to generate more neurons.
Using new stem cell technologies, his team has shown that neurons generated from the skin cells of people with schizophrenia are dysfunctional in early developmental stages, providing a hint as to ways to detect and potentially treat the disease early.
By sequencing the genomes of single cells, Gage and collaborators showed that the genomic structures of individual neurons differ from each other even more than expected. This may help explain differences between closely related individuals.
Esta sou eu? A mulher-árvore?
Ou esta somos todos nós?
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* "Marcelo dixit" a propósito da metáfora da maratona
-- não o simpático epíteto que lá em cima usei para com a dita trafulha.
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E, agora que não fui capaz de falar de nada, sugiro que desçam até ao post abaixo. Flores de outono.
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1 comentário:
mas diz bastante não falando de nada no não post.
Quanto à árvore: somos todos assim, temos uma árvore dentro da cabeça. Nenhuma originalidade; mas há um tempo em que pensamos nela, nos convencemos.
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