sábado, junho 25, 2016

London is calling -
Look at you, look at you, the game is over

[A propósito do BREXIT, claro]


Big wheel



......

Estes meus dias trazem-me por sobre a actualidade do dia. Saio cedo de casa, regresso tarde e, pelo meio, não tenho um minuto meu. Bem, estou a exagerar: ontem, por acaso, tive uns cinco ou dez minutos que me souberam que nem ginjas.

Mas hoje nem um minuto.

Sessões contínuas, sem me poder distrair - porque sou eu que estou a conduzir as reuniões e as conversas - e almoço em contexto profissional.

Ouço os mails a chegarem e, de vez em quando, espreito e vejo que, desde a última vez, já tenho mais de vinte por ler e, portanto, descoroçoada, logo viro o telemóvel de costas. Olhos que não vêem, coração que não sente. Agora que cheguei a casa já os estive a ver e a responder a uns quantos.
São fases da vida. E, dentro de algum tempo, tudo terá entrado na normalidade.
De manhã, ao ir no carro, ouvi aquilo do Brexit e, meio parva, fui tentando alcançar o que tinha acontecido. Custava-me a acreditar. Contudo, até que cheguei a casa e que o meu marido me esteve a contar tudo e, agora, em que as televisões aí estão, ao rubro, naquela euforia que tão bem as caracteriza nestes momentos fúnebres, não soube ou falei de nada relacionado com o que se passava no mundo. Quase que o mundo poderia ter-se rarefeito que eu, ali, teria permanecido convencida de que tudo estava normal. Estes fenómenos, em que parece que se cria uma bolha que nos isola do mundo e em que a única coisa importante parece ser o que ali está a acontecer, são misteriosos. Para dizer a verdade, volta e meia apetece-me dizer: alto e pára o baile que quero ver as notícias, quero saber se há algo de novo na ciência, se há alguma exposição para ser inaugurada em breve. Ou melhor: caraças para isto! agora tudo calado durante uns minutos que me apetece ouvir dizer poesia. Se algum dos presentes quiser presentear-me com um gesto de delicadeza, faça favor, sou toda ouvidos. Caso contrário, tudo de bico calado que me apetece ouvir dizer Neruda. (Neruda, por exemplo: podia ser Borges. Ou outro)

Mas não dá. Ainda não os conheço o suficiente para me poder armar em maluca.

London’s burning

Quando saí, música com força, telefonemas familiares e combinação de uma caminhada pela noitinha, ao fresco.

E agora que já é tão tarde aqui estou, sem vontade nenhuma de falar dos caramelos dos ingleses. Palavra.

Tenho trabalhado com gente de tantas nacionalidades e nunca como com um palerma de um inglês com quem tenho lidado de perto me engalinhei tanto. Já contei: com alemães, que tanta gente abomina, eu dou-me lindamente. No entanto, para dizer a verdade, dá-me ideia que têm vindo a emburrecer (antes, parece que, para além de simpáticos, eram todos pragmáticos, simples, terra a terra, excelentes colegas de trabalho. Agora são isso tudo mas em mais quadrados, mais em burrinho, parece que incapazes de um golpe de asa). Mas pode ser coincidência.

Mas aquele palerma daquele inglês... que coisa. Muito alto, talvez até interessante (para quem aprecie o género), charmoso, armado em bom, insinuante -- mas notoriamente um farsante, falso. Bem falante como poucos, um sentido de humor fantástico, mas um oportunista. Um descarado oportunista. Claro que também pode ser coincidência e o comum dos ingleses não ser nada disto.

Até esta sexta-feira, não levei isto da saída da UE a sério, parecia-me mais uma daquelas balelas em que os galãs ingleses parecem exímios. Via isto como uma manobra eleitoral do parvalhão do Cameron. Depois achei que os ingleses não seriam tão parvos, tão copofónicos, tão estupidamente auto-convencidos que à última hora não curassem a bebedeira do fim de semana e não caíssem neles.


Packing light

Dito isto, que não se pense que não ache que a cambada de deslustrados, amorfos pedantes, burocratas de meia tigela, que inundam aqueles atapetados corredores de Bruxelas em que se cozinham os povos europeus em banho-maria -- esses deputados e funcionários que ganham fortunas para, armados em bons, passarem por cima das ansiedades e anseios dos povos -- não estavam mesmo a pedir um valente pontapé nos testículos.

Acho. Há muito que acho que o estão mesmo a pedir.

The gherkin

Mas a responsabilidade não é dessa burocrática gentinha da união europeia. Não: a responsabilidade é nossa. Votamos em listas de gente que nunca ninguém viu ou achamos muito bem que se despachem para Bruxelas os nabos que não queremos em Portugal. Aceitamos tudo. 

Outras vezes não queremos saber das eleições europeias, não votamos.

E quando descobrimos que a nossa vida está feita num oito porque aquela pandilha põe e dispõe de nós como se alguém os tivesse ungido com os divinos óleos do poder já é tarde demais: já eles criaram regras que nos ataram, algemaram, amordaçaram.

Por isso o descontentamento é óbvio, legítimo, expectável. Dos ingleses e dos franceses e dos portugueses e dos gregos, e, a bem dizer, de toda a gente.

Mas se uma família está descontente com a empresa que gere o condomínio do prédio pega na bagagem e larga o prédio? Acho que não. Acho que deve é discutir o descontentamento em assembleia de condóminos e, eventualmente, propor a mudança da empresa. Não faz sentido mudar-se do prédio, nem faz sentido esquecer as razões que os levaram a decidir lá viver.
Até porque, com essa decisão limite, a família pode dividir-se: uns podem preferir divorciar-se e permanecer naquela casa.
Enfim. Votaram, está votado.

Agora é olhar de frente o day after.

Não me parece caso para perder a cabeça e desatar a panicar com a reacção dos mercados mas também não me parece que possamos ignorar que uma bomba foi detonada no seio da Europa. Com a imaturidade do Cameron ao fazer uma campanha com base na promessa de levar por diante um referendo a propósito de uma situação tão complexa de referendar, pode ter-se aberto a caixa de pandora. Falta uma liderança capaz nesta Europa. Talvez António Costa ou o Matteo Renzi tivessem o carisma e a determinação para agarrar nas rédeas desta desgovernada União - mas o poder está tão disseminado e tudo funciona de forma tão difusa e incaracterística que, na verdade, admito que a perplexidade vá ser aproveitada pelas marines le pens desta vida, perigosamente contagiando as cabecinhas que acham que sair de uma união europeia é coisa para se fazer lampeiramente, cantando e rindo.

Urban warfare
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E não me apetece agora dizer mais do que isto. Não tenho sapiência para rapar de acontecimentos históricos e fazer paralelismos para, de seguida, puxar lustro à sapiência e dizer que, se soubessem mais de história, não haveria por aí tanto comentadeiro a metro a opinar sobre o sucedido. Mas não é só não ter sapiência: é que, na verdade, acho que é frouxo querer explicar tudo, tudo, tudo o que se passa na actualidade com base no que já se passou no passado. Primeiro, se dá o conforto de encontrar um padrão (o que é útil a quem precisa de compartimentar os acontecimentos segundo padrões conhecidos), a verdade é que, daí, não dá para prever o futuro, o que torna o exercício a modos que fútil. Segundo: sendo o contexto e as circunstâncias tão díspares, dificilmente a evocação histórica tem qualquer utilidade prática. É como se, caso me caísse agora um dente, me aparecesse pela frente um desses convencidos a dizer, com ar superior: qual o espanto? então não se lembra que aos cinco anos também lhe caíram vários?

Pois. Grande notícia. E daí? Concluo o quê? Que me vai voltar a nascer um dente no lugar do que caíu?

Ora abóbora.

Portanto, não digo mais nada. Quem se deita com crianças acorda mijado -- sempre ouvi dizer. E é no que dá pôr à frente dos destinos dos países e das instituições gentinha desqualificada, gente imatura, impreparada.


Pode ser que agora, face às ondas de choque, o sobressalto seja grande e as pessoas percebam com quem se estão a meter (populistas, xenófobos, atrasados mentais, bebedolas) e, de alguma forma, ainda revertam ou atrasem a decisão de modo a que um novo referendo volte a confirmá-los na União europeia.

Tirando isso, nada.

E, meus Caros, só não acabo isto com um palavrão porque sou uma menina fina. Contudo, digo de outra maneira: até que atinem, eu quero é que os ingleses se reproduzam. E não é porque queira que ainda haja mais da raça deles, é só para estarem entretidos uns com os outros e não chatearem.

Atenção ao dedinho da menina: isso mesmo.
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Mas que não seja por isso. Se eu, no que para aqui estive a escrever, não dei uma para a caixa, tenho aqui o link para um texto a preceito. Nem todas as evocações históricas são pura basófia, há interpretações ou análises que fazem sentido, que vão mais fundo, ao que pode muito bem ser a raiz da questão. Enviado por um Leitor que bebe do fino, que sabe do que fala e com quem sempre aprendo, um texto que agradeço e que os Leitores certamente também apreciarão:


Brexit as Nostalgia for Empire 


The Zong Massacre of 1781
The run up to the EU referendum has shown Britain for what it is. Woodwork: the washed-up bracken of the British Empire, and the ugly flotsam of its legacy of racism.

(...)

If what we want is to live in a more equitable society, it is dangerous to begin by voting for an outcome which has been driven by racism. A nostalgia for empire is no starting point for emancipatory struggle based on solidarity with the oppressed.


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As duas últimas fotografias, a preto e branco, foram feitas em Londres por Britt van der Meijden. As primeiras, condimentadas com uma pitada de humor, respeitam também a Londres e são da autoria de
James Popsys. A última imagem, a gravura, consta do artigo acima referido.

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E é chegada a hora da poesia. Se alguém aí tiver uma poesia para me dizer, só a mim, agradeço. Enquanto a não ouço, vou ouvir esta


"When we Two Parted" de Lord Byron (lido por Tom O'Bedlam)


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado.

Sejam felizes, está bem?

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1 comentário:

Anónimo disse...

Don't Follow Your Passion - https://www.youtube.com/watch?v=CVEuPmVAb8o


Bob Marley