sábado, junho 18, 2016

A viagem do ADN
- Quais as nossas origens?


O Fernando Ribeiro, num comentário ali mais abaixo a propósito de um outro vídeo maravilhoso sobre o DNA, deixou um outro que vi com interesse e, ai mãezinha, com que vontade de ir atrás daquilo. Já o mostro lá mais em baixo.

Estive a ver. Dá ideia de que, por detrás da curiosa iniciativa, há um concurso patrocinado por uma agência de viagens: pode ganhar-se uma viagem a um dos países que consta do nosso cadastro do ADN. Nada mau.

Mas o engraçado não está aí, está na identificação das nossas origens (se é que isto se pode dizer assim - e, se não for, os cientistas que, por favor, me corrijam)

Saber onde nasceram os meus antepassados é uma coisa que a mim me desperta interesse.




Durante muito tempo, muita gente, por exemplo na rua, achava que eu seria francesa. Dirigiam-se a mim: Française? Presumo que teria a ver com o facto de eu, durante bastante tempo, ter usado cabelo rapadinho, muito a la Jean Seberg, e blusas justinhas, calças justinhas ou vestidinhos desempoeirados. 

Gosto muito de França, muito mesmo, e não só de Paris. Também de toda a Normandia, e volta e meia tenho vontade de regressar a Saint-Malo, ou o sul de França, ou aquela costa maravilhosa que se junta à de Itália, o mar muito verde lá em baixo.

E gosto muito de Itália, muito, e tenho muita vontade de ir conhecê-la melhor. Ainda recordo com espanto, e já disso aqui falei, aquela vez em Génova em que descíamos a pé as ruas empedradas até ao porto, aquelas casas banhadas pelo sol quente do entardecer, e, de uma ruela saía um canto, uma jovem mulher cantando árias enquanto, ao lado, um homem jovem tocava violoncelo. Um momento sublime na minha vida. Um momento assim passa a habitar a nossa memória de uma forma feliz e transcendente.

Também sempre me senti bem em Espanha. Até ao AVC do meu pai, ia umas duas ou três vezes por ano a Madrid, quando não mais. Agora saio cada vez menos do país, parece que não fico descansada indo para longe. Também gosto de Barcelona. Mas, de todas, a cidade espanhola de que mais gosto, mas que gosto mesmo muito, é San Sebastian, a bela basca Donostia. Difícil até explicar o quanto me atrai aquela cidade. Adoro lá andar, parece que lá é que eu deveria ter nascido. Acho que, um dia que me reforme, tudo farei para lá passar no mínimo umas duas semanas por ano. Mas não sei se é por sentir que tenho sangue espanhol. Não sinto isso.

O meu avô paterno tinha um certo ar oriental. Há chineses de idade que se parecem um bocado com ele. Não que tivesse olhos rasgados mas, não sei, acho que havia nele traços orientais. E tinha uma calma oriental. Gostava de estar no jardim ou na horta, tranquilamente, a tratar das suas coisas. E gostava de ir à pesca, e ia de bicicleta. Os filhos passavam-se com ele, que era um disparate, que um dia ainda tinha um acidente. Ele não lhes ligava. Até aos oitenta e tal anos lá ia ele, na maior paz, de bicicleta para as suas pescarias. Tinha antepassados orientais, com certeza. Talvez japoneses, mais do que chineses. Não faço ideia.

O outro avô era muito alto, muito louro, olhos azuis muito claros. Descenderia dos povos das terras frias do Norte, talvez. Lembro como me pegava ao colo e me colocava às suas cavalitas, lá bem no alto.

As minhas avós eram mulheres portuguesas típicas, acho eu. Algarvias. A minha avó paterna mais conservadora, a outra muito liberal.

E isto é até onde posso dizer.

Mas se me desligar do que sei dos que conheci, e tentar abstrair-me e pensar nas minhas origens, tenho para mim muito claro que devo descender de mulheres etruscas. Sinto-o como se guardasse em mim memórias desses tempos. Quase me parece que são tempos não muito longínquos. Acho que eram tempos muito bons esses e se eu, em abstracto, pudesse escolher um ambiente em que gostasse, ainda hoje, de viver, era para a reconstituição desses tempos que eu gostaria de ir. 

Ou, em alternativa, poderia viver na beira de um rio, num bosque, ser talvez índia, andar nua, balouçar-me numa cama de rede e folhas, estar sempre feliz, a rir, a banhar-me, a apanhar flores ou a escolher sementes. Ou a fazer colares, brincos, e a brincar - ah como eu gosto de brincar.

Ou, quem sabe, a frequentar salões literários e boémios, em tertúlias e noites de perdição, inspirar poetas e pintores, ordenar que me lessem poemas, que cantassem para mim, que me massajassem os pés (bem... isto não deveria fazer parte), que me servissem chás e me ensinassem sobre mundos novos.

Mas não é que ser musa me agrade especialmente, só se for musa distante, uma allumeuse

Ascendentes negros ou indianos não me parece que tenha, mas, enfim, não faço ideia.

Contudo, posso ter primos venezuelanos ou argentinos (que estupidez, agora não me lembro).

Já aqui falei disto, perdão, pois, pela repetição. Um dos meus bisavôs era muito rico, tinha muitas propriedades, casas e dinheiro. Mas era um boémio que estourou tudo no jogo e com 'mulheres'. Então, um belo dia, sem se despedir, fugiu. A mulher não lhe perdoou. Criou o meu avô e os restantes filhos mantendo uma raiva àquele marido que naquele desamparo a tinha deixado. Ninguém na família mexeu uma palha para saber dele. E se ele fez alguma tentativa para saber da família, não deve ter tido sorte.

Muitos anos depois, seria já ele um ancião, alguém vindo de lá falou que ele ainda era vivo, que vivia numa quinta, na maior solidão. Ninguém se condoeu. Acho que nem foi isso, acho que, na verdade, para toda a gente era como se, ao fugir, se tivesse suicidado.

Também já o contei: se ainda ninguém lhe chamou um figo, ainda hoje deve haver um belo terreno no Algarve que nos pertence e que nem o meu pai nem o irmão se deram ao trabalho de registar. Antes, em vida ainda do meu avô, era preciso uma certidão de óbito do pai dele. Poderia ter-se averiguado junto da embaixada. Depois, já era mais do que óbvio que não estava já vivo de certeza pelo que nem a certidão de óbito era precisa. Zero. Ninguém mexeu uma palha. Depois morreu o meu avô com noventa e tal anos. Agora o meu pai e o meu tio já estão nos oitenta e tais e obviamente que já não serão eles a tratar do assunto. Para aí uma vez por ano, eu e a minha prima dizemos, olha lá, temos que ver o que fazemos àquilo lá do terreno, devíamos pedir a algum solicitador. E ambas dizemos que sim. Mas algum papel deveríamos ter para pôr o assunto a mexer. E ninguém mexe uma palha para descobrir que papel seria este.

Da minha parte, sinto que aquela terra pertence a uma história que não acabou bem e que não sinto como tendo a ver comigo. O lado monetário da coisa não me diz nada, como se o dinheiro que aquilo valerá não compense o esforço de descobrir um papel gasto pelo tempo.

A história da minha família tem sido, assim. Desfazerem-se de tudo, sem olhar para trás. Tudo gente assim. Incluindo eu.

Portanto, às tantas, descendo é de nómadas, de gente desligada, de gente que andou a cruzar o mundo sem ser de lado nenhum. Talvez seja mesmo o mais provável. E essa ideia agrada-me. Agrada-me pensar que estou de passagem e que, de uma forma ou de outra, tenho vindo passando por aí.

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Este é o vídeo de que o Fernando Ribeiro falou e que vos convido a ver:

The DNA Journey



Vamos fazer o teste e ver se somos primos? Teria graça, não teria? 

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E não vem a propósito mas apetece-me dançar. Elevar-me, voar, libertar-me da gravidade desta vida.

(Na volta, tenho é gaivotas como antecedentes)



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Apetecia-me ainda ouvir um poema em português.

Queria um poema de um homem dito por um homem ou de uma mulher dito por uma mulher. Nenhum me prendeu (provavelmente porque me estava a apetecer alguma coisa especial, só pode, já que oferta no youtube é o que não falta).

Vai, portanto, um poema de que gosto muito, de uma mulher, Maria Teresa Horta, dito por um homem que diz muito bem, Pedro Lamares:

Segredo

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Das fotografias que ilustram o texto se diz no Bored Panda:

These rare and beautiful vintage portraits of Native American girls were taken between the late 1800s and the turn of the 19th Century, yet despite being over a century old, many of them are still surprisingly clear.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma belo sábado.


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