quinta-feira, junho 23, 2016

História de um coração que parece de gelo mas que é capaz de emoções calorosas




Uma vez mais, adormeci. Depois de ter escrito o post sobre o futebol, sobre Gabor Kiraly, o carismático guarda-redes húngaro, e sobre a bela caracolada, deslizei até ao sofá e pus-me a ler sobre alguém que conheço bem. Não sei como é que conheço tão bem, mas conheço. A cada página, encontro um comportamento que identifico e quase poderia adivinhar a forma como vai reagir. Sei o que faz, sei o que pensa, sei como reage. E, no entanto, não é porque seja igual a mim. Pelo contrário: é o meu oposto. Mas é como se o conhecesse tão bem que poderia reproduzir, um por um, os seus passos. Ou melhor, não os seus passos, mas os seus pensamentos. 


Como livro, posso dizer que acho um bom livro mas não é daqueles que me levem pela mão por entre labirintos ou jardins na ânsia de conhecer os próximos passos, ou que me detenham, uma mão aberta no meu peito, suspendendo-me a marcha e forçando-me a reler cada palavra para que veja como a beleza pode descer sob os nossos olhos na forma de palavras cerzidas como sumptuosos bordados ou delicadas pinturas. Está bem escrito, claro, mas talvez porque não me traz novidade ou porque não existe aquela pitada de humor de que preciso como condimento em todas as parcelas da minha vida, dou por mim à espera que aconteça um sobressalto, que o coração do personagem se estilhace, que caia por um poço sem fim, que um lobo de verdade entre no quarto e o devore, letra a letra, desencanto a desencanto. 

À página 168 adormeci. Minutos, apenas, acho eu. 

Acordei com o calor.

Estive agora à janela. A lua está branca, reflecte-se no rio. A aragem já refrescou. Poderia estar ali à janela um bom bocado, com vontade de que uma gaivota viesse de novo até à minha varanda. Mas, de noite, as gaivotas não se aventuram em voos fugidios. Só de madrugada, por vezes, as ouço gritar, parecem aflitas.


Há dias em que sinto algumas saudades. Recebi um mail, alguém que nunca se esquece de mim. Um afecto que perdoa as minhas ausências. E eu sou tanto de ausências. Vou substituindo umas pessoas por outras, umas vão saindo da minha vida, outras vão entrando. Não há espaço para todas. Esqueço-me de datas de aniversários. Nunca tomo nota de nada, não me apetece carregar com compromissos, obrigações, fio-me que o importante se manterá vivo na minha memória. Mas não mantém. Quando dou por mim já passaram as datas que eu não deveria ter esquecido. E penso, por vezes com alguma auto-recriminação, que eu deveria arranjar espaço na minha vida para manter acesos os vínculos que foram importantes. Mas sei que me esqueço, que o que passa perde relevância. Apenas uma ou outra pessoa persistem, e dessas eu sinto saudades.

Li o mail, tão querido, querendo combinar um encontro para este verão e eu fiquei a olhar, enlevada. Não respondi logo, quis pensar no que responder. Passado um bocado, no meio de tantos afazeres, já me tinha esquecido. Depois, como o mail estava lido, já não o vi quando voltei a ver os mails. Só ao fim do dia me lembrei. Achei-me, uma vez mais, desligada. É como se fosse caminhando, e não apenas deslizando, em cima do tapete rolante do tempo, deixando para trás os que acompanham o movimento normal do tempo.

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Por estes dias aprendo um novo léxico, conheço novos lugares, novas pessoas. De vez em quando na minha vida acontece-me isto: parece que bastam dois passos ao lado para entrar num mundo que desconhecia. Tudo novo.

Visito lugares em que já antes estive, várias vezes até, e porque me dão a ver uma outra realidade, eu vejo agora que tinha estado como que cega para aquilo que antes, por não estar alerta, pura e simplesmente ignorava, não via, juraria que não existia.

Entra, pois, na minha vida, uma outra vida, junta-se às anteriores. Depois, ao voltar a dar os tais passos ao lado, reentro na anterior e, de repente, aquela que antes me preenchia como sendo total e única já me parece apenas metade. E quase parece que, no espaço de dias, me transformei por dentro.

Poderia isto ser uma sensação única, extraordinária. Mas não, já me aconteceu várias vezes na minha vida. Depois entra na normalidade, a minha nova vida passa a ser esta. Até que volte a acontecer uma nova descoberta.

Escusado será dizer que gosto disto. Parece que me vou desdobrando, percorrendo caminhos quase paralelos, vivendo várias vidas.

A depois, a meio ou ao fim do dia, ou à noite como agora, enquanto penso naqueles que em mim pensam e de quem tenho saudades, procuro as águas que em mim correm, livres, limpas e nelas banho, com prazer, os meus pensamentos e sonhos.


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Talvez nem venha a propósito (mas eu gosto do que não vem a propósito, especialmente porque geralmente até vem). Para não darem por perdida a vossa vinda aqui, convido-vos a ver uma sessão fotográfica fantástica.

A Moncler Icelandic Fairytale by Annie Leibovitz


The moral of this story of icy snow and warm emotions? It is this: even the hardest, seemingly impenetrable ice can guard the warmth of the purest form of love. Layers and layers of ice can conceal the secret and harmonious sense of a profound emotive link. One which is worth fighting for, when necessary.

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As fotografias das terras frias da Islândia que usei para dar alguma graça ao texto são de  Pawel.

Lá em cima era Ludovico Einaudi a interpretar "Elegy for the Arctic"

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E, aos que aterraram agora aqui, convido a virem ver uma pessoa com muito estilo. Não será das calças nem do penteado: mas é um quelque chose que se sente à distância.


1 comentário:

Rosa Pinto disse...

21 a 29 sou adulta!!!